Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XIX Domingo do Tempo Comum – Ano C

Vigai!

Lc 12,32-48

Caros irmãos e irmãs,

A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe, exorta cada um de nós à vigilância. Jesus começa dirigindo uma admoestação aos seus discípulos, dizendo: “Não temas…”. Eles sentem medo. Sabem que são poucos e fracos diante de um mundo hostil.

Na Sagrada Escritura a primeira vez que aparece a palavra “medo” é imediatamente após nossos primeiros pais terem cometido o pecado: “Ouvi teus passos no jardim, por isso tive medo…” (Gn 3,10). O medo se nos apresenta nas suas mais diferentes facetas. Medo de Deus; medo de comprometer-se; medo da própria afetividade; medo do passado; medo do que é novo; medo de assumir-se cristão em locais públicos.

No Novo Testamento o anjo aparece a José e diz a ele: “Não tenhas medo!”. O Anjo Gabriel diz a Zacarias: “Não tenhas medo!”. E o mesmo anjo diz também a Maria: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus!”. Não ter medo é o primeiro obstáculo que nós precisamos vencer para nos aproximarmos do Cristo.

O medo nos destrói e nos corrói por dentro e não nos permite dar passos firmes na fé, e seguir adiante. O medo nos leva a enterrarmos os próprios talentos que Deus nos deu. O contrário de não ter medo significa confiar, ter a certeza, ter a convicção, a fé única neste Deus que nos ama e quer o nosso bem.

Mesmo quando o “mar” à nossa volta parece querer nos engolir, Jesus vem em socorro de nossas limitações, e nos estende a sua mão. Ele não nos quer acomodados em nossa falsa segurança. Se queremos seguir os seus passos, Ele sempre nos diz como disse a Pedro: “Venha!”. Na nossa falta de fé, duvidamos. Não somente de nós mesmos, mas do Senhor. Ele nos encoraja e nos levanta: “Homem de pouca fé, por que duvidaste” (Mt 14,31), ao mesmo tempo em que nos estende a sua mão.

O Senhor a todo momento continua a nos dizer: “Não tenhas medo!” (Lc 12,31). É necessário que, como Pedro digamos que aceitamos seguir os passos de Cristo, apesar dos riscos. Precisamos reconhecer nossas fraquezas, mas também nossas capacidades.

Esta exortação “Não tenhas medo” precisa ser lida numa dimensão muito ampla. Não devemos ter medo porque o homem foi redimido por Deus, e a redenção perpassa toda a história humana. Ele é a luz que resplandece nas trevas (cf. Jo 1,5). Jesus já dizia aos apóstolos: “Não tenhas medo!” (Lc 24,36) e após a sua ressurreição, disse também às mulheres “Não tenhas medo!” (Mt 28,10).

Nós somos movidos pelos nossos medos: medo de doenças, medo da morte, medo de algo não dar certo, medo de não conseguir. Medo dos nossos próprios fracassos, medo dos nossos erros, das nossas incertezas, das pessoas, da violência. O medo é nossa condição existencial; ele nos acompanha da infância até a morte. Não precisamos ter medo, porque o Senhor está com cada um de nós. Ele mesmo disse: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20). Lembremos também do que diz o salmista: “O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei? O Senhor é o protetor de minha vida, de quem terei medo?” (Sl 26,1).

A mensagem do evangelho é exigente. E Cristo, a este propósito, jamais iludiu os seus discípulos e aqueles que o escutavam. Ao contrário, com muita firmeza os preparava para toda espécie de dificuldades internas e externas, levando sempre em conta o fato de que eles podiam também decidir deixá-lo (cf. Jo 6,67). Portanto, se Jesus diz com insistência “Não tenham medo!”, certamente não diz isso para anular de algum modo o que exige. Antes, com estas palavras, confirma toda a verdade do Evangelho e todas as exigências nele contidas. Se o homem aceita a mensagem de Jesus, em atitude de fé encontra também na graça, a força necessária para enfrentar tudo isso.

A página evangélica deste domingo nos apresenta ainda uma catequese sobre a vigilância. Propõe aos discípulos de todas as épocas uma atitude de espera serena e atenta do Senhor, que vem ao nosso encontro para nos libertar e para nos inserir numa dinâmica de comunhão com Deus. O evangelista São Lucas reúne no evangelho três parábolas ligadas ao tema da vigilância.

A primeira parábola nos mostra que um Senhor viaja para ir a uma festa de casamento e deixa em casa os seus empregados. Eles sabem que o patrão voltará, mas não sabem quando. Poderia ser durante a noite ou antes do amanhecer e eles devem estar a postos para recebê-lo (v. 35-38). Com esta parábola, Jesus convida os seus discípulos a se manterem vigilantes como os serviçais que, durante a noite, conservam as lâmpadas acesas, cingidos os rins e a túnica dobrada. A vida dos discípulos é, portanto, uma espera vigilante, uma permanente disponibilidade para receber o Senhor que vem.

A segunda parábola nos fala de alguém que guarda na sua casa uma grande soma de dinheiro e fica perturbado porque sabe que o ladrão não avisa, chega de repente (v. 39-40). Esta parábola aponta para a incerteza da hora em que o Senhor virá. A imagem do ladrão que chega a qualquer hora, sem ser esperado é uma imagem sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado, a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem. A parábola também nos alerta sobretudo a sermos otimistas, a cultivarmos a esperança e, ao mesmo tempo, continuarmos vigilantes.

A terceira parábola constitui uma resposta de Jesus a Pedro, que lhe pergunta quem deve manter-se vigilante. Jesus lhe responde que todos devem vigiar (v. 41-48). É uma vigilância permanente para sermos encontramos prontos na espera do Senhor que vem. Ele pode chegar quando menos esperamos.

Através dessas três parábolas, Jesus explica como a espera do cumprimento da sua vinda deve impelir ainda mais a uma vida intensa, rica de obras boas: “Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Fazei para vós bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, do qual o ladrão não se aproxima e a traça não corrói” (Lc 12,33). Trata-se de um convite a utilizar os nossos bens sem egoísmo, nem sede de posse ou de domínio, mas segundo a lógica de Deus, a lógica da atenção ao próximo, a lógica do amor.

A vida dos discípulos de Jesus precisa ser uma espera vigilante e atenta, pois o Senhor está permanentemente vindo ao nosso encontro a desafiar-nos para nos despirmos das cadeias que nos escravizam e para percorrermos, com ele, um novo caminho.

Deus nosso Pai nos confiou a vida, para que a façamos frutificar em aventura de amor. Isso deveria nos preservar do “espírito de possessão” e abrir o nosso coração para aprender sem cessar a receber e praticar a caridade para com o nosso próximo.

A Virgem Maria, a quem veneramos como mãe, do céu interceda sempre por nós e nos ajude a não esquecer que aqui, na terra, estamos apenas de passagem, e nos ensine a viver os ensinamentos do seu filho Jesus que “está à direita do Pai, todo poderoso e de lá virá julgar os vivos e os mortos”, como recitamos na nossa profissão de fé. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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