Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B

Nenhum profeta é bem aceito pelo seu povo

Mc 6,1-6.

Caros irmãos e irmãs

O evangelho deste domingo traz o conhecido trecho onde Jesus afirma: “Nenhum profeta é bem aceito pelo seu povo” (Mc 6,4). Com efeito, com quase trinta anos, após ter deixado Nazaré e após pregar e fazer curas em muitos lugares, Jesus regressou à sua terra e pôs-se a ensinar na sinagoga, lugar do culto e da adoração. Os seus concidadãos ficaram admirados pela sua sabedoria e, conhecendo-o como o “filho de Maria”, o “carpinteiro” que viveu no meio deles, ficaram escandalizados com seus feitos (cf. Mc 6,2-3). Devido a este fechamento espiritual, Jesus não pôde realizar em Nazaré milagre algum. Apenas “curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos” (Mc 6,5). Com efeito, os milagres de Cristo não são uma exibição do seu poder, mas sinais do amor de Deus, que se realizam com a reciprocidade da fé das pessoas. Os contemporâneos de Jesus pareciam conceder-lhe escassa consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade onde Jesus cresceu e onde residia sua família.

A cena principal que nos é apresentada tem lugar na sinagoga de Nazaré, em um dia de sábado. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à sinagoga para participar do ofício sinagogal; e, fazendo uso do direito que todo israelita adulto tinha, leu e comentou as Escrituras.

Os ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado, deixaram impressionados os habitantes de Nazaré. Depois de o escutarem, os seus conterrâneos traduzem a sua perplexidade através de várias perguntas.  Duas perguntas apresentadas dizem respeito à sua origem e à qualidade dos seus ensinamentos: “De onde lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada?” (v.2); uma outra questão se refere à qualificação das ações de Jesus: “E os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?” (v.2). Recordam também o trabalho executado e a sua família (v.3).  Para eles, Jesus é “o carpinteiro”; não é um “rabi” e não tem qualificações para ensinar como ensina. Por outro lado, eles conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem nada de extraordinário. Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são pessoas comuns, sem qualificações excepcionais.

Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as ações que ele realizou são humanamente inexplicáveis. A questão será saber se estas capacidades extraordinárias que Jesus revela, não vindas dos conhecimentos adquiridos no contato com famosos mestres, nem do ambiente familiar, viriam de Deus. Desde o primeiro momento, os comentários dos habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e um tom depreciativo na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo próprio nome, mas usam sempre um pronome para falar dele: Jesus é “este” ou “ele”. Depois, o chamam depreciativamente “o filho de Maria”. O costume era o filho ser conhecido em referência ao pai e não à mãe. Os conterrâneos de Jesus não conseguem reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.

Na resposta aos seus conterrâneos, Jesus se coloca como um enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem para oferecer aos homens. Como, de fato, os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres judaicos, mas do próprio Deus; a vida que ele oferece é a vida plena e verdadeira que Deus quer propor aos homens. O povo teve sempre dificuldades em reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na Palavra e nos gestos proféticos. O fato de as propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra e até pelos seus familiares, não invalida a verdade por ele transmitida e a sua procedência divina. Jesus não realizou ali nenhum milagre porque estavam eles fechados à sua mensagem de salvação.

Jesus assume-se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão. A nossa identificação com Jesus nos faz continuadores desse mesmo ministério que Deus o confiou. O testemunho que Deus nos chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das incompreensões e oposições. Frequentemente, os discípulos de Jesus se sentem desanimados e frustrados porque o seu testemunho não é entendido e nem acolhido.  A atitude de Jesus nos convida a perseverar sempre.  Deus tem os seus projetos e sabe como transformar um fracasso em êxito.

É importante lembrar que o termo ‘profeta’ recebeu diversas interpretações ao longo dos anos. Inicialmente, identificava-se o profeta à pessoa que via o futuro e, posteriormente, passou a ser chamado de “rabi”, ou seja, o homem que anuncia. Contudo, a etimologia grega da palavra ‘profeta’, derivada de “pro-femi”, quer dizer, falar em lugar de outro. Daí o sentido do vocábulo profecia: algo dito antes que suceda. Em todo caso, o profeta tem uma missão a cumprir: transmitir a mensagem de alguém superior a ele. A Sagrada Escritura faz referência a muitos profetas, e alguns são conhecidos pelos seus próprios nomes.  Alguns deles nos deixaram uma mensagem por escrito, que chamamos na Sagrada Escritura de livros proféticos. Dentre estes profetas, pode-se destacar quatro, conhecidos como profetas maiores, são eles: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel.

Mas todo esse profetismo, presente no texto bíblico está orientado para Jesus de Nazaré e nele culmina.  Chegada a plenitude dos tempos, Deus já não nos transmitiu sua palavra por meio de intermediários, mas por seu próprio Filho que é sua Palavra pessoal feita homem (cf. Hb 1,1s).  Jesus testifica a autenticidade de sua palavra mediante os sinais que são seus milagres.  Assim, aparece diante do povo como profeta enviado por Deus e falando com autoridade própria.  Contudo, como todos os profetas que o precederam, Jesus teve que sofrer a desconfiança e a recusa dos homens, inclusive de seus concidadãos, como nos relata o texto evangélico deste domingo.

A perícope evangélica ainda nos fala em irmãos de Jesus. Isto porque, na linguagem usada naquele tempo eram também chamados irmãos os primos e os parentes, tanto próximos como afastados. Abraão, por exemplo, disse a Lot, seu sobrinho: “Peço-te que não haja contendas entre mim e ti, nem entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos” (Gn 13,8). Do mesmo modo Labão disse a Jacó: “Acaso, porque és meu irmão, me servirás de graça?” (Gn 29,15). Jacó era, no entanto, filho da irmã de Labão. Nos tempos atuais usamos também esta mesma linguagem.  Falamos que somos todos irmãos. E, com razão, não somos irmãos de sangue. Mas, somos irmãos porque temos Deus como Pai comum, pela fé e pelo Batismo e somos santificados pelo mesmo Espírito Santo, em Cristo Jesus.

A cena evangélica deste domingo nos remete ainda a uma outra referência que o Evangelista João relata, referindo-se a Jesus Cristo: “Ele veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11).  É a cada um de nós que, mais uma vez, se dirige a Palavra de Deus.  Podemos admitir que, também entre nós, Jesus não realiza “muitos milagres” e que sua Palavra nem sempre tem eficácia, talvez por falta de confiança e fé da nossa parte no poder do Espírito Santo que sempre faz novas todas as coisas.

Que saibamos receber o Cristo em nossa vida e, em cada Eucaristia, esteja ele presente em nosso coração e que ele mesmo nos conceda uma fé sempre mais firme para seguirmos fielmente os seus ensinamentos.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB.

Mosteiro de São Bento/RJ

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros