Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – X Domingo do Tempo Comum |Ano A

A vocação de Mateus

Mt 9, 9-13

Caros irmãos e irmãs,

O Evangelho que nos é proposto para a nossa reflexão neste domingo nos apresenta dois episódios distintos. No primeiro, temos o chamamento do publicano Mateus (v. 9); no segundo, temos a descrição de um banquete na casa de Mateus e uma controvérsia com os fariseus (cf. v. 10-13).  Os cobradores de impostos, também chamados de publicanos, eram considerados pecadores públicos, permanentemente atingidos pela de impureza e nem sequer podiam fazer penitência, pois eram incapazes de reconhecer todos aqueles a quem tinham defraudado.  Eram, portanto, impuros, e tidos como amaldiçoados por Deus e estavam excluídos da salvação.

Os que são chamados por Jesus nem sempre são os mais perfeitos e santos.  Podemos lembrar, por exemplo, do chamamento de Saulo de Tarso (cf. At 9,1-19), conhecido e temido perseguidor dos cristãos, que nutria um ódio de morte contra o nome de Jesus. Pois foi exatamente este fariseu chamado no caminho de Damasco que o Senhor escolheu para fazer dele o mensageiro dos seus ensinamentos e que muito haveria de sofrer pelo nome de Cristo (cf. At 9 15-16).

Na figura de Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio paradoxo:  quem aparentemente está afastado da santidade pode até tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os seus maravilhosos efeitos na própria existência. 

Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo as concepções em vigor na Israel daquele tempo, um pecador público. De fato, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os Evangelhos falam unitariamente de “publicanos e pecadores” (Mt 9,10; Lc 15,1), de “publicanos e prostitutas” (Mt 21,31). Enquanto a opinião popular os associava a “ladrões, injustos, adúlteros” (Lc 18,11). Com base nestes elementos, podemos dizer que Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus, também conhecido como Levi, em resposta a quem falava de escândalo pelo fato de ele frequentar companhias pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração:  “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2, 17). 

É o que temos na segunda parte do nosso texto (vv. 10-13), quando surge uma controvérsia entre Jesus e os fariseus, porque Jesus – depois de convidar o publicano Mateus a integrar o seu grupo de discípulos, algo que certamente nenhum “mestre” da época aceitaria, ainda se colocou à mesa com os publicanos e pecadores.

Tudo isto nos permite perceber o inaudito da situação criada por Jesus: Ele não só chama um publicano para o seu grupo de discípulos, como também aceita sentar-Se à mesa com ele (estabelecendo assim com ele laços de familiaridade, de fraternidade, de comunhão). O comportamento de Jesus é, não só atentatório da moral e dos bons costumes, mas uma verdadeira provocação.

No texto do Evangelho, Jesus desconcerta os fariseus, que ficam escandalizados, não tendo coragem de perguntar a Ele, mas perguntam aos Seus discípulos o porquê do mestre deles comer com os cobradores de impostos e pecadores. Nesse momento, Jesus toma a palavra, porque, nessa hora, se faz necessário que Ele intervenha, porque aí está o centro de seu anúncio, pois Ele veio não para chamar os justos, mas os pecadores.

O “banquete” era, para a mentalidade judaica, o lugar do encontro, da fraternidade, onde os convivas estabeleciam laços de família e de comunhão. Sentar-se à mesa com alguém significava estabelecer laços profundos, íntimos, familiares, com essa pessoa. Por isso, o “banquete” é, para Jesus, o símbolo mais apropriado desse “Reino” de fraternidade, de comunhão, de amor sem limites, que Ele veio propor aos homens (Mt 22,1-14; cf. Mt 8,11-12). Ao sentar-Se à mesa com os publicanos e pecadores, Jesus está a dizer, de forma clara, que veio apresentar uma proposta de salvação para todos, sem exceção; e que nesse mundo novo, todos os homens e mulheres têm um lugar. A única condição que há para sentar-se à mesa do “Reino” é estar disposto a aceitar o convite que é feito por Jesus.

No Evangelho de hoje Jesus quer mostrar que o olhar de Deus para a nossa vida é transformador. Jesus é a tradução desse olhar do Pai para cada homem, mesmo sendo ele pecador.  Jesus, ao olhar para o pior dos pecadores, vê surgir a possibilidade de transformação, que, por sua vez só é possível no amor.  Isso é demonstrado pela segunda leitura de hoje, tirada da Carta de São Paulo aos Romanos, ligado ao tema da justificação. Nosso Deus é justo porque Ele nos justifica, melhor dizendo, porque nos torna justos. Ele é justo e o modo de como se dá essa transformação, segundo São Paulo, é pela justificação.   Nós somos justificados pela fé. Nós somos transformados na medida em que, acolhendo e aceitando esse olhar misericordioso de Deus por nós, nós nos voltamos para Deus transformados.

Quando chamava os Apóstolos, Cristo dizia a cada um: “Segue-Me!” (Mt 4, 19; 9,9; Mc 1,17; 2,14; Lc 5,27; Jo 1,43; 21,19). Desde há dois mil anos que Ele continua a dirigir o mesmo convite a muitas pessoas. Este verbo “seguir” era usado nas escolas daquele tempo e indicava que uma pessoa começava a frequentar as lições do mestre e que se comprometia a seguir os seus ensinamentos.

Segundo os relatos bíblicos o evangelista Mateus está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus (cf. Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,15; At 1,13). O seu nome hebraico significa “dom de Deus”. O primeiro Evangelho canônico, que tem o seu nome, apresentado no elenco dos Doze com uma qualificação bem clara: “o publicano” (Mt 10,3). Desta forma ele é identificado com o homem sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento.

Cada Celebração Eucarística é também Isto: nós, pecadores, sentamos à mesa com Jesus, como ocorreu na casa de Mateus. É a mesa dos pecadores famintos e que precisam do alimento pão e da Palavra e precisam também da companhia de Jesus. 

A história da vocação de Mateus também nos convida a ainda refletir sobre cada um de nós.  Somos ainda chamados a imitar o gesto de Mateus, a aceitar o convite de Jesus que sempre nos convida a uma vida nova, deixando para trás nossos erros, nossos pecados e nossas fraquezas.

Mas chama também a nossa atenção o gesto de Mateus diante do chamado de Jesus: imediatamente ele se levantou e o seguiu. Neste “levantar-se” é legítimo ver o abandono de uma situação de pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, reta, na comunhão com Cristo. 

Peçamos a sua intercessão da Virgem Maria para que possamos viver sempre na alegria a experiência da vida cristã e suscite em nós sentimentos de abandono filial em Deus, que é misericórdia e bondade, e nos ajude a trilhar sempre o caminho a santidade. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento / RJ

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