Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – II Domingo do Tempo Comum – Ano C

BODAS DE CANÁ

Jo 2,1-11
Caros irmãos e irmãs!

A liturgia da Palavra propõe para este domingo o Evangelho das Bodas de Caná, um episódio narrado pelo Evangelista São João, que testemunhou o acontecimento e descreveu com detalhes o desenrolar dos fatos. Na descrição feita, tudo aparece repleto de profundo significado. É que o milagre operado em Caná da Galiléia, à semelhança de outros milagres de Jesus, constitui um sinal, ou seja, mostra a ação de Deus na vida do homem. É necessário meditar tal ação, para descobrir o significado mais profundo do que lá aconteceu.

Os fatos se desenvolvem em uma festa de casamento.  Conforme o costume judaico a festa de casamento durava uma semana, quando era consumido muito vinho. A uma certa altura da festa, o vinho acaba. Um momento constrangedor para os noivos. É Maria, talvez por estar mais próxima do pessoal de serviço, que vai dizer a Jesus: “Eles não têm mais vinho” (Jo 2,3).  Uma informação e, ao mesmo tempo, uma súplica.  A resposta de Jesus parece estranha: “Que temos com isso, mulher?  Minha hora ainda não chegou” (v. 4).  Jesus usou uma expressão idiomática, que significa apenas que o problema não devia ser resolvido por eles. Jesus se refere à Maria com o termo “mulher”, para indicar sua identidade de “nova Eva”.  A mesma expressão vai aparecer quando Maria está ao pé da cruz, no momento em que ela é entregue por mãe a João: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26).  Essa “hora” a que Jesus se refere e que aparece muitas vezes, nos seus lábios, é a hora da sua glorificação pela morte e ressurreição (cf. Jo 12,23; 17,1-2).  Essa “hora” de Jesus ainda não chegou.  Somente no momento de sua paixão e morte, ele será glorificado e revelará a plenitude de seu dom messiânico.

Maria, porém, confiante na ação do filho, prepara a ação de Jesus e diz aos servos: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).  É a solicitude maternal de Maria, que se mostra sensível à necessidade do próximo.  O texto alude à presença de seis talhas de pedra, que serviam para a purificação dos judeus.  Cada talha comportava cerca de 100 litros.  Jesus ordena que os servos as encham de água (v. 7). A observação de que eles as encheram até à borda é importante para mostrar a riqueza do dom de Jesus.  E o texto acentua a reação do mestre sala ao provar a água transformada em vinho: “Todos servem primeiro o bom vinho e, quanto os convidados já estão embriagados, servem o pior.  Tu guardaste o bom vinho até agora!” (v. 10).

A grande quantidade de vinho, cerca de 600 litros, e sua incomparável qualidade, simbolizam a abundância da graça de Deus que surgiu no meio da festa.  É o Cristo que transforma a água da nossa vida em vinho de festa e júbilo.  É também a presença de Jesus na festa que faz transformar o ambiente em espaço de alegria.  Na Sagrada Escritura o vinho é símbolo da felicidade e do amor (cf. Ct 4,10).  O Livro do Eclesiástico interroga: “O que é a vida do homem se lhe falta o vinho?” (Eclo 31,33).

É importante também lembrar que as seis talhas de pedra ressaltadas no texto estão vazias. Ainda não chegou até elas a água para as purificações.  É, portanto, impossível cumprir até mesmo aqueles ritos, inúteis, pois não comunicam paz, nem serenidade, nem alegria, mas apenas a sensação de que os judeus foram libertados do pecado.  As bodas de Caná sem vinho representam esta situação do povo desiludido, insatisfeito.

Notemos que a água, nossa bebida mais comum, ganha pela ação de Cristo um novo caráter: torna-se vinho, portanto uma bebida, de certa forma, mais valiosa. O sentido deste símbolo, da água e do vinho, encontra a sua expressão na Santa Missa. Durante o Ofertório, unindo um pouco de água ao vinho, pedimos a Deus através de Cristo participar da sua vida no Sacrifício Eucarístico.
O banquete de núpcias em Caná nos leva a pensar também no matrimônio, em cujo mistério está incluída a presença de Cristo. A presença de Jesus nas bodas de Caná é um prelúdio da elevação do casamento, instituição humana, à dignidade de sacramento.  Cristo presente no casamento e Cristo presente na família.  E não deixa de ser este o objetivo de Jesus: trazer à relação entre Deus e os homens o vinho da alegria, do amor e da festa.

Esta descrição evangélica nos permite contemplar o matrimônio dentro da perspectiva sacramental. Conforme lemos no Livro do Gênesis, o homem deixa seu pai e sua mãe, e se une à sua mulher, para, em certo sentido, constituir com ela um só corpo (cf. Gn 2,24). Cristo repetirá estas palavras do Antigo Testamento falando aos fariseus, que lhe faziam perguntas relacionadas com a indissolubilidade do matrimônio. Referiam-se, de fato, às prescrições da Lei de Moisés, que permitiam, em certos casos, a separação dos cônjuges, ou seja o divórcio. Cristo respondeu-lhes: “É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres, mas no começo não foi assim” (Mt 19, 8). E citou as palavras do Livro do Gênesis: “Não lestes que o Criador no começo, fez homem e mulher (…) Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 4-6).

Assim pois, na base de toda a ordem social acha-se este princípio de unidade e de indissolubilidade do matrimônio. O princípio sobre o qual se apoia a instituição da família e toda a vida familiar. Tal princípio recebe confirmação e nova força na elevação do matrimônio à dignidade de sacramento.

Este o vínculo matrimonial, que nasce do amor recíproco, se exprime mediante o juramento conjugal, que começa e se realiza diante da infinita majestade de Deus, por aquele mesmo amor com que o Pai nos amou no seu Filho, Jesus Cristo, Redentor do mundo!

Os esposos participam da função redentora de Cristo, ao assumirem integralmente, por vocação divina, a finalidade para a qual o matrimônio foi instituído. Cada união nasce pelo pacto entre um casal, mas com um conteúdo divinamente estabelecido, a unidade e a indissolubilidade, ordenado à procriação e à educação da prole.  O matrimônio, a maternidade, a paternidade, a família, tudo isto pertence à ordem da natureza, desde quando Deus criou o homem e a mulher; e tudo isto, pela ação de Cristo, vem a ser elevado à ordem sobrenatural. O sacramento do matrimônio torna-se o modo de participar da vida de Deus.

A presença do Filho de Deus nas bodas de Caná da Galiléia serve de especial confirmação desta grande verdade. Jesus ali chega com sua Mãe e os apóstolos. Antes mesmo de confirmar, com suas palavras, a indissolubilidade do matrimônio, como instituição divina “desde o início”, Jesus confirma com sua presença em Caná, a importância deste Sacramento, inclusive, com o primeiro milagre, que realiza pelo bem dos donos da festa.

Assim como a Virgem Maria intercedeu pelo casal nas Bodas de Caná, peçamos hoje que ela também interceda por todos os esposos, por todos os pais e por todas as famílias, para que, com a sua presença materna, possa também transformar em vinho todas as preocupações e dissabores, dando uma nobreza nova a esta sublime missão de pais e tutores. Que o poder santificador do Espírito Santo, que desceu sobre a Virgem de Nazaré e a fez Mãe do Filho de Deus, desça também sobre as famílias, para que nunca falte o vinho da alegria, o vinho do amor, o vinho do perdão e da unidade.  Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

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