Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – II Domingo da Quaresma – Ano C

II DOMINGO DA QUARESMA – C – A transfiguração de Jesus

Caros irmãos e irmãs,

Neste segundo domingo de Quaresma a liturgia da Palavra nos convida a meditar acerca das sugestivas narrações da Transfiguração de Jesus. No alto do Monte Tabor, na presença de Pedro, Tiago e João, testemunhas privilegiadas deste importante acontecimento, Jesus é revestido, também exteriormente, da glória de Filho de Deus que lhe pertence. 

O quadro evangélico tem como fundo de cena o céu escuro ainda pela madrugada, quando Jesus se transfigurou diante dos olhos dos apóstolos.  Seu rosto se tornou brilhante como o sol, e suas vestes ficaram alvas como a neve.  Uma nuvem luminosa, sinal bíblico da presença de Deus, os envolveu.  E apareceram Moisés e Elias, conversando com Jesus.  Do meio da nuvem ouviu-se uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Eleito.  Escutai-o”.  A alegria de todos foi tão grande, que Pedro exclamou: “Senhor, é bom estarmos aqui, façamos três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (Lc 9,33).

E como o apóstolo Pedro, podemos também dizer: “É bom estarmos aqui” (Lc 9,33).  É bom estarmos juntos, reunidos ao altar do Senhor.  É bom estarmos na Casa do Senhor para escutarmos a mensagem que o seu Filho nos traz através do seu Evangelho.  Este é o convite que o próprio Deus nos faz: “Escutai o que Ele diz” (Lc 9,35).  Devemos escutá-lo porque só ele pode nos conduzir à Vida. Só ele tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6,68).  Nós somos chamados a escutá-lo, mas também a fazer tudo o que ele nos disser (cf. Jo 2,5).  Escutando a sua Palavra e praticando os seus ensinamentos seremos verdadeiramente discípulos de Cristo.

Neste domingo a primeira leitura nos apresenta a figura de Abraão, o modelo do crente que soube escutar a voz do Senhor. Diante do chamado do Senhor, ele deixou a própria terra, sustentado apenas pela fé e pela obediência ao seu Senhor.  Com Abraão, também nós somos convidados a escutar e confiar nos desígnios de Deus.  E nesta primeira Leitura temos a narração da aliança estabelecida por Deus com Abraão, que responde “esperando contra toda a esperança” (Rm 4,18); por este motivo, ele torna-se pai na fé de todos os crentes, porque acreditou no Senhor.  Como Abraão, também nós queremos prosseguir o nosso caminho quaresmal, renunciando às nossas próprias vontades para estarmos em conformidade com a vontade divina.

Mas a transfiguração de Jesus não deixa de apontar também para a nossa própria transfiguração.  Como nos exorta São Paulo: “O Senhor Jesus Cristo transformará o nosso corpo perecível, tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso” (Fl 3, 21). Estas palavras do Apóstolo enfatizadas na segunda leitura deste domingo, nos recordam que a nossa pátria verdadeira está no céu e que Jesus transfigurará o nosso corpo mortal num corpo glorioso como o Seu.  Como de fato, Jesus quis dar um sinal e uma profecia da sua Ressurreição gloriosa, da qual também nós somos chamados a participar.

O evangelista Lucas ressalta como este fato extraordinário se verifica precisamente num contexto de oração. Enquanto rezava, o rosto de Jesus mudou de aspecto (cf. Lc 9, 29).  Jesus tinha o costume de subir ao monte para rezar (cf. Lc 6,12) e, normalmente, “à noite”, por lhe permitir estar a sós com o Senhor (cf. Mc 1,35; Lc 6, 12).

Por diversas vezes e sobretudo nos momentos mais urgentes e complexos, a oração de Jesus tornava-se mais prolongada e intensa. Na iminência da escolha dos doze Apóstolos, por exemplo, São Lucas sublinha a duração da oração preparatória de Jesus: “Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer a oração e passou toda a noite a orar a Deus. Quando nasceu o dia, convocou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos” (Lc 6, 12-13). Assim também deve ser a nossa oração, sinal da nossa amizade com Deus, a nossa intimidade com Ele. A oração deve ser entendida também como tempo para estar com o Senhor.

Sobressaem na oração três elementos: a fé em um Deus pessoal, vivo; a fé em sua presença efetiva; o diálogo entre o homem e Deus.  Um diálogo pessoal, íntimo, profundo.  Quem reza sabe que se encontra diante da Sabedoria Suprema, diante daquele que nos conhece.  Assim, quem reza tem fé na presença ativa de Deus.  É a fé viva da oração.  Onde cessa a oração, cessa também a fé viva; e onde cessa a fé, cessa a oração.  A oração é este diálogo, este colóquio com o Senhor.  

E a exemplo de Cristo, que se colocava frequentemente em oração, sejamos também nós convidados a viver o itinerário quaresmal em espírito de oração e de penitência, a fim de nos preparar desde agora para receber a luz divina que resplandecerá na Páscoa.

Estamos no tempo da Quaresma, esses quarenta dias de oração e de penitência com que a Igreja nos prepara para a solene celebração da Páscoa.  Quarenta era um número particularmente significativo no mundo bíblico.  O dilúvio durou quarenta dias e quarenta noites.  O povo hebreu viveu quarenta anos de vida nômade no deserto.  Moisés passou quarenta dias junto de Deus no Sinai. Também foi o prazo dado por Jonas aos ninivitas para a conversão.  Mas, sobretudo, Jesus passou quarenta dias de jejum no deserto, o que inspirou o estabelecer-se na Igreja estes quarenta dias de penitência da Quaresma.

O tempo da Quaresma nos é oferecido, precisamente, como uma ocasião para nos colocarmos mais na escuta da Palavra de Deus que Se fez carne. Possamos aproveitar para aprofundar o nosso silêncio interior, tornando-nos mais atentos ao que Jesus quer dizer a cada um de nós.

E agora, ao celebrar a Eucaristia, Jesus nos dá o seu corpo e o seu sangue, para que de certa forma possamos saborear já aqui na terra a situação final, quando os nossos corpos mortais forem transfigurados à imagem do corpo glorioso de Cristo.

Como Pedro, Tiago e João, também nós somos convidados a subir ao Monte Tabor juntamente com Jesus, e a nos deixar deslumbrar pela Sua glória.  E Maria, que como Abraão esperou contra toda a esperança, nos ajude a reconhecer em Jesus o Filho de Deus e o Senhor da nossa vida.  E que esta quaresma possa constituir para cada um de nós um momento privilegiado de graça e possa trazer abundantes frutos de bem.   Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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