Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva – IX Domingo do Tempo Comum – Ano B

A cura de um homem da mão seca

Mc 2,23-3,6

 

Caros irmãos e irmãs,

Entre os fariseus e os doutores da Lei a opinião dominante era que a observância do sábado era o principal preceito da Lei.  A prescrição do sábado, em hebraico “shabbat”, que quer dizer “repouso”, era uma das mais sagradas observâncias para os israelitas.  Na narração do livro do Gênesis temos que Deus havia descansado no sétimo dia, depois de completar a obra da criação (cf. Gn 2,1-3). Na travessia do deserto, o maná faltava no dia de sábado; e, então, no sexto dia de trabalho as pessoas colhiam uma porção dupla para ter o que comer no sábado (cf. Ex 16,25). Além da prescrição do Decálogo, há muitos outros lugares da Sagrada Escritura em que se fala do repouso do sábado, tido como um presente de Deus para o homem.  

O povo israelita tinha o costume de usar nos dias de sábado as suas melhores vestes, comer carne e tomar vinho.  Mas o ponto central de toda a comemoração estava no encontro da comunidade reunida na Sinagoga onde, pela manhã, era proclamada a palavra de Deus e se fazia a oração em comum.  Mas Jesus traz uma nova interpretação para a vivência deste preceito a respeito do dia de sábado. Jesus lembra, antes de tudo, que o sábado foi instituído para trazer alegria para o homem, não para escravizá-lo.  O ponto de referência a ser levado em conta é o bem do ser humano. Todas as prescrições são boas e devem ser observadas quando favorecem o bem do homem, do contrário, perdem a sua força normativa.

E sobre as observâncias prescritas para o dia de sábado, Jesus declara: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (v. 27).  Com esta resposta, Jesus revela a sua autoridade e indica a indizível dignidade do homem em Deus, redimido do pecado. Citando o exemplo de Davi, que, na necessidade, comeu os pães reservados aos sacerdotes, Jesus relativiza o legalismo já fragilizado (v. 25).  

Mas Jesus vai mais além e se proclama o próprio Senhor do sábado. Jesus não veio para destruir a lei do Antigo Testamento, mas para cumpri-la, por isto ele afirma: “O Filho do Homem é Senhor também do sábado” (v. 28). Superando as observâncias religiosas, Jesus faz lembrar que o desejo de Deus é a prática da misericórdia. É o amor, o respeito e a consideração para com o próximo em suas necessidades e carências, promovendo a vida.

Jesus soube se posicionar diante da Lei mosaica com respeito, submetendo-a às exigências da caridade. Para ele, o amor sobrepõe-se à Lei e justifica até mesmo seu aparente desrespeito.  Só por amor se pode prescindir da prescrição da Lei. Certa vez Jesus disse aos fariseus escandalizados com as suas atitudes: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes” (Mt 9, 12). Estas palavras chegam até nós como uma das sínteses de toda a mensagem cristã: a verdadeira religião consiste no amor a Deus e ao próximo. Isto é o que dá valor ao culto e à prática dos preceitos.

A Lei foi dada por Deus a seu povo com a finalidade de criar laços sinceros de relação com a divindade e com o próximo.  O amor a Deus se mostrará não no cumprimento literal do mandamento, mas sim na ação concreta em benefício do próximo, pois o amor ao próximo manifesta o amor a Deus.  E, dentro deste contexto, o texto evangélico nos mostra a cura do homem de mão seca, quer ocorre no âmbito de mais um conflito entre Jesus e seus adversários, fariseus e mestres da Lei, que procuram sem descanso um motivo para acusá-lo de violar a Lei de Moisés.

O Evangelista São Marcos nos faz mostrar Jesus na sinagoga com os escribas. Eles estavam atentos para ver se o Senhor iria curar alguém num dia de sábado. Percebendo o que eles estavam pensando, Jesus os provoca e chama aquele homem, cuja mão era seca, para o centro da sinagoga e lhe pede que estenda a mão. Imediatamente, sua mão ficou curada.

No texto do evangelista São Lucas, em sua narrativa do mesmo episódio, é mencionado que a mão atrofiada era a mão direita (cf. Lc 6,6-11). Podemos supor que aquele homem era um incapaz, pois não conseguia trabalhar, tendo sua mão principal, a direita, atrofiada. Por isso, esse homem, mesmo presente na sinagoga, sentava-se afastado, talvez nos últimos lugares, sentindo-se indigno e desprezado pelos demais, especialmente pelos que se consideravam mais amados e mais favorecidos por Deus.

Mas Jesus o chama. Significativas são as palavras utilizadas: “Levanta-te! Vem para o meio!” (Mc 3,3). Levantar-se, aqui, significa não apenas o ficar fisicamente em pé, mas, ao mandar fazê-lo, Jesus quer restituir-lhe algo mais que uma mão sadia: sua dignidade. E mais: “Vem para o centro!”. Para Jesus, aquele homem, mesmo considerado pecador e improdutivo pela sociedade da época, não deveria ficar à margem na sinagoga, mas era alguém tão merecedor de um lugar de destaque, de um assento melhor na comunidade quanto qualquer outro.

E Jesus ordena ao homem: “Estende a mão.  Ele a estendeu e a mão ficou curada” (v. 5).  Através deste gesto Jesus confirma a autoridade divina que ele possui.  O milagre é fundamentalmente sinal da sua identidade messiânica. Ele é o portador da salvação.

Curando os doentes, Jesus mostra que a sua oferta de salvação se dirige ao homem todo, sendo Ele médico da alma e do corpo. A sua compaixão por aqueles que sofrem o faz identificar-se com eles, como lemos na página do juízo final: “Estive doente e me visitastes” (Mt 25,36). É esta partilha profunda que Jesus pede aos seus discípulos quando lhes confia a tarefa de curar os enfermos (cf. Mt 10,8).

Existem também em nossos dias muitas pessoas que precisam ser curadas; muitos que estão com suas habilidades atrofiadas, seus talentos enterrados e sem esperança. Mãos paralisadas pela decepção, pelo medo, pela mágoa, pela falta de perdão. Mãos que não mais produzem. Possamos suplicar ao Senhor que também possa restaurar as nossas mãos, para que possamos utilizá-las para o bem e para a prática das boas obras.

Estendamos também nós as nossas mãos ressequidas a Cristo Jesus e possamos também pedir a ele, como fez Santo Agostinho: “Tem piedade de mim, Senhor! Aqui estão, não escondo as minhas feridas: tu és o médico eu o doente; tu és o misericordioso, eu o miserável… Cada esperança minha se coloca na tua grande misericórdia” (S. AGOSTINHO, As confissões, X, 28.29; 39.40).  Cristo é o médico, que nos traz a cura e nos devolve a saúde. Acolhamos seu amor que nos cura e ofereçamos também a todos àqueles que nos cercam este mesmo amor.  A Cruz de Cristo nos convida a deixarmos contagiar pelo seu amor, nos ensina a olhar sempre para o outro com misericórdia, sobretudo quem sofre e precisa de ajuda.

Lançando o nosso olhar para a Mãe de Deus, invocada pelo povo cristão como ‘Saúde dos Enfermos’, peçamos a sua intercessão por cada um de nós, para que, com a sua proteção materna, tenhamos sempre a saúde do corpo e da alma e para que possamos viver cotidianamente em união com o Cristo Senhor, colocando em prática os seus ensinamentos. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ.

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