Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva – VI Domingo do Tempo Comum – Ano C

As Bem-Aventuranças

Caros irmãos e irmãs

Este domingo o texto evangélico traz para a nossa reflexão o conhecido Sermão da Montanha, um novo programa de vida para se livrar dos falsos valores do mundo e abrir-se aos verdadeiros bens presentes e futuros. Quando Deus conforta, sacia a fome de justiça, enxuga as lágrimas dos que choram, isso significa que, além de recompensar cada um de forma sensível, abre também para os que passam por estas provações, o Reino do Céu.

As bem-aventuranças iluminam as ações e atitudes que caracterizam a vida cristã e exprimem o que significa ser discípulo de Cristo (cf. CIgC, n. 1717). Ao mesmo tempo, elas são como que uma biografia interior oculta de Jesus, um retrato da sua figura. Devemos olhar como Jesus viveu estas bem-aventuranças. Os evangelhos são, do início ao fim, uma demonstração da mansidão de Cristo, em seu duplo aspecto de humildade e de paciência. Ele mesmo se propõe como modelo de mansidão para nós.

O texto bíblico nos mostra que Jesus, dirigindo o olhar aos seus discípulos, diz: “Bem-aventurados os pobres… bem-aventurados vós, que agora tendes fome… bem-aventurados vós, que chorais… bem-aventurados vós, quando os homens… desprezarem o vosso nome”. Após as quatro menções aos “bem-aventurados vós”: os pobres, os famintos, os que choram e os que sofrem insultos por causa de Jesus, temos também quatro “ais”: ai de vós os ricos, ai de vós os que têm fartura, ai dos que riem e ai dos que são elogia- dos. Como afirma Jesus, tudo irá inverter no final dos tempos: os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (cf. Lc 13, 30).

Jesus diz inicialmente: “Bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o Reino de Deus” (v. 20). A palavra grega usada por São Lucas para “pobres” (ptôchos) traduz certos termos hebraicos (‘anawim, dallim, ebionim) que, no Antigo Testamento, definem uma classe de pessoas privadas de bens. São os desprotegidos, os pequenos, as vítimas da injustiça, que com frequência são privados dos seus direitos e da sua dignidade. Por isso, eles têm fome, choram, são perseguidos. Ora, serão eles, precisamente, os primeiros destinatários da salvação de Deus, que, na sua bondade, quer derramar sobre eles a sua bondade, a sua misericórdia, a sua salvação. Depois, a salvação de Deus dirige-se prioritariamente a estes porque eles, na sua simplicidade, humildade, disponibilidade e despojamento, estão mais abertos para acolher a proposta que Deus lhes faz em Jesus.

Jesus reassume neste sermão das bem-aventuranças as promessas divinas de que os pobres não terão nem fome e nem sede (cf. Is 49,10.13; Ez 34,29) e anuncia que eles serão saciados. Aos pobres, é prometido o Reino de Deus e assegurada, também, a participação na mesa da casa do Pai. A participação no Reino de Deus fará com que os pobres, que agora choram, possam ter motivos para rir e estar alegres.

O grande mal de todos os tempos é o de almejar a fortuna para um interesse pessoal e não para melhor servir a Deus. Sob esse prisma, não vem ao caso ser rico ou pobre, porque o primeiro desprezará o segundo, este invejará o outro e ambos incorrerão na sentença contida no versículo 24: “Mas ai de vós, os ricos, porque tendes já a vossa consolação” (v. 24). Os pobres em bens, podem ser ricos na fé, como dizia o apóstolo São Tiago: “Não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam?” (Tg 2,5). A ver- dadeira riqueza que torna os pobres bem-aventurados é o Reino de Deus.

No episódio da pesca milagrosa (cf. Lc 5,1-11), temos o chamado dos primeiros discípulos de Jesus, o texto conclui dizendo: Eles, atracando as barcas à terra, deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11). Nesta mesma página do evangelho encontramos o chamado de Levi, e a conclusão é semelhante: “Ele, abandonando tudo, levantou-se e o seguiu” (Lc 5,28). Esta é uma das características do verdadeiro discípulo de Jesus: Abandonar tudo para segui-lo. Os apóstolos e também muitos santos souberam reconhecer que a vida do homem não depende dos bens que ele possui.

O homem que constrói sua vida e projeta o seu futuro somente em função de si mesmo, é como aquele homem que construiu a sua casa sobre a areia (cf. Mt 7,21-29). Neste sentido, o rico pode tornar-se pobre, pois, a sua pobreza se mede pelo que ele perde: o Reino de Deus, como nos narra o mesmo evangelista São Lucas: “Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus” (Lc 12,21).

Neste sentido devemos sempre nos questionar de qual lado estamos: Entre os que constroem a vida sobre si mesmos ou entre aqueles que constroem sobre o Reino de Deus? Devemos estar sempre conscientes de que não podemos servir a Deus e ao dinheiro (cf. Mt 6,24). O motivo da alegria anunciada para os pobres consiste na promessa que é feita: para eles chegou o reino de Deus, para aqueles que fizeram a opção de não colocar a própria segurança nos bens materiais já teve início um novo mundo, pois tudo passa a ser em comum (cf. At 4,34). Esta é a proposta que Jesus faz aos seus primeiros apóstolos que deixam tudo para o seguir. Jesus também diz: “Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis saciados” (v. 21). O mais alto grau desta bem-aventurança consiste em suportar com resignação cristã, ou seja, sem revolta, sem in- veja e sem ódio, os sacrifícios decorrentes da pobreza material, isto torna o pobre um bem-aventurado. Por outro lado, também são bem-aventurados os que têm fome de Deus. A estes últimos, Deus alimentará com a sua graça, com mais abundância, na medida do desejo de perfeição.

Os pecadores encontram sua falsa felicidade na transgressão da lei de Deus. A estes adverte Jesus severamente, porque no dia do Juízo hão de chorar sua condenação eterna: “Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis” (v. 26). Ademais, ainda nesta terra, apesar de sua aparente alegria, vivem de tristeza, pois a consciência continuamente os acusa de suas faltas. Ao prazer decorrente do pecado sempre se segue o remorso pela falta cometida. Mas aqueles que choram de arrependimento pelos próprios pecados, já encontram, na sua contrição, consolo e felicidade. A experiência nos ensina que o arrependimento traz alegria, e é fruto da graça de Deus.

Lancemos uma vez mais o nosso olhar para a Virgem Maria, aquela que todas as gerações a proclamam de “bem-aventurada”, porque acreditou na boa nova que o Senhor lhe anunciou (cf. Lc 1,45.48). Que ela, mãe de Deus e nossa, interceda por cada um de nós e nos faça trilhar, todos os dias, com o coração dilatado, o caminho das bem-aventuranças. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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