Homilia D. Anselmo Chagas de Paiva – Solenidade de Pentecostes |Ano A

Jo 20,19-23

Caros irmãos e irmãs

A Igreja celebra neste domingo o dia de Pentecostes. No Antigo Testamento, Pentecostes era uma festa agrícola: cinquenta dias depois de recolher os primeiros frutos da colheita, oferecia-se a Deus as primícias do trabalho.  Este é o motivo do nome hebraico da festa: “Pentecostes”. Era um momento de agradecer a Deus pelas primeiras colheitas; por isso era conhecida também como “Festa das Colheitas” ou “Festa das Primícias”. Era o momento adequado para levar os primeiros frutos amadurecidos ao Templo como oferenda a Deus.

Esta festa teve um desabrochar bem específico no Novo Testamento.  Pouco antes da sua ascensão, Jesus disse aos discípulos: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade” (Jo 14,16-17). Pois foi cinquenta dias depois da Páscoa que aconteceu em Jerusalém a descida do Espírito Santo, mistério de infinita significação para a Igreja. Isto realizou-se no dia do Pentecostes, quando os apóstolos estavam reunidos em oração no Cenáculo com a Virgem Maria (cf. At 1,13s). É o dom solene do Espírito Santo, sem o qual não seria completa em nós a ação do Cristo ressuscitado.  Pentecostes é o complemento da Páscoa.  É o ponto de partida para a difusão do Evangelho no mundo.

A efusão do Espírito Santo na Igreja nascente foi o cumprimento de uma promessa de Deus, muito mais antiga, anunciada e preparada em todo o Antigo Testamento. Na primeira página do livro do Gênesis, ao narrar a criação do mundo e descrever o caos inicial, se diz que “o espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2).  Era a referência a um grande vendaval cósmico e materializava o sopro vivificador de Deus, que vinha dar força e vida ao mundo que nascia.

Também a Sagrada Escritura especifica que Deus insuflou pelas narinas do homem um sopro de vida para infundir-lhe a própria vida (cf. Gn 2,7). Depois do pecado original, o espírito vivificador de Deus irá manifestar diversas vezes na história dos homens, suscitando profetas para exortar o povo eleito a se voltar para Deus e a observar fielmente os seus mandamentos.

A primeira leitura (cf. At 2,1-11), nos faz voltar novamente ao início do Antigo Testamento, onde temos a antiga história da construção da Torre de Babel, descrita como um reino no qual os homens concentraram tanto poder que pensaram que já não precisavam de fazer referência a um Deus distante e, deste modo, eram tão fortes que podiam construir sozinhos um caminho que leva ao céu, para abrir as suas portas e pôr-se no lugar de Deus.

Enquanto os homens estavam a trabalhar juntos, construindo a torre, repentinamente deram-se conta de que estavam a construir um contra o outro. Enquanto tentavam ser como Deus, corriam o perigo de nem sequer ser mais homens, porque tinham perdido um elemento fundamental próprio da pessoa humana: a capacidade de se aproximarem, de se compreenderem e de trabalhar juntos (cf. Gn 11,1-9).

Por outro lado, a narração do Pentecostes contida no livro dos Atos dos Apóstolos, apresenta o novo curso da obra de Deus, principiado com a ressurreição de Cristo, que voltou para o Pai e agora envia o sopro divino, o Espírito Santo.  Esta abertura de horizontes confirma a novidade de Cristo na dimensão do espaço humano: o Espírito Santo supera as divisões e vai além dos muros e barreiras.  A contraposição entre Babel e o Pentecostes está, com efeito na afirmação de São Paulo: “O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão e domínio de si” (Gl 5,22-23).  Por esta razão, a dispersão ocorrida em Babel se contrapõe à unidade manifestada em Pentecostes.

O relato da descida do Espírito Santo descrito na primeira leitura, mostra a sua ação por meio do grupo apostólico no dia de Pentecostes.  O contraste entre a situação de antes e depois do dom do Espírito Santo é muito forte.  Antes: medo, tristeza, portas fechadas, não comunicação, dúvida, angústia, silêncio e clandestinidade, como nos relata o texto evangélico (cf. Jo 20,19).  Depois: coragem, alegria, abertura, comunicação, paz, fé, segurança e proclamação profética em plena rua.  Uma vez batizados com o Espírito Santo, são visíveis nos apóstolos a força e o dinamismo que vem do alto, que a narrativa da primeira leitura reflete.

Em Pentecostes, o Espírito Santo manifesta-se como fogo. Três grandes elementos caracterizam a descida do Espírito Santo: o vento, o fogo, as línguas.  O vento lembra exatamente o “Espírito”, para o qual na língua hebraica se usava a mesma palavra “ruah”, que significa “vento”, “respiração”, “sopro”.  Era o termo concreto de que se serviam para indicar o misterioso sopro de Deus, que é o Divino Espírito Santo. 

A chama do Espírito Santo desceu sobre os discípulos reunidos, pousou sobre cada um e acendeu neles o fogo divino, um fogo de amor, capaz de transformar. O receio desapareceu, o coração sentiu uma nova força, as línguas soltaram-se e começaram a falar com franqueza, de modo que todos pudessem compreender o anúncio de Jesus Cristo. Onde havia divisão e indiferença, surgiram unidade e compreensão.

A chama do Espírito Santo acendeu e infundiu nos apóstolos o novo ardor de Deus. Realiza-se assim aquilo que o Senhor Jesus tinha predito:  “Vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já tivesse sido ateado!” (Lc 12,49). Juntamente com os fiéis das diversas comunidades, os Apóstolos levaram esta chama divina até aos extremos confins da terra; abriram assim um caminho para a humanidade, uma senda luminosa, e colaboraram com Deus, que com o seu fogo quer renovar a face da terra. O fogo de Deus, o fogo do Espírito Santo, é aquele da sarça que ardia sem se consumir (cf. Ex 3,2). É uma chama que arde, mas não destrói; aliás, ardendo faz emergir a parte melhor e mais verdadeira do homem, como numa fusão faz sobressair a sua forma interior, a sua vocação à verdade e ao amor.

Esta solenidade que celebramos deve também nos fazer redescobrir o sacramento da Confirmação e voltar a encontrar o seu valor e significado. Quem recebeu os sacramentos do Batismo e da Confirmação deve lembrar que se tornou “templo do Espírito Santo” e, por isto, deve dar frutos de santidade e torna-se um cristão completo, porque a Confirmação aperfeiçoa a graça batismal (cf. CIgC, nn. 1302-1304). É mediante os sacramentos do Batismo, da Confirmação e em seguida, de modo continuativo, da Eucaristia, que o Espírito Santo nos faz filhos de Deus, membros da sua Igreja e chamados a professar a nossa fé na presença e na ação do Espírito Santo e a invocar a sua efusão sobre nós, sobre a Igreja e sobre o mundo inteiro.

Nesta Solenidade de Pentecostes, também nós queremos estar espiritualmente unidos à Virgem Maria, que em Nazaré o Espírito Santo desceu sobre ela, a fim de que se tornasse a Mãe de Deus (cf. Lc 1,35), que ela interceda sempre por nós, para que sejamos fortalecidos pela ação do Espírito Santo e saibamos viver e testemunhar com alegria mensagem do Cristo Senhor.  Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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