Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – IV Domingo do Tempo Comum – Ano B

Ensinava com autoridade

Mc 1,21-28

Caros irmãos e irmãs

O Evangelho deste domingo nos situa geograficamente em Cafarnaum, uma pequena cidade à margem do lago da Galileia, onde moravam Pedro e o seu irmão André.  É neste ambiente que ocorre o primeiro milagre de Jesus, segundo o evangelista São Marcos, quando expulsa o demônio de um homem que estava presente na sinagoga.

O texto evangélico nos trás duas cenas diferentes.  A primeira é a cena do ensinamento de Jesus que causa a admiração dos presentes (vv. 21-22).  A segunda cena é o relato da expulsão do demônio (vv. 23-28). Os dois episódios foram reunidos pelo redator do evangelho em uma unidade literária, cuja finalidade é descrever o primeiro dia da atividade apostólica de Jesus na cidade de Cafarnaum.  O fato ocorre em um dia de sábado, quando Jesus entra na sinagoga de Cafarnaum, para participar da liturgia sabática. A celebração começava, normalmente, com a profissão de fé (cf. Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras, uma da Torá e outra retirada do Livro dos Profetas; depois, vinha o comentário às leituras e as bênçãos finais.

Narra o evangelista Marcos que, sendo aquele dia um sábado,  Jesus foi imediatamente à sinagoga e pôs-se a ensinar (cf. v. 21). Isto faz pensar na primazia da palavra de Deus, Palavra que deve ser ouvida, acolhida e anunciada.  A principal preocupação de Jesus é a de comunicar a Palavra de Deus.

É bem provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas; e ao usar de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir dos estudiosos da Sagrada Escritura, conhecidos como “escribas”, todos ficaram maravilhados com as suas palavras, “porque ensinava com autoridade” (v. 22). Os ouvintes de Jesus estavam habituados a receber ensinamentos, mas a diferença que fazem entre o ensino de Jesus e o dos escribas e fariseus é que Ele ensina como um homem que tem autoridade. 

Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro” (v. 23). Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei e ficavam numa situação de “impureza”, isto é, afastadas de Deus e da comunidade.

Na perspectiva dos contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos homens a vida. Rodeado já pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-se como o Messias, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

O Evangelista São Marcos sublinha que o espírito impuro, que domina um homem presente na sinagoga, põe-se a interpelar violentamente Jesus. A ação da cura do homem constitui a comprovação de que Jesus traz uma proposta de que vem de Deus. Pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para o salvar de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.  E é exatamente isto que Jesus irá afirmar mais à frente:  “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10,10). Para o Evangelista São Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de ação: Jesus veio ao encontro dos homens para os libertarem de tudo aquilo que os faz prisioneiros e lhes rouba a vida.

Após os ensinamentos de Jesus suscitar a admiração das pessoas, segue-se a libertação de “um homem possuído por um espírito impuro” (v. 23). O homem possuído pelo demônio, que de repente se põe a gritar: “Que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste perder-nos? Sei quem és: o Santo de Deus!” (v. 24). Jesus não lhe responde com um pedido ou com palavras ou gestos mágicos, como costumavam fazer os exorcistas do seu tempo; mas com duas ordens determinantes: “Cala-te!”  e  “Sai!” (v. 25).  O “espírito mau” não aceita passivamente a ordem de Jesus; reage com violência ao ser contrariado, resiste, começa a gritar porque quer perpetuar o seu domínio sobre sua vítima.

Observa-se que o demônio reconhece em Jesus, pela sua santidade eminente, que ele é o “Santo de Deus”, ou seja o Messias. O demônio reage e grita pelo temor de ser destronado e perder seu poder no mundo.  Jesus não discute com ele, mas afasta-o.  O espírito imundo obedece e, imediatamente, sai daquele homem, e todos os presentes, admirados, percebem que entre eles chegou um profeta que anuncia uma “nova doutrina” e que tem, dentro de si, a força de Deus: Sua palavra de fato, tem autoridade, ou seja, realiza aquilo que afirma (v. 26-27).

Essa luta representa a rebelião das forças malignas que podem se encontrar também dentro de nós e não querem ser expulsos.  É o símbolo das dificuldades que o homem enfrenta quando quer despojar-se dos seus maus hábitos, que resistem e dos quais às vezes não é fácil libertar-se.  Jesus anuncia uma palavra nova, uma palavra de “autoridade”. Trata-se de uma palavra que faz crescer, que está ao serviço do crescimento do ser e da vida.  Precisamente a autoridade divina de Cristo tinha suscitado a reação de satanás, escondido naquele homem.  Jesus, por sua vez, reconheceu imediatamente a voz do maligno e disse severamente: “Cala-te e sai deste homem!” (v. 25). 

Para Deus, a autoridade significa serviço e humildade; significa entrar na lógica de Jesus, que se inclina para lavar os pés aos discípulos (cf. Jo 13,5), que procura o verdadeiro bem do homem, que cura as feridas, que é capaz de um amor tão grande que o leva a dar a sua própria vida. Pelo “cala-te”, Jesus anuncia seu poder sobre o mal, um sinal de que ele veio para “destruir o mal”, que atinge o homem. 

A situação do homem possuído pelo demônio representa a condição daquele que ainda não encontrou Cristo; vive subjugado por forças hostis que o destroem e que ele não consegue controlar.  Com a força da sua palavra, Jesus liberta a pessoa do maligno. E mais uma vez os presentes permanecem admirados: “Ele manda até nos espíritos imundos e lhe obedecem” (v. 27). A cura milagrosa do possesso era uma confirmação do poder sobrenatural que Cristo possuía, pois só Ele pode nos salvar do mal.

Na oração do Pai nosso, na sua última petição, Jesus nos ensina a pedir ao Senhor que nos livre do mal. Nesta petição, o Mal designa uma pessoa, satanás, o maligno, o anjo que se opõe a Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2851). São Pedro alerta: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda ao redor, como leão que ruge, buscando a quem possa devorar; resisti-lhe firmes na fé” (1Pd 5,8-9). 

O próprio Jesus foi tentado três vezes pelo demônio no deserto, e o venceu com o jejum, a oração e a força da Palavra de Deus (cf. Mt 4,3-10). Jesus se referiu a ele como seu adversário e o chamou de “príncipe deste mundo” (cf. Jo 12,31; 14,30; 16,11). São Paulo chamou-o “deus deste mundo” (cf. 2Cor 4,4) e preveniu-nos das lutas ocultas que devemos travar contra sua pluralidade: “Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio”. 

Ao longo de sua vida pública, Jesus também libertou muitas outras pessoas possuídas pelo mal, dentre tantas, podemos lembrar de Maria Madalena, de quem Ele fez sair sete demônios (cf. Lc 8,2), ou seja, salvou-a de um servilismo total ao maligno. Isto mostra que Deus, através de Jesus Cristo, quis restabelecer a paz verdadeira, completa, fruto da reconciliação da pessoa com Deus e com os outros. Com efeito, o maligno procura corromper sempre a obra de Deus, semeando divisão no coração humano, entre corpo e alma, entre o homem e Deus. Para realizar esta obra de reconciliação Jesus tornou-se Cordeiro, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29).

Peçamos hoje ao Senhor que também nos liberte de todas as ações do maligno, para sermos livres de todos os males, dos quais ele, o demônio, é o autor ou instigador, e para que possamos haurir sempre da misericórdia divina, sendo firmes na fé e na busca da santidade. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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