Quarenta Dias do Menino! Apresentar-nos ao Senhor.
Mons. José Maria Pereira
A Festa da Apresentação de Jesus no Templo, quarenta dias depois do seu nascimento,
apresenta diante de nossos olhos um momento particular da vida da Sagrada Família: segundo
a Lei mosaica, o Menino Jesus é levado por Maria e José ao Templo de Jerusalém para ser
oferecido ao Senhor (cf. Lc 2, 22- 24). Simeão e Ana, inspirados por Deus, reconhecem naquele
Menino o Messias tão esperado e profetizam sobre Ele. Estamos na presença de um mistério,
ao mesmo tempo simples e solene, no qual a Santa Igreja celebra Cristo, o Consagrado do Pai,
primogênito da nova humanidade. É um dos casos em que o tempo litúrgico reflete o
histórico, porque, hoje, completam-se, precisamente, quarenta dias desde a Solenidade do
Natal do Senhor. O tema de Cristo Luz, que caracterizou o ciclo das festas natalinas e culminou
na Solenidade da Epifania, é retomado e prolongado na festa de hoje. No encontro, entre o
velho Simeão e Maria, jovem mãe, Antigo e Novo Testamento unem-se, de maneira admirável,
em ação de graças pelo dom da Luz, que resplandeceu nas trevas, impedindo-as de prevalecer:
Cristo Senhor, Luz para iluminar os povos e glória do seu povo de Israel (Lc 2, 32). No Oriente,
esta Festa é chamada de Festa do Encontro: com efeito, Simeão e Ana, que encontram Jesus
no Templo e reconhecem n’Ele o Messias, tão esperado, representam a humanidade que
encontra o seu Senhor na Igreja. Trata-se de um belo encontro de Deus, que vem nos salvar,
com a criatura humana, necessitada de salvação, pois se encontrava sujeita à escravidão, por
medo da morte (Hb 2, 15). Contemplamos este mistério, na oração do Rosário, nos mistérios
Gozosos. É, portanto, um mistério de alegria: chegou-nos a Salvação, chegou-nos o Salvador!
O encontro de Jesus, com Simeão e Ana, no templo de Jerusalém, aparece como o símbolo de
uma realidade muito maior e universal: a humanidade encontra seu Deus na Igreja. Ouvimos
do Profeta Malaquias (Ml 3, 1- 4) que prenunciava esse encontro: “ Eis que envio meu anjo, e
ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu Templo o Senhor que buscais, o
anjo da aliança que desejais.” No Templo, Simeão reconheceu, como Messias esperado, a
Jesus e o proclamou Salvador e luz do mundo. Compreendeu que, doravante, o destino de
cada homem se decidia de acordo com a atitude assumida em relação a ele; Jesus será causa
ou de ruína ou de ressurreição. Lendo as coisas mais em profundidade, compreendemos que,
naquele momento, é o próprio Deus quem apresenta o seu Filho Unigênito aos homens,
mediante as palavras do velho Simeão e da profetiza Ana. De fato, Simeão proclama Jesus
como “salvação” da humanidade, como “luz” de todos os povos e “sinal de contradição”,
porque revelará os pensamentos dos corações (Lc 2, 29 – 35).
Nossa Senhora preparou o seu coração, como, somente Ela, e podia fazê-lo, para apresentar o
eu Filho a Deus Pai e oferecer-se, Ela mesma, com Ele. Ao fazê-lo, renovava o seu faça-se (SIM)
e punha, uma vez mais, a sua vida nas mãos de Deus. Jesus foi apresentado ao Pai pelas mãos
de Maria. Nunca se fez, nem se tornaria a fazer, uma oblação semelhante, naquele Templo.
A primeira pessoa que se une a Cristo, no caminho da obediência, da fé provada e do
sofrimento partilhado, é a sua mãe, Maria. O texto evangélico mostra-nos Maria no gesto de
oferecer o Filho: uma oferenda incondicional que a envolve em primeira pessoa: Maria é a
Mãe d’Aquele que é “glória do seu povo, Israel” e “luz que ilumina as nações” (cf. Lc 2, 32.34).
E ela mesma, na sua alma imaculada, deverá ser trespassada pela espada do sofrimento,
mostrando, assim, que o seu papel, na história da salvação, não termina no Mistério da
Encarnação, mas completa-se na amorosa e dolorosa participação na Morte e na Ressurreição do seu Filho. Levando o Filho a Jerusalém, a Virgem Mãe oferece-o a Deus como verdadeiro
Cordeiro, que tira os pecados do mundo: apresenta-o a Simeão e a Ana, como anúncio de
redenção; apresenta-o a todos como luz para um caminho seguro pela via da verdade e do
amor.
As palavras, que neste encontro, vêm aos lábios do idoso Simeão – “Os meus olhos viram a tua
salvação” (Lc 2,30) – encontraram eco no coração da profetiza Ana. Estas pessoas justas e
piedosas, envolvidas pela luz de Cristo, podem contemplar, no Menino Jesus, “a consolação de
Israel” (Lc 2, 25). A sua expectativa transforma-se, assim, em luz que ilumina a História. Simeão
é portador de uma antiga esperança, e o Espírito do Senhor fala ao seu coração: por isso pode
contemplar aquele que muitos profetas e reis tinham desejado ver, Cristo, luz que ilumina as
nações. Reconhece, naquele Menino, o Salvador, mas intui, no espírito, que, em seu redor,
jogar-se-á o destino da humanidade, e que deverá sofrer muito por parte de quantos o
rejeitarão; proclama a sua identidade e a missão de Messias com as palavras que formam um
dos hinos da Igreja nascente, do qual irradia toda a exultação comunitária e escatológica da
expectativa salvífica realizada. Ana é “profetiza”, mulher sábia e piedosa que interpreta o
sentido profundo dos acontecimentos históricos e da mensagem de Deus, neles escondido.
Por isso, pode “louvar a Deus” e falar “do Menino a todos os que esperavam a libertação de
Jerusalém” (Lc 2, 38).
A festa de hoje convida-nos a entregar ao Senhor, uma vez mais, a nossa vida, os
pensamentos, as obras…, todo o nosso ser. E podemos fazê-lo de muitas maneiras.
A liturgia, desta festa, quer manifestar, com efeito, que a vida do cristão é como uma oferenda
ao Senhor, traduzida na procissão dos círios acesos que se consomem pouco a pouco,
enquanto iluminam o ambiente. Cristo é profetizado como a Luz que tira da escuridão o
mundo sumido em trevas. Com este sinal visível, pretende-se significar que a Igreja encontra,
na fé, Aquele que é “a luz dos homens” e acolhe-o com todo o arrebatamento da sua fé para
levar esta “luz” ao mundo.
Seus pais maravilharam-se do que se dizia d’Ele. Maria, que guardava, no seu coração, a
mensagem do Anjo e dos pastores, escuta, novamente, admirada, a profecia de Simeão sobre
a missão universal do seu Filho: a criança, que sustenta nos seus braços, é a Luz enviada por
Deus Pai, para iluminar todas as nações: é a glória do seu povo.
É um mistério ligado à oferenda, feita no Templo, e que nos recorda que a nossa participação,
na missão de Cristo, que nos foi conferida no Batismo, está estritamente ligada à nossa
entrega pessoal. A festa da Apresentação do Senhor é um convite a darmo-nos, sem medida, a
“arder diante de Deus, como essa luz que se coloca no castiçal para iluminar os homens que
andam em trevas; como essas lamparinas que se queimam junto do altar e se consomem
alumiando até se gastarem”. (São Josemaría Escrivá, Forja, 44). Meu Deus, dizemos, hoje, ao
Senhor, a minha vida é para Ti; não a quero se não for para gastá-la junto de Ti. Para que outra
coisa haveria de querê-la?
São Bernardo recorda-nos que “está proibido apresentar-se ao senhor de mãos vazias.”
Simeão abençoou os pais do Menino e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser
causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de
contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma
espada te traspassará a alma” (Lc 2, 34-35).
Jesus traz a salvação a todos os homens; no entanto, para alguns, será sinal de contradição,
porque se obstinam em rejeitá-Lo.
O Evangelista São Lucas narra, também, que Simeão, depois de se referir ao Menino, dirigiu-se,
inesperadamente, à Maria, vinculando, de certo modo, a profecia relativa ao Filho com outra
que se relacionava com a mãe: “ uma espada atravessará a tua alma”. Com essas palavras do
ancião, o nosso olhar desloca-se do Filho para a Mãe, de Jesus para Maria. É admirável o
mistério deste vínculo pelo qual Ela se uniu a Cristo, àquele Cristo que é sinal de contradição.
Essas palavras, dirigidas à Virgem, anunciavam que ela estaria intimamente unida à obra
redentora do seu Filho. A espada, a que Simeão se refere, expressa a participação de Maria
nos sofrimentos do Filho; é uma dor indescritível, que atravessa a sua alma. O Senhor sofreu,
na Cruz, pelos nossos pecados; e esses mesmos pecados, de cada um de nós, forjaram a
espada de dor da nossa Mãe.
Podemos servir-nos das palavras de Santo Afonso Maria de Ligório, invocando Maria, como
intercessora: “Minha Rainha, seguindo o vosso exemplo, também eu, queria oferecer, hoje, a
Deus, o meu pobre coração…Oferecei-me, como coisa vossa, ao Pai Eterno, em união com
Jesus, e pedi-lhe que, pelos méritos do seu Filho, e em vossa graça, me aceite e me tome por
seu”.
Por meio de Maria, o Senhor acolherá uma vez mais a entrega que lhe fizermos de tudo o que
somos e temos.
Mons. José Maria Pereira