Jo 12,13-22
Meus caros irmãos e irmãs,
Neste domingo a Igreja nos faz voltar o nosso olhar para Roma,a fim de, ao menos em espírito, celebrarmos com ela o aniversário da Dedicação da Sé, Catedral do Papa, que não é, como muitos julgam, a Basílica de São Pedro do Vaticano, mas, sim, a Basílica de São João de Latrão, dedicada ao Santíssimo Salvador e tendo como copatronos São João Batista e São João Evangelista.
A consagração da catedral do Papa é lembrada hoje em todas as Igrejas do mundo, por ser a cabeça e mãe de todas as Igrejas. É mãe também pelo fato de ter sido a primeira Igreja construída depois que o imperador romano Constantino, no ano 313, concedeu inteira liberdade de culto público aos cristãos. Constantino foi imperador de 306 a 337 e se converteu ao catolicismo após ter tido a visão de uma grande cruz e ouvido a frase: “Sob este sinal vencerás”, às vésperas de uma difícil batalha. Vencendo a batalha em 312, além de converter-se e dar liberdade de culto aos cristãos, doou ao Papa Melquíades o terreno e a casa que herdara, através da mulher, da família Paluzi Laterani, sobre o Monte Célio, uma das colinas de Roma. O Papa adaptou a casa dos Laterani para moradia e começou imediatamente a construção da primeira igreja pública de Roma. Após sua morte, sucedeu-lhe o Papa São Silvestre I, que consagrou a catedral ao Santíssimo Salvador, no ano de 324. Por isso, na reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, a celebração da Consagração da Basílica foi considerada “festa do Senhor” e, por isso, quando coincide com um domingo, ocupa o lugar da Liturgia Dominical. Por ser cabeça e mãe de todas as Igrejas, sua consagração passou a ser celebrada anualmente também nas outras catedrais e igrejas paroquiais. A palavra “Latrão”, portanto, vem do latim Lateranum, e deriva do nome familiar dos primitivos proprietários do lugar, a família dos Leterani. O local foi residência dos Papas até o exílio de Avinhão, em 1305. Voltando o Papado a Roma em 1377, os Papas passaram a residir no Vaticano.
A celebração de hoje é, sim, uma expressão de unidade com a Igreja mãe de todas as Igrejas, mas é também ocasião para lembrar a Igreja onde nos reunimos todos os domingos. Os cristãos sempre tiveram cuidado e capricho na construção de suas Igrejas. Muitas delas são hoje verdadeiros monumentos de arte. Isto porque, para Deus, Senhor e dono de tudo, nosso desejo é sempre querer dar a ele o melhor e o mais bonito. Mesmo as Igrejas mais simples certamente expressam o que de melhor a comunidade pôde oferecer ao Senhor no momento da construção.
A arte, como a música, auxilia a criatura humana a entrar em espírito de piedade, de oração e de adoração, razão principal de ser de uma Igreja. Também porque o ser humano é sensível ao que vê. As pinturas, os mosaicos, os vitrais, as imagens, além de expressarem nosso sentimento religioso, nos educam na fé, tornando-se verdadeira catequese sobre os mistérios da salvação. A Igreja é também lugar de reunião. A palavra “igreja” vem do latim “ecclesia”, que por sua vez, vem do grego e quer dizer a assembleiado povo. É o lugar onde nos reunimos para louvar o Senhor e agradecer a ele os benefícios da filiação divina. Mas é, sobretudo, o lugar em que encontramos Jesus, real e substancialmente presente na Sagrada Eucaristia.
Com efeito, as igrejas são edificadas para serem dedicadas a Deus, como sua particular propriedade e sua morada no meio de nós, que somos o seu Povo. E dos nossos antepassados na fé recebemos a certeza da verdade revelada que Deus quer habitar no meio de nós. Quer estar conosco.
A perícope do Evangelho nos apresenta as palavras de Jesus pronunciadas diante dos habitantes de Jerusalém e dos peregrinos ali reunidos (cf. Jo 2,13-22). O povo era explorado no templo que se transformou em uma casa de comércio onde se vendiam os animais para os sacrifícios e trocavam as moedas pelas moedas do Templo.Cristo expulsou do Templo todos os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas que ali estavam. E exortou nesta ocasião: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. E completou: “Destruí este santuário e em três dias o levantarei” (Jo2,19). Nesta ocasião lhe apresentaram uma pergunta: “Que sinal nos apresentas para justificares o teu proceder?” (Jo 2,18). A resposta de Cristo suscitou um sentido de desconfiança, quando ainda dizem: “Foram precisos quarenta e seis anos para edificar este santuário e ele diz que pode reedificá-lo em três dias” (cf. Jo 2,20). Apenas os que estavam mais próximos de Cristo eram conscientes de que naquilo por ele feito, se manifestara o seu zelo filial pela casa do Pai, zelo que o devorava (cf. Jo 2,17). E os seus discípulos compreenderam mais tarde, quando Cristo ressuscitou, que ao expulsar os comerciantes do templo de Jerusalém, ele falava sobretudo “do santuário do seu corpo” (Jo 2, 21).
Assim, por isso, no dia em que celebramos a festa da Dedicação da Basílica do Latrão, que é mãe de todas as Igrejas, a liturgia deseja exprimir a grande veneração por este “Tabernáculo de Deus entre nós” (cf. Ap 21, 3), professando que ele simboliza o próprio Cristo crucificado e ressuscitado. Tenhamos consciência que Cristo quer estar conosco, quer habitar no meio de nós.
São Paulo também nos diz que somos “o edifício de Deus”. Esta imagem exprime a mesma verdade sobre a nossa união com Cristo. Assim escreve o apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto, e depois faz aos destinatários da sua carta, e também a cada um de nós, a seguinte pergunta: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós”? (1Cor 3,16). E acrescenta: “Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá” (1Cor 3,17). Concluindo em seguida: “Porque o templo de Deus, que sois vós, é santo” (1Cor 3,17). Como de fato, é assim devemos medir a nossa vida cristã. É uma medida que deve estimular o sentido de responsabilidade de cada um, a assumir generosamente os compromissos que derivam da sua inserção, mediante o batismo, no corpo místico de Cristo.
A beleza e a harmonia das igrejas, destinadas a prestar louvor a Deus, também nos convida a ser uma construção bem ordenada, em estreita comunhão com Jesus, que é o verdadeiro santo dos santos. Isto aconteceu de modo culminante na liturgia eucarística, na qual a Igreja, isto é, a comunidade dos batizados, se reúne para ouvir a Palavra de Deus e para se alimentar do Corpo e do Sangue de Cristo. Em volta desta dúplice mesa a Igreja de pedras vivas edifica-se na verdade e na caridade e é plasmada interiormente pelo Espírito Santo, transformando-se no que recebe, conformando-se cada vez mais com o seu Senhor Jesus Cristo. Ela mesma, se vive na unidade sincera e fraterna, torna-se assim uma oferenda perfeita agradável a Deus (cf. BENTO PP XVI, Ângelus, Domingo, 9 de novembro de 2008).
A festa de hoje celebra um mistério sempre atual: Deus quer edificar no mundo um templo espiritual, uma comunidade que o adore em espírito e verdade (cf. Jo 4,23-24). Mas esta celebração recorda também a importância dos edifícios materiais, nos quais as comunidades se reúnem para celebrar o louvor de Deus. Cada comunidade tem, portanto, o dever de conservar com cuidado os próprios edifícios sagrados, que constituem um precioso patrimônio religioso e histórico.
Ao percebermos que Cristo é o verdadeiro Templo, devemos perceber que também nós, pelo batismo, nos tornamos um santuário de Deus, conforme ouvimos na segunda leitura (cf. 1Cor 3,17). Amesma reverência que temos para com o Templo, porque é o lugar onde Deus está, devemos ter para com os nossos corpos, e para com os corpos dos nossos irmãos, porque somos o “santuário de Deus”.
Possa a festa de hoje não somente nos ajudar a compreender melhor o sentido do Templo cristão, como casa de Deus e porta do céu, mas possa também nos ajudar a nos redescobrirmos como “santuário”, “lavoura” e “construção” de Deus. Peçamos aintercessão de Virgem de Nazaré, para que nos ajude a tornar-nos,como ela, a “casa de Deus”, templo vivo do seu amor.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

