No último dia 23 de janeiro de 2025, a Santa Sé divulgou uma nota do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, assinada pelo Cardeal Arthur Roche, prefeito deste mesmo Dicastério.
A nota foi elaborada “em resposta a alguns pedidos de esclarecimento sobre a transferência do preceito no caso de transferência de um dia festivo de preceito” e foi publicada “após consulta ao Dicastério para os Textos Legislativos”.
Tais pedidos de esclarecimentos são uma prática comum na Igreja. As chamadas dubia são perguntas formais submetidas ao Santo Padre ou a um Dicastério da Cúria Romana com objetivo de esclarecer dúvidas sobre questões disciplinares, litúrgicas ou doutrinárias da Igreja Católica e obter uma resposta oficial e definitiva da autoridade eclesiástica.
A nota em questão se refere à coexistência de diferentes celebrações litúrgicas no calendário (dias fixos e móveis). Esses casos podem gerar aquilo que tradicionalmente é chamado de occurrentia festorum, que é quando há a coincidência de duas festividades na mesma data do calendário. As regras para resolver essas coincidências estão nas Normae universales de Anno liturgico et de Calendario, que priorizam as celebrações de maior precedência, podendo transferir solenidades para outro dia livre.
A dúvida levada ao Dicastério diz respeito à obrigatoriedade do preceito por parte do fiel quando uma festa de preceito é transferida. As Conferências Episcopais de cada país possuem, com a aprovação prévia da Sé Apostólica, a faculdade de abolir ou transferir para o domingo alguns dias festivos de preceito (cf. c. 1246 §2). No entanto, tal faculdade refere-se a abolições ou transferências não ocasionais, mas permanentes.
Tratando-se de matéria litúrgica e não sendo essa questão expressamente regulamentada pelo Código de Direito Canônico (CIC), é necessário levar em consideração as intervenções normativas que, ao longo do tempo, o organismo curial competente em relação ao culto divino e à disciplina dos sacramentos adotou.
Essas intervenções atestam uma prática consolidada segundo a qual, em caso de transferência de um dia festivo de preceito, não é transferida a obrigação do preceito festivo. Como mencionado acima, o CIC, que regula os dias de preceito, não prevê transferências ocasionais, apenas permanentes, feitas pelas Conferências Episcopais com aprovação da Sé Apostólica.
Dado que a dúvida levada ao Dicastério é classificada como um questão litúrgica e não contradiz o CIC, aplica-se a prática consolidada pela autoridade litúrgica: em caso de transferência ocasional de um dia festivo de preceito, a obrigação do preceito não é transferida para o novo dia.
Confira, abaixo, a nota na íntegra:
DICASTERIUM DE CULTU DIVINO ET DISCIPLINA SACRAMENTORUM
Em resposta a alguns pedidos de esclarecimento sobre a transferência do preceito no caso de transferência de um dia festivo de preceito, o Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, após consulta ao Dicastério para os Textos Legislativos, com a presente Nota esclarece o seguinte
Cidade do Vaticano, 23 de janeiro de 2025
NOTA
sobre o preceito em caso de transferência do dia festivo causado pela occurrentia festorum
1. A coexistência, no Ano Litúrgico, do ciclo semanal, de tempos e dias festivos e feriais móveis, (devido à sua relação com a Páscoa), e de dias (festivos e feriais) com celebração em data fixa, tanto no Calendário universal quanto nos particulares, origina o fenômeno da occurrentia festorum, ou seja, a coincidência de duas festividades na mesma data do calendário.
2. Tal fenômeno é regulado pelas Normae universales de Anno liturgico et de Calendario segundo as quais (n.59) “a precedência entre os dias litúrgicos, quanto à sua celebração, é regulada unicamente” pela Tabula dierum liturgicorum.
3. Portanto, “se no mesmo dia caem várias celebrações, faz-se aquela que, na lista dos dias litúrgicos, ocupa o lugar superior. No entanto, uma solenidade impedida por um dia litúrgico que tem precedência sobre ela é transferida para o primeiro dia livre de uma das ocorrências elencadas na tabela de precedências dos números 1-8, levando em consideração o que é prescrito no n.5 das Normas” (Normae universales, n.60).
4. A esse respeito, surge o seguinte dubium: no caso de transferência de uma festa de preceito, é obrigatório no dia ad quem a observância do preceito?
5. O CIC trata dos dias de preceito nos cânones 1246-1248: esses cânones não preveem a possibilidade de uma transferência devido a uma ocorrência acidental de festas. A faculdade dada à Conferência Episcopal, com aprovação prévia da Sé Apostólica, de abolir ou transferir para o domingo alguns dias festivos de preceito (cf. can. 1246 § 2) refere-se a abolições ou transferências não ocasionais, mas permanentes.
6. Tratando-se de matéria litúrgica e não sendo essa questão expressamente regulamentada pelo CIC, além de aplicar o que é estabelecido pelas Normae universales de Anno liturgico et de Calendario, é necessário levar em consideração as intervenções normativas que, ao longo do tempo, o organismo curial competente em relação ao culto divino e à disciplina dos sacramentos adotou. Essas intervenções atestam uma prática consolidada segundo a qual, em caso de transferência de um dia festivo de preceito, não é transferida a obrigação do preceito festivo.
7. Não sendo essa prática contrária aos cânones do CIC, deve-se considerar como lei litúrgica (cf. can. 2) o fato de que, em caso de transferência ocasional de um dia festivo de preceito, a obrigação do preceito festivo não é transferido para o dia ad quem.
Arthur Card. Roche
Prefeito
✠ Vittorio Francesco Viola, O.F.M.
Arcebispo Secretário