Comentário Exegético – XXXIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

EPÍSTOLA (2 Ts 3,7-12)

(Pe Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: Com o pretexto de que a parousia era iminente, havia entre os tessalonicenses alguns aproveitadores que diziam era inútil trabalhar e ociosos dedicavam-se a tumultuar a comunidade com suas fofocas. Contra eles, Paulo raciocina, com seu exemplo em primeiro lugar, como quem ganha o pão com seu trabalho e logo ordenando que os tais não recebam o pão caso não queiram trabalhar.

EXEMPLO DE PAULO: Pois vós conheceis como convém imitar-nos porque não nos comportamos desordenadamente entre vós (7). Ipsi enim scitis quemadmodum oporteat imitari nos quoniam non inquieti fuimus inter vos. IMITAR [mimeisthai <3401>=imitari] do verbo mimeomai significa imitar, remedar, seguir um exemplo ou modelo. Aqui, Paulo se propõe como modelo a imitar em questão de um trabalho duro, para ganhar seu sustento e não ser uma carga para os fieis de Tessalônica. Em 1 Ts 2, 10 Paulo tinha escrito Vós e Deus sois testemunhas do modo de quão piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros que credes.  DESORDENADAMENTE [ëtaktësamen<812>=inquiete fuimus] Na realidade, o verbo atakteö significa comportar-se de modo irresponsável, sem lei, à-toa, como um bon vivant. Boa-vida sem trabalhar. E, logicamente, sem fazer nada, tinham que se divertir em fofocas e murmurações. A esse tipo de vida chama Paulo de inquieta ou desordenada, como era a formação de um exército que não guardava a ordem de desfile ou de batalha. Se de ordem trata Paulo, essa ordem é estabelecida pela tradição que os novos insurretos não guardavam e se sentiam como livres em seguir seus próprios caprichos e vontades fora dessas tradições em que tendes sido ensinados, seja por palavra, seja por carta nossa (2Ts 2, 11).Parece uma condenação da livre interpretação de Lutero e companhia.

PAULO TRABALHOU: Nem gratuitamente comemos pão de alguém, mas em labuta e fadiga de noite e de dia trabalhamos para não onerar qualquer um de vós (8). Neque gratis panem manducavimus ab aliquo sed in labore et fatigatione nocte et die operantes ne quem vestrum gravaremus. Paulo acaba de afirmar que sua conduta é exemplo a seguir, e agora diz a razão dessa sua afirmação: ele trabalhou para comer seu próprio pão que, como diz a Escritura, será no suor de teu rosto que comerás o teu pão (Gn 3, 19). Apesar de ter direito, como apóstolo, a uma manutenção digna, como diz a Escritura que não atarás a boca do boi quando pisa o trigo (1 Cor 9,9) não obstante foi seu propósito não cobrar nada pelo seu ministério apostólico quando podia, porque os que prestam serviços sagrados do próprio templo se alimentam e quem serve ao altar, do altar tira o seu sustento (1 Cor 9, 13) e assim ordenou o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho (idem 14). Isso foi quando enviou os discípulos de dois em dois e lhes disse não levar alforje [para a comida] porque digno é o trabalhador do seu alimento (Mt 10, 10). Paulo, não obstante, seguiu uma regra oposta, de modo que não se serviu do privilégio e nisso se gloriava: é que, evangelizando, o fazia de graça, sem se valer do direito que isso lhe dava (1 Cor 9, 18). Tudo isso o confirma o versículo atual. Ele não se aproveitou de qualquer um durante sua estância entre os Tessalonicenses.

A RAZÃO: Não porque não tenhamos autoridade, mas para dar-vos a nós mesmos modelo para imitar-nos (9). Non quasi non habuerimus potestatem sed ut nosmetipsos formam daremus vobis ad imitandum nos. Continuando o seu propósito de ser modelo de trabalho, Paulo diz que ele tem autoridade para exigir manutenção sem trabalhar, como compensação de seu ministério apostólico (1 Cor 9, 18), como temos declarado nas linhas anteriores; mas não o faz. E isso para se situar como modelo de vida cristã.

A ORDEM: Já que quando estávamos convosco isto vos ordenamos: que se alguém não quer trabalhar tampouco coma (10). Nam et cum essemus apud vos hoc denuntiabamus vobis quoniam si quis non vult operari nec manducet. Paulo usa de um provérbio de procedência rabínica, do tratado atual de Bereshit Rabba que diz textualmente que se um homem não trabalhar ele não deve comer. E ainda existia a casuística de se um homem não trabalhar na véspera do sábado, não poderia comer no dia de sábado. Parece que o caso vinha de longe, de quando Paulo estava em Tessalônica. Entre os romanos havia o costume de não trabalhar quando um homem era livre e parece que, em parte, esse costume também era próprio de certos Tessalonicenses, animados pelo fato de que pressentiam próxima a parousia do Senhor. Entre os romanos existia o dito: panem et circenses [pão e espetáculos do circo ou hipódromo] com o qual se definia a vida de um cidadão romano que recebia o pão do aristocrata de quem se declarava cliente e o espetáculo das carreiras do circo ou hipódromo que tanto suscitava as paixões populares.

OS QUE VIVEM À-TOA: Porque ouvimos que alguns andam entre vós desordenadamente sem trabalharem, mas como pessoas intrometidas (11). Audimus enim inter vos quosdam ambulare inquiete nihil operantes sed curiose agentes. DESORDENADAMENTE: É o grego ataktös[<814>=inquiete] de modo tumultuoso, especialmente de soldados, sem ordem e anormalmente. O latim inquiete é sim paz, desassossegadamente, devido a ideia de que o advento estava próximo e era por exemplo inútil semear o que não se poderia ceifar, num ano que jamais existiria porque o mundo estava a terminar. Algo parecido aconteceu com o famoso caso da invasão dos marcianos por Orson Welles em 1938 nos EEUU, com suicídios e pânico coletivo. PESSOAS INTROMETIDAS periergazomenoi<4020>=curiose agentes] usados como verbo de alguém que se mete em coisas de outros sem ser chamado, em inglês busybody [bisbilhoteiro]. Logicamente, ao não trabalhar, dedicavam-se a fofocar, pois a preguiça é a mãe de todos os vícios, como aconteceu a Davi com Bersabeia.

UMA ORDEM: A semelhantes indivíduos ordenamos e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo para que, trabalhando tranquilamente, comam seu pão (12). His autem qui eiusmodi sunt denuntiamus et obsecramus in Domino Iesu Christo ut cum silentio operantes suum panem manducent. Realmente, Paulo sente que os preguiçosos não devem ser ajudados pelo conjunto da comunidade com esmolas ou de outra maneira. Por isso, ordena à comunidade que se faça o que é direito segundo as palavras do Gênesis, que obriga o homem a trabalhar. E exorta os indivíduos a que o façam. A ajuda é precisamente para as viúvas e órfãos como fizeram os apóstolos com a nomeação dos sete diáconos, mas não para os que, podendo, não querem trabalhar. Imediatamente, afirma que se alguém não obedece este mandato dado pela epístola, não vos mistureis com ele, para que se envergonhe (V 14). É uma espécie de excomunhão que Paulo amortiza dizendo: Todavia, não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão.

Evangelho  (Lc 21, 5-19)

1ª PARTE DO DISCURSO ESCATOLÓGICO

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

A ESCATOLOGIA DE LUCAS: O discurso escatológico de Lucas se desenvolve no capítulo 21 dos versículos 5 ao 36. Tem paralelos em Mt 24, 1-44 e Mc 13, 1-37. Dizer escatológico não é afirmar, em absoluto, o fim último, mas o fim de uma era ou época, especialmente da época do AT, substituída por uma outra, pelo Reino de Jesus, ou Novo Testamento, até que venha depois o fim dos fins, ou seja, a escatologia final. Aliás, a palavra escatologia não é bíblica e nas Escrituras só encontramos o adjetivo: eskhatos que significa último. Com esta consideração em mente, vamos estudar a perícope de hoje de Lucas. Segundo autores modernos, existe em Lucas (ou podemos pensar assim) após a profecia sobre a destruição de Jerusalém, uma seção à parte, referida ao fim de todas as coisas que comumente chamamos de juízo final, a começar no versículo 24: “Jerusalém será pisada pelos gentios até que se cumpram os tempos das nações”. Se realmente os versículos seguintes se referem ao fim do mundo, este versículo indica que devemos contar com um intervalo de tempo considerável e indefinido, antes que aconteça esse fim, pois devem se cumprir os tempos das nações. O discurso, pois, que chamamos escatológico, expressa a certeza de Jesus quanto ao seu triunfo final, embora admita dias escuros pela frente. Mais uma coisa devemos ter em conta: a linguagem usada pertence a um estilo bem figurativo, próprio dos profetas do AT, inaugurado por Amós com o Dia de Jahveh, (Yom Jahveh), traduzido ao grego e latim pelo Dia do Senhor. Amós inaugura assim esse estilo que chamamos apocalíptico, em que a imagem predomina sobre a verdade histórica. No evangelho de hoje, temos unicamente a profecia da destruição do templo. Logicamente com a destruição do templo vinha também a de Jerusalém e a rejeição do povo de Israel.

O TEMPLO: Então, dizendo alguns a respeito do templo que estava adornado com belas pedras e dádivas ele disse (5). Et quibusdam dicentibus de templo quod lapidibus bonis et donis ornatum esset dixit. O templo [Beit Hamikdash] contemplado pelos discípulos [os referidos, como alguns, no texto] era uma maravilha, tanto pelos materiais usados em sua construção como pela grandiosidade do mesmo. O templo visto das alturas do monte das Oliveiras era o segundo templo, remodelado por Herodes, o Grande. Façamos um pouco de História: Reinava, em Judá, Manassés (687-642). Eis como descreve o segundo livro dos reis (622 aC) o que acontecerá com o rei e o templo: “Neste templo e em Jerusalém elegida por mim entre todas as tribos de Israel, porei meu nome para sempre. Não mais permitirei que os israelitas andem errantes …de tal forma que façam o que eu lhes ordenei e cumpram a lei que lhes prescreveu meu servo Moisés” (2Rs 21,7-8). Fixemos nossa atenção para dois fatos claros: Primeiro, a promessa divina de não sair do templo caso os israelitas cumpram as ordens e a lei pactuadas no tempo de Moisés. Segundo, o fato de um imenso poder como Assíria ter que levantar o cerco de Jerusalém porque uma peste matou, no ano 700 aC, pelas preces de Isaías, o profeta, durante o reinado de Ezequias, 185 mil homens, devido ao anjo de Jahveh, 2 Rs 19, 35. O caso é explicável porque Ezequias mandou secar as fontes de água externas e talvez os poços estivessem contaminados. Como resultado desse fato, os judeus acreditaram que o seu Deus lutava pela cidade e que esta seria sempre inexpugnável. Porém, como Manassés tinha até sacrificado e queimado filhos aos ídolos, prossegue: “Eis que faço cair sobre Jerusalém e sobre Judá uma desgraça tal que fará retinir os dois ouvidos de todos os que dela ouvirem falar” (2Rs 21,12). O oráculo se cumpriu segundo narra 2Cr 33, 6-11, sendo Assíria o instrumento da ira divina, e levando Manassés, amarrado com uma cadeia dupla de bronze, a Babilônia, de onde voltou arrependido, retomando seu reinado. A ESPLANADA: Esse templo estava situado na esplanada do monte Moriá no extremo nordeste de Jerusalém. Atualmente, nessa esplanada, estão situadas as mesquitas da Rocha e de Al-Aqsa. Essa esplanada tinha 40X100 metros, alargada durante o reinado de Salomão. No tempo de Herodes tinha 300X500 metros aproximadamente. O SANTUÁRIO [naos]: dividia-se em três partes: O Ulam [vestíbulo] cujas proporções eram 5,50X11 com 16,50 de altura; o Santo ou Hekal 22X11 e da mesma altura iluminado por altas janelas, e o Santíssimo ou Debir [também Kodesh HaKodashim= santo dos santos] tendo a forma de um cubo de 10X10 metros e da mesma altura, separado do anterior por uma cortina. Era o véu que se rasgou na tarde da sexta feira santa no momento da morte de Jesus (Mc 15, 38). Nos tempos de Salomão estava aqui depositada a arca da aliança. No tempo de Jesus, o espaço estava vazio. O primeiro templo foi destruído e incendiado por Nabucodonosor II em 587 aC. Depois do cativeiro em 517 aC os persas autorizaram a reconstrução do templo. O templo sofreu modificações importantíssimas nos tempos de Herodes a partir do ano 19 aC, demorando quase 20 anos para terminar suas partes essenciais embora os últimos detalhes só foram acabados em 62 dC. Conservou a estrutura de Salomão no Santuário propriamente dito embora elevando sua altura. No ângulo nordeste construiu a torre Antônia dedicada a Marco Antônio. A esplanada e os átrios foram enormemente ampliados e ornamentados.  Os materiais empregados eram mármore branco e ouro de modo que o templo visto ao pôr-do-sol do  monte das Oliveiras era como um bloco de neve rematado com o reflexo do ouro dos telhados. Uma maravilha para a vista, da qual temos uma referência neste versículo e Mc 13, 1. Dele só ficaram, após a destruição do ano 70, as pedras dos fundamentos do muro ocidental que hoje constituem o chamado muro das lamentações.

A PROFECIA: Estas coisas que vedes, virão dias, nos quais não ficará pedra sobre pedra que não será derrubada (6). Haec quae videtis venient dies in quibus non relinquetur lapis super lapidem qui non destruatur. É uma clara profecia da destruição do templo, que seria arrasado como uma cidade conquistada cujos muros eram aplainados, derrubados aos rés-do-chão. Daí a descrição pedra sobre pedra. De fato, a profecia se cumpriu no ano 70 e foi completada com a destruição total nos tempos de Adriano que mandou construir um templo (ou uma estátua) dedicado a Júpiter, após a rebelião de bar Kokhba no ano 132 dC. Esta profecia é tanto mais inesperada quanto maior parecia estar Javé unido e reverenciado por seu povo de modo a se cumprir a promessa de 2Rs 21 em que afirma sempre estar com seu povo e, implicitamente, reservar a morada que tinha escolhido como templo único em Jerusalém. Que pecado teria cometido Israel para Javé ter deixado destruir assim o seu templo?  O grande pecado era a rejeição de Jesus, como foi outrora a perseguição dos antigos e verdadeiros profetas, tal e qual narra Mateus em 21 37 ss.

QUANDO: Perguntaram-lhe, pois, dizendo: Mestre, quando, porém estas coisas serão, e qual o sinal quando estejam estas coisas prestes a acontecer?(7). Interrogaverunt autem illum dicentes praeceptor quando haec erunt et quod signum cum fieri incipient. São duas as perguntas: Quando e qual o sinal próximo desses acontecimentos, de modo que os discípulos estivessem preparados para um acontecimento que significaria a ruína de Israel e talvez o fim do mundo? O evangelho de hoje só trata do tempo futuro prévio à destruição. Essencialmente diz que guerras e desastres naturais não constituem o sinal precursor. Também afirma Jesus que a perseguição dos seus discípulos precederá e acompanhará estes fatos. E é sobre estas coisas que lemos no evangelho de hoje.

FALSOS MESSIAS: Ele, pois, disse: Olhai que não sejais enganados. Já que muitos virão, usando meu nome, dizendo que eu sou e que a oportunidade chegou. Não sigais após eles(8). Qui dixit videte ne seducamini multi enim venient in nomine meo dicentes quia ego sum et tempus adpropinquavit nolite ergo ire post illos. Com esta sua primeira resposta, Jesus parece que dá menos importância à destruição do templo, em consideração com outros fatos anteriores de maior importância. São estes, os falsos messias, em primeiro lugar e a perseguição dos verdadeiros discípulos. EM MEU NOME: temos traduzido o grego [literalmente sobre meu nome] por usando meu nome, que significa representando o meu ministério que é o de Messias.  De fato, houve vários personagens, que, após a morte de Cristo, se declararam Messias. Nos Atos, temos o caso de Teudas (ano 47) que foi morto com cerca de 400 seguidores (At 5, 36) e depois dele Judas, o Galileu, arrastou o povo consigo. Ele morreu e o povo se dispersou (At 5, 37). No ano 66 os cristãos e os nobres se retiram de Jerusalém, após o ataque frustrado dos romanos, Cestio Galo, e os cristãos se refugiam em Péla [oriente do Jordão]. De modo especial, devemos falar de Bar Kosiva a quem um dos melhores rabinos da época, Rabi Akiva, trocou o nome dele de Bar Kosiva [filho do engano] pelo de Bar Kojba que significa filho da estrela resplendente. À parte, temos outros dois principais personagens Shabbatai Zevi no século XVII fundador do movimento Sabbateo,  e mais recentemente Lubavithcher  Rebbe (1902-1994) [rebbe é mestre ou mentor, de Rabbi derivado em Yiddich] cujo nome era Menachem Mendel Lubavich, do qual se derivam os grupos hassidim atuais que têm como base a Kabala e o Talmud. Foi o maior posek [intérprete da Lei] para os Hassidim [piedosos judeus modernos, cuja seita nasce na Ucrânia com Israel Ben Eliezer (1698- 1760)].  EU SOU: Evidentemente que não se refere ao nome sagrado [Hasem] YHVH, mas ao ministério de Jesus, ao declarar ser ele o Messias. Junto com o título aproveitavam a oportunidade para levantar o povo como líderes militares contra os opressores, especialmente os romanos, no nosso caso. Como temos visto, foi a revolta de Bar Kokeba ou Korhba derrotado na fortaleza de Betar [dez ou 15 km ao sudoeste de Jerusalém] em 9 de Av de 135, dando origem à diáspora definitiva judaica. Mas antes da destruição do templo e durante o assédio, enganados por um falso profeta que predisse um sinal de salvação, reuniram-se mais de seis mil pessoas nos átrios do templo, onde pereceram abrasadas. Alguns traduzem o eu sou como dizendo que eram representantes de Jesus que tinha prometido voltar (Lc 12, 35-48). Jesus adverte que não podem seguir semelhantes embusteiros.

FALSOS SINAIS: Porque quando ouvirdes sobre guerras e distúrbios não fiqueis atemorizados, pois é preciso suceder estas coisas primeiro; mas não de imediato o fim (9). Cum autem audieritis proelia et seditiones nolite terreri oportet primum haec fieri sed non statim finis. Efetivamente, do ano 41 até o 70 houve no império romano estes fatos violentos: Assassinato de Calígula (41); assassinato de Messalina (48); invasão dos partos (52); envenenamento de Cláudio por Agripina a menor (54); guerra com os partos (58); assassinato de Agripina, sua mãe, por ordem de Nero (59); paz com os partos (63); conjuração de Pisão contra Nero (65); início da guerra judaica contra Roma (66); Vespasiano ocupa a Gália (67); suicídio de Nero e luta civil entre os generais Galba [assassinado]; Otão [morto em batalha]; Vitélio, morto em batalha por Vespasiano com o resultado deste último como imperador (68-69). Faltariam 8 meses antes da destruição de Jerusalém no ano  70. Nem guerras nem conspirações violentas são os sinais esperados antes da destruição de Jerusalém, ou se queremos interpolar o texto, antes da parusia de Jesus. Pois elas não constituem os sinais do fim e são elementos necessários da vida e história humana.

AS CALAMIDADES: Então dizia-lhes: levantar-se-á povo contra povo e reino contra reino (10). Haverá também terremotos grandes de acordo com os lugares, e fomes e pestilências. Também haverá coisas espantosas e grandes sinais procedentes do céu (11). Tunc dicebat illis surget gens contra gentem et regnum adversus regnum. Terraemotus magni erunt per loca et pestilentiae et fames terroresque de caelo et signa magna erunt. Rei contra rei: Além das lutas contra os britânicos cuja conquista Cláudio levou a cabo, temos as lutas contra os germânicos e contra os partos para não falar das intrigas de palácio. Cláudio matou 30 senadores e 300 equites, sua mulher Agripina. E na morte de Nero houve uma guerra civil entre os 4 césares, até terminar com a vitória de Vespasiano. FOME: Na história da Igreja primitiva, em Atos 11, 27-28, temos a profecia de Ágabo sobre a fome no tempo do Imperador Cláudio nos ano 49-50  a começar pela Grécia. Em Jerusalém a fome foi agravada pela circunstância de ser ano sabático, o anterior. Cláudio teve que dar certas garantias e privilégios aos armadores e marujos das naves que traziam o trigo do Egito para Roma. Suetônio menciona esta escassez de alimentos, resultado -diz ele- de péssimas colheitas ao longo de uma série de anos. Como exemplo de terremotos temos a narração de Atos 16, 26 quando um deles libertou Paulo e Silas abrindo as portas do cárcere e arrancando as cadeias das paredes. PESTILÊNCIAS: é possível que a influência do loimoi [fomes] tenha sido suficiente para usar a outra palavra semelhante limoi [pestes], embora não seja esta conjunção coisa tão infrequente na história antiga. Assim sabemos daquela que matou o imperador Marco Aurélio e de uma outra, em Roma, num período mais tardio em que morreram mais de 5 mil pessoas diariamente. Se hoje temos a gripe anual não há razões para pensar que essas epidemias estivessem ausentes no mundo romano. SINAIS NO CÉU: Acreditavam os antigos que a História humana estava antes descrita nos fenômenos celestes. Daí a Astrologia, que é admitida pela Bíblia (Mt 2,2). Entre estes fenômenos, devemos destacar os eclipses de Sol (se escurecerá), de lua (aparecerá vermelha, como no último eclipse total, vista na TV porque a luz do sol se difunde ao atravessar a atmosfera terrestre, ou se apagará) e as estrelas cadentes (os anjos cairão) (Mt 24, 29 e Mc 13,24-25). Por isso, Lucas fala só de que haverá “sinais” no sol, na lua e nas estrelas (21,25). As forças, ou poderes do céu que mantinham o firmamento, [a cúpula sólida que separava o primeiro do segundo céu] serão agitados (as colunas da terra serão abaladas), as enchentes (água transformada em sangue), erupções vulcânicas (o fogo) junto às tempestades violentas (o mar alvorotado) (Lc 21, 25-27). Tudo sem distinção de lugar e tempo definidos, como se o mundo estivesse todo centrado em Jerusalém e sua vizinhança, de modo que a terra global, pequenininha, que vemos hoje pela TV a centenas de quilômetros de altura, estivesse presente na mente do profeta de forma que a terra, todo o mar e todos os céus, fossem comovidos num único instante que está próximo e numa única região da qual o centro fosse Jerusalém.

A PERSEGUIÇÃO: Mas antes de todas estas coisas, porão as suas mãos em vocês e vos acossarão entregando (vos) às sinagogas e cárceres sendo levados aos reis e autoridades por causa de meu nome (12). Acontecer-vos-á, porém, em testemunho (13). Sed ante haec omnia inicient vobis manus suas et persequentur tradentes in synagogas et custodias trahentes ad reges et praesides propter nomen meum. Continget autem vobis in testimonium. A perseguição dos discípulos precederá aos sinais prévios do fim. Irão ao vosso encalço e ao falar de sinagogas, Jesus está se referindo sobre a perseguição da parte dos judeus. Nos Atos, temos uma clara confirmação desta profecia de Jesus sobre a perseguição dos discípulos de Jesus, iniciada com a morte de Estêvão (33 dC) (At 8,1) e o mandato de Paulo para acossar os cristãos de Damasco (At 9, 1-2). Também as autoridades pagãs entrarão nessa perseguição e isso tem uma finalidade: o testemunho dos discípulos; de modo que esse testemunho será a maior prova da ressurreição do mestre. Ninguém morre por mentir e ninguém mente sem uma razão que não seja a conservação da própria vida. Não existe uma morte, nesta profecia, isso apesar de Estêvão e de Tiago ou dos numerosos condenados à morte no tempo de Nero. Isso talvez indique que o evangelho de Lucas foi escrito antes dos mártires de Roma. Marcos (13, 9) falará de açoites, mas não de morte. Em lugar paralelo, Mt 7, 21, sim  fala de morte, como a tal entregues por familiares, inclusive. Sabemos como Mateus acostuma ser mais catequista que historiador e por isso às vezes explica [logicamente sem parênteses, que não eram usados na época] palavras até de Jesus para o melhor entendimento de seus leitores. (ver o Pai- Nosso e a primeira das Bemaventuranças).

O TESTEMUNHO: Ponde, pois, em vossos corações não premeditar defender (vos) (14). Porque eu vos darei boca e sabedoria que não poderão impugnar nem resistir todos os opoentes vossos (15). Ponite ergo in cordibus vestris non praemeditari quemadmodum respondeatis. Ego enim dabo vobis os et sapientiam cui non poterunt resistere et contradicere omnes adversarii vestri. Jesus afirma que seus discípulos não têm porque aprender de memória um discurso para se defender. Tal é o significado do verbo grego promeletan que o latim traduz por praemeditari. A defesa estará por cargo de Jesus que porá na boca do discípulo a palavra de sabedoria que será impossível de ser refutada pelos adversários. Marcos diz que falará o Espírito Santo por boca do imputado (Mc 13, 11). Como Espírito enviado por Jesus (Jo 16, 7; 14-15 e At 2, 33), ambas as expressões são idênticas. Também na duplicata desta passagem (Lc 12, 11-12) se menciona o Espírito Santo que vos ensinará o que deveis dizer. Diante da Sabedoria divina o saber humano deve emudecer. O fato foi bem notório na morte de Estêvão, pois os da sinagoga dos libertos não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava (At 6, 16).

OS PARENTES: Pois sereis entregues até pelos pais e irmãos e parentes e amigos e matarão (alguns) entre vós (16). E sereis odiados por todos por causa de meu nome (17). Trademini autem a parentibus et fratribus et cognatis et amicis et morte adficient ex vobis. Et eritis odio omnibus propter nomen meum. O lugar paralelo é Marcos 13, 12-13. Na vida de Jesus só temos o caso dos pais do cego de nascença, que se desentenderam do caso por medo dos judeus (Jo 9, 20-22). Mas quem entregou Jesus foi um dos que Ele chamava meus filhinhos (Jo 13, 13), embora essa palavra responda ao que em grego se diz como nepios [infante, baby], usado pelos mestres como forma de se dirigir a seus discípulos. Alguns podiam ser mortos. Temos o caso de Tiago, morto por ordem de Agripa em 44 além de Estêvão dez anos antes. Sereis odiados: Quando Tácito descreve os cristãos fala deles como sendo convictos de ódio contra o gênero humano (ódio humani generis convicti sunt). Era fácil deduzir daí as perseguições.

EXORTAÇÃO FINAL: E um cabelo de vossas cabeças não se perderia (18). Na vossa constância obtende vossas vidas (19). Et capillus de capite vestro non peribit. In patientia vestra possidebitis animas vestras. O Kai [e] é traduzido por but [porém] na bíblia de JK, que parece uma ilação mais apropriada com o versículo anterior (17). No texto grego o primeiro verbo [aboletai] é um aoristo de subjuntivo. Poderia ser traduzido por um condicional: não se perderia um cabelo. O latim, sem tantos modismos como o grego, usa o futuro peribit [perecerá]. O verbo do último versículo é um imperativo: obtende ou alcançai, que também o latim traduz em futuro [alcançareis]. Estes dois últimos versículos parecem uma adição de Lucas para exortar os cristãos a ter confiança em Cristo e a perseverar na fé.  Muitos modernos falam ser este um provérbio que também é usado por Mateus em 10, 30 e citado em At 27, 34 quando Paulo pede aos soldados que se alimentem após dias de incerteza e temor no meio da tempestade. Este versículo não pode ser tomado ao pé da letra já que, anteriormente, Jesus afirma a morte de alguns de seus discípulos. Pelo que diz respeito ao segundo versículo a tradução de ypomonë [duração, persistência, espera, perseverança], não é uma virtude passiva como a paciência, mas ativa como a persistência. É uma translação de Marcos 13,13: quem perseverar até o fim, esse será salvo. Não sabemos qual é o significado do versículo 19. A história nos diz que os cristãos, ante a aproximação dos romanos em 66, após o ataque de Cestio Galo, se retiraram a Péla, na Jordânia atual de nome Tabaqat Fahl, situada no meio de Gadara ao norte e Gerasa ao sul e muito próxima ao rio Jordão.

PISTAS: 1) O evangelho de hoje descreve profeticamente a destruição do templo. Era impensável para um judeu de sua época porque aparentemente o povo era justo diante de Deus. E o Senhor tinha prometido sua assistência ao seu povo sempre que este conservasse a Aliança: Não terás outro Deus além de mim (Êx 20, 3). Porém sua súplica, o templo do Senhor, o Templo do Senhor, foi inútil, como nos tempos de Jeremias (7, 4) porque não mataram um servo, mas o Filho de Deus e esta morte, que eles quiseram que caísse sobre eles e seus filhos (Mt 27, 25) ao rejeitá-Lo como seu Rei (Jo 19, 15) foi a origem da ruptura do pacto. Rejeitaram o reino porque recusaram o Rei.

2) A destruição do templo indica que não existem lugares sacros, mas pessoas justas. Se estas não cumprem, serão, como povo, castigadas no tempo e, como indivíduos, o castigo terá agravantes ultra terrenos. A justiça divina manifesta-se de muitas maneiras no AT: Davi peca como individuo com a esposa de Urias: o filho morre. Davi peca como rei querendo apadrinhar seus súditos como se fosse o senhor dos mesmos: a peste assola Jerusalém. No NT os judeus rejeitam Jesus: YHVH rejeita o povo de coração duro e abandona seu templo para sempre.

3) Se nós rejeitamos o Reino, entenda-se o Senhorio de Jesus, quer seja frontalmente não querendo submetermos a Ele, quer seja adotando outros senhores [riqueza, prazer, bem-estar, fama] não esperemos outros resultados além da justiça divina que opera frequentemente com os castigos com que a natureza paga os excessos de quem não respeita suas leis. Cantavam os antigos: Tu não és um Deus que se compraz na injustiça, o ímpio não pode ser teu hóspede (Sl 5, 5). Porque com a morte do injusto perece sua esperança e a confiança dos malvados é aniquilada.

4) Na destruição de Jerusalém, acostumamos ver um castigo, mas também devemos observar o triunfo de Jesus e a vitória dos seus discípulos. Assim dirá Jesus como consequência de seu discurso: Levantai a cabeça [não como vencidos] porque se aproxima vossa libertação (Lc 21, 28). A justiça tem duas caras: o castigo do culpado e o triunfo do inocente.

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