Comentário Exegético – XXXIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

 EPÍSTOLA (Hb 10, 11-14.18)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: O trecho é um contraste entre o AT e seus sacerdotes e o NT e o único sacerdote Cristo Jesus. A eficácia absoluta do sacrifício único de Cristo é  posta em relevo contra a prática de inutilidade dos sacrifícios antigos. Contra a diária atuação dos holocaustos que indicam não perdoar totalmente o pecado, precisamente por sua repetição, está o único sacrifício pessoal de Cristo que não precisa estar de pé continuamente como oficiante diante do santuário e que agora só espera a consumação com a vitória contra os inimigos que não o admitem como seu Senhor. A remissão do pecado foi obtida; logo só falta a derrota dos inimigos como o ato final do drama humano entre o bem e o mal.

O SACERDÓCIO ANTIGO: Pois todo sacerdote estava estabelecido [estëken<2476>=praesto est] todo dia como ministro e a oferecer muitas vezes [pollakis<4178>=cotidie] os mesmos sacrifícios [thysias<2378>=hostias] os quais em modo algum [oudepote<3763>=numquam] podem remover [perielein<4014>=auferre] pecados (11).  Et omnis quidem sacerdos praesto est cotidie ministrans et easdem saepe offerens hostias quae numquam possunt auferre peccata. ESTABELECIDO: O verbo histëmi <2746>pode ser usado como simples estar, ou estar presente. Assim os fariseus gostavam de estar diante da assembleia e rezar nas sinagogas (Mt 6, 5). Outro significado é colocar, designar, como em Mt 25, 33: o rei colocará as ovelhas à sua direita e as cabras à esquerda. Neste sentido de colocar ou estabelecer, está Mc 9, 36: Tomando uma criança a colocou diante deles. No sentido de estabelecer temos a passagem de Hb 10, 9: Com isto abriga o primeiro e estabelece o segundo; argumentação que emprega o autor para anular sacrifícios e sacerdócio antigo e substituí-los pelo único sacerdote e sacrifício do NT: Cristo Jesus. Esta passagem é, pois, paralela ao do versículo que estamos interpretando e nos dá o sentido próprio do verbo histemi: estabelecer. MUITAS VEZES: Não se entende a tradução latina cotidie [todos os dias] a não ser que o copista, levado pelo costume, tenha interpretado o grego muitas vezes pelo quotidiano do uso do sacerdócio em tempos de Jesus. O Kohan [sacerdote] oferece Korbanot [sacrifícios ou oferendas]. Os rabinos afirmam que esta palavra provém de uma raiz que significa aproximar-se de Deus, objeto principal da oferenda. Os rituais realizavam-se somente no templo de Jerusalém e eram exclusivos dos sacerdotes [kohanim]. No conceito de Korban [ofertas] existem três diferentes acepções: dar, substituir e acercar. Um korban exige a renúncia de alguma coisa que forma parte da pessoa que oferece. Por isso, a oferenda de animais selvagens, sem dono, era inválida. Assim também as oferendas de viandas deviam ser em forma de produtos elaborados: farinha ou vinho. A segunda condição é o elemento de substituição: a oferenda substitui a pessoa e a oferta é castigada [consumida] no lugar da pessoa. É interessante observar que quando o tema de korbanot é abordado na Torah, o nome de Deus tem 4 letras que são símbolo da misericórdia de Deus. A última condição é a de atrair a pessoa mais perto de Deus, como quem é satisfeito pela adoração e a dádiva do súdito. Dentre os ritos do sacrifício cruento, como expiação, a imposição das mãos [semija] sobre a vítima era o essencial. Se o sacrifício era oferecido por toda a comunidade, eram os anciãos que realizavam a imposição das mãos (Lv 4, 15), cerimônia que era precedida pela confissão dos pecados [como nas missas católicas] (Lv 16, 21; 5. 5) e que, segundo a tradição rabínica, era confissão verbal. A imolação era sempre feita por sacerdotes quando o sacrifício era oferecido por todo o povo (II Cr 29, 22). Logo se procedia à aspersão com o sangue, realizada só por sacerdotes. Outro ministério próprio dos sacerdotes era a bênção sacerdotal ou Birkat Kohanim (Nm 6). Como nota curiosa, devido ao fato de que os sacerdotes eram uma casta especial e que só entre eles existia uma espécie de endogamia, hoje se fala do gene sacerdotal, ou cromossoma kohen, comum aos 70% dos que hoje se consideram filhos de sacerdotes e que também existe na tribo Lemba [África do Sul], que constitui o grupo dos chamados judeus negros africanos, com costumes igualmente semelhantes aos determinados pela Halaká [leis faladas], como a circuncisão, o descanso semanal e a proibição de comer carne de porco.  Dizem ter sua origem em Senna, Yemen, e o gene sacerdotal é comum a um dos 12 clãs dos Lemba [12 tribos de Israel], o clã Buba. Nenhum outro grupo judeu ou Lemba, tem este gene em proporção maior de 5%. Sabemos que 45% dos sacerdotes [dos que se dizem descendentes de sacerdotes] Askenazis [orientais] e 50% dos Sefardies [de origem hispânica] têm esse gene ou fator kohen. Tudo indica que os sacerdotes eram uma classe escolhida e ordenada ao culto: a oferecer sacrifícios, mais propriamente holocaustos, dos quais fala a carta. O holocausto era chamado de ascendente [olah] porque a vítima completa, exceto a pele e o músculo da cadeira ascende ao céu em forma de fumo e vapor. O objetivo é expressar total submissão do homem a Deus. O olah era um sacrifício contínuo, sendo oferecido duas vezes ao dia: de manhã e ao anoitecer (Êx 29, 38 s). Era o sacrifício de adoração por excelência, que incluía todas as formas de sacrifício. Ele estava acompanhado da queima do incenso no altar de ouro. Enquanto subia o incenso do altar de ouro, as orações dos israelitas ascendiam com ele para Deus (Apocalipse 8, 3 e 4), rogando por si mesmos e por sua nação em diária consagração. Neste serviço, o sacerdote oficiante implorava o perdão dos pecados de Israel e rogava pela vinda do Messias. Algumas vezes estava acompanhado por oferendas de farinha, ou óleo aos quais se acrescentava sal e incenso e que recebiam o nome de Minjah [oferenda]. O pão devia ser sem levedura, pois esta representava o pecado, o orgulho que infla o ego, sendo queimada uma parte sobre o altar e a outra entregue para reparti-la entre os sacerdotes. A Minjah pública mais importante era o pão da Presença colocado na mesa do Santo, que permanecia toda a semana em presença de Deus até ser consumido pelos sacerdotes. Eram os doze pães oferecidos no sábado de manhã no momento de retirar os oferecidos no sábado anterior, significando o pacto entre Deus e seu povo (Lv 24, 8). Para  melhor compreender a Eucaristia como sacrifício pacífico, este, entre os judeus, era constituído por três formas de sacrifício: louvor, por um voto e oferenda voluntária.

 REMOVER PECADOS: O holocausto pelos pecados [Hattat] era para pedir a absolvição, segundo o pensamento da época de que a oferta era castigada  no lugar do oferente, vemos que a remoção dos pecados pelo hattat era frequente, de modo a se realizarem duas vezes, todos os dias. Isso indicava que o pecado não era totalmente removido, entendendo por pecado o débito que o povo tinha para com Deus por sua conduta imprópria. Esse pecado essencial é o retirado pelo Cordeiro de Deus segundo o Batista (Jo 1, 29) e precisamente por sua imolação na hora do hattat vespertino, hora sexta (Jo 19, 13), ou três da tarde (Mc 15, 34).

 CRISTO SACERDOTE: Porque ele, uma vez [mian<3391>=unam], oferecendo sacrifício pelos pecados, para sempre [diënekes <1336>=sempiternum] sentou-se à destra [dexia<1188>=dextera] de (o) Deus (12). Hic autem unam pro peccatis offerens hostiam in sempiternum sedit in dextera Dei. UMA VEZ: O autor compara o sacerdócio de Cristo com o dos antigos sacerdotes hebreus e além do tempo, encontra o efeito como diferentes circunstâncias a favor do primeiro. Bastou uma única vez no lugar da frequência que a Vulgata traduz impropriamente quanto ao léxico, mas exatamente do ponto de vista real como diária [cotidie]. Porém, o mais importante é que este novo sacerdote está como que exercendo continuamente seu ministério porque agora tem o poder que lhe concede seu estado de dispensador da economia divina: SENTADO À DIREITA: A frase sai 5 vezes nesta epístola a começar pelo primeiro capítulo no versículo 3 em que o autor afirma ser Cristo o verdadeiro Filho de Deus a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e, como tal, está sentado à direita da Majestade nos céus. E esse seu assento é como Sumo sacerdote (Hb 8, 1), porque ofereceu um sacrifício pelos pecados (10, 12), precisamente por ter desprezado a glória [humana] e sofrido a dureza da cruz (12, 2). A direita de Deus é a que esmaga os reis em sua cólera (Sl 110, 5). E é ela a que, como sombra, se transforma em guardiã de seus seguidores (Sl 121, 5). Zorobabel era como o sinete na mão direita (Sl 49, 11). Por isso, o sentido do salmo dirigindo-se ao Messias, Palavra do Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que faça de teus inimigos o escabelo de teus pés (Sl 110, 1) e Hb 1, 3 como sentado no alto à direita da Majestade significa que sua posição está acima de todos os anjos que não estão sentados, mas voam ao seu redor, como servidores. Estar sentado é tomar uma posse e um estado e ministério, que tinha como resultado a execução dos planos e da vontade de Deus. Vontade que principalmente consistia no uso da misericórdia divina: ou seja, o perdão do pecado e a remissão da culpa. Por esta razão, a Igreja canta no início da Eucaristia: Tu que estás sentado à direita do Pai, tem piedade de nós (Glória).

 ATUAÇÃO DESSE SACERDÓCIO: Em adiante [to loipon<3063>=de cetero], aguardando [ekdechomenos <1551>=expectans] até que sejam postos [tethösin<5087>=ponantur] os inimigos dele como estrado [ypopodion<5286>=scabillum] dos pés (13). De cetero expectans donec ponantur inimici eius scabillum pedum eius. EM ADIANTE: To loipon é uma frase adverbial que significa o resto do tempo, ou seja, de agora em diante. A frase sai em Mt 26, 45 e Mc 14, 41 quando Jesus encontra os discípulos dormindo no horto e lhes disse: de agora em diante [to loipon] descansai e dormi, pois, vem agora e o Filho do Homem será entregue nas mãos dos pecadores. O sentido do versículo é uma continuação do anterior: Está sentado à direita de Deus, e desde esse momento só está à espera de que seus inimigos sejam derrotados. Porque a frase de pôr os inimigos como escabelo está tomado do costume da época, seguido após uma vitória. Vamos explicar este último conceito. Estrado: era um tablado pouco acima do chão para nele colocar uma mesa ou uma cadeira, como podia ser um trono (2 Rs 11, 14). Assim o rei aparecia como ser superior ao povo comum. A Arca da Aliança é precisamente o estrado dos pés do Senhor (1 Cr 28, 2), ante o qual deve se ajoelhar o povo (Sl 99, 5). Em Mt 5, 35 é a terra  que é o estrado dos pés do Senhor, enquanto os céus são seu trono. Quando o estrado era pequeno, unicamente para descansar os pés, então recebe o nome de escabelo. Nas batalhas, quando o inimigo era batido para reduzi-lo ao estado de escravo, acostumavam os vencedores prostrar na terra os vencidos e passar sobre seus corpos, assim humilhados. A este fato de estar sob os pés do vencedor como um escabelo, refere-se tanto o Salmo 110, como as passagens que o citam no NT.  Em Hebreus, temos a citação do salmo 110 duas vezes: 1, 13 e 10, 13. Nesta última citação, a vitória está ainda por vir e estamos no momento de uma expectante confiança.

A PERFEIÇÃO: Já que com uma só oferta [prosföra<4376>=oblatione] tem levado à perfeição [teteleiöken <5048> =consumavit] para sempre [diënekes<1336>=in sempiternum] os santificados [agiazomenos<37>=sanctificatos] (14). Una enim oblatione consummavit in sempiternum sanctificatos. O autor prossegue em seu argumento de afirmar que uma só ação bastava para cumprir o seu sacerdócio e que agora é só esperar até que a consumação do mesmo se efetue no tempo. Por isso, só fala de uma única oferta [mia gar prosföra] e da perfeição que ela conseguiu totalmente a todos os que por meio dela foram consagrados ou santificados em termos modernos. Devemos distinguir entre o perdão, como um absoluto divino concedido ao gênero humano [o Cordeiro que tira o pecado do mundo] e o perdão em particular, que em última instância depende da vontade de cada um. O mistério da divina graça [o dom gratuito] e da liberdade humana é um dos grandes problemas da Teologia que não tem solução aparente neste mundo. Só diremos uma coisa: se o mal se encerrar em si mesmo, de modo que dele não possa resultar bem algum, então teríamos um mundo cruel, impróprio de um Deus que fez tudo bem. Mas se do mal se pode extrair um bem maior, bendito seja o mal passageiro, porque então poderemos exclamar com S. Paulo: onde abundou o pecado superabundou a graça (Rm 5, 20). UMA SÓ OFERTA: Foi a oferta na cruz de sua vida de modo a derramar seu sangue [a vida] até a última gota como narra João em 19, 34. LEVADO À PERFEIÇÃO: o verbo Teleioö significa realizar, cumprir, finalizar, lograr, e também chegar à perfeição, chegar à maturidade. Como exemplos: Quando se completaram os dias (Lc 2, 24); e para que eles sejam perfeitos na unidade (Jo 17, 23). Este verbo sai 9 vezes em Hebreus e temos: para trazer muitos filhos à glória, para fazer o chefe de sua salvação perfeito através de sofrimentos (2, 10). Esse mesmo que tendo ficado perfeito, tornou-se o autor da salvação para todos os que lhe obedecem (5, 9). De modo que o sofrimento  [paixão e morte de Cristo] tornou perfeito o agente da salvação e ao mesmo tempo essa sua imolação aperfeiçoa os que a ele são consagrados [agiazomenoi], ou como diz 5, 9 os que lhe obedecem.

REMISSÃO TOTAL DO PECADO: Onde, portanto, (há) remissão [afesis<859>=remissio] de tais, em modo algum [ouketi<3765>=iam non] (há) oferta [prosfora<4376>=oblatio] por pecados (18). Ubi autem horum remissio iam non oblatio pro peccato. O autor continua na mesma base dialética. É provável que seus interlocutores fossem judeus que estavam nostálgicos do templo e dos sacrifícios nele oferecidos. Por que não existiam no cristianismo? E a razão é dada neste trecho: Uma única vez foi oferecido esse sacrifício e foi tão perfeito, que tirou todo pecado, de modo que, não existindo pecado, tornam-se inúteis os sacrifícios pelo mesmo.


 

  

EVANGELHO (Mc 13, 24-32)

       2ª VINDA DE CRISTO

(Lugares paralelos: Mt 24, 29-31 e Lc 21, 25-28)

(Pe Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: O evangelho de hoje é parte do discurso, chamado escatológico, de Jesus. Ele está frente a Jerusalém olhando o templo e responde à admiração dos discípulos diante da magnífica visão do templo. Tudo será destruído – disse-lhes Jesus. Como é natural,  os discípulos pedem a hora e os sinais. Jesus fala então da abominação da desolação [bdélygma tës eremöseös, abominatio desolatiónis].

EXCURSUS:      

 ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO– Que significa isso? A primeira vez que encontramos a tal frase é em Daniel. O texto de Daniel (9, 27) fala originalmente de shikutsim meshimim, que deriva de duas palavras: shikuts<08251>, abominável e shamem<08074>, devastar, de onde se deriva meshimaim, que os peritos em hebraico dizem ser um particípio de piel [modo repetitivo do verbo] e significaria devastador e não devastante. A tradução hebraica direta em inglês é: upon the wing of detestable things shall be that which causeth appalment; and that until the extermination wholly determined be poured out upon that which causeth appalment.’ [sobre a asa de coisas detestáveis estará aquilo que causou horror; e isso até que a devastação totalmente determinada seja derramada sobre aquilo que causou horror]. A frase é traduzida ao grego dos setenta por bdélygma tön erëmöseön, que podemos traduzir por abominação das devastações  (em plural) e ao latim por abominatio desolationis.  Segundo, pois, os LXX teremos: No meio da semana serão tirados meu sacrifício e libação, e sobre o lugar sagrado (estará) a abominação das devastações. E até a conclusão do tempo oportuno, o fim será dado sobre a devastação.  A Vulgata traduz: In dimidio ebdomadis deficiet hostia et sacrificium et in templo erit abominatio desolationis et usque ad consummationem et finem perseverabit desolatio. A tradução, dada pelo comentário da BAC de professores de Salamanca, é: E sobre a asa, horrores, devastações até que a  consumação decretada se derrame sobre o desolador. Nácar Colunga traduz: En la mitad de la semana cesará el sacrifício y la oblación y habrá en el santuario una abominación desoladora, hasta que la ruina decretada venga sobre el devastador. [Em nota diz que os sacrifícios pagãos no templo duraram três anos; mas antes de sua inauguração tinha transcorrido meio ano (metade da semana)]. A Bíblia de Jerusalém: Sobre a asa será a abominação até o fim, até o término designado ao desolador. Finalmente a tradução moderna espanhola diz: A la mitad de la semana pondrá fin a los sacrificios y a las ofrendas. Y en el templo se cometerá un sacrilégio horrible, hasta que la ruina decretada caiga sobre o devastador.  Bastam estes exemplos para  ver que o texto é de difícil interpretação. Mas, qual era a abominação das devastações? Segundo os intérpretes, a última semana se abre com a morte de um ungido [o sumo sacerdote Onias III] e se encerra com a morte de um príncipe perseguidor [o rei Antíoco Epífanes]. A obra perseguidora deste príncipe [Antíoco IV Epífanes] terminou com a profanação do santuário, colocando sobre o altar do templo [asa?] a estátua de Júpiter Olimpo, que será a abominação desoladora ou do semitismo abominação das desolações (LXX). Esta situação durará até que seja aniquilado o devastador. Segundo o Pe. Abel haveria uma inscrição dedicatória: Baal Shamayim [Senhor dos céus] que faria jogo com Shomem [devastar]. A frase abominação desoladora  aparece também em Dn 11, 31 e 12, 11. Nestes dois últimos textos, aparece mais claro que essa abominação desoladora é a estátua de Júpiter Olimpo com o qual Antíoco chegou a igualar-se. Uma outra vez aparece a mesma expressão em 1 Mc 54 só que aqui eremoseos está em singular. E evidentemente se trata da estátua de Júpiter Olimpo, um ídolo pagão que transformou o templo num lugar devastado para o culto de Jahweh. Era o deserto, pois Jahweh não habitava no templo do qual tinha sido expulso para no seu lugar colocar um ídolo pagão. É o que a tradução espanhola moderna diz com a expressão: en el templo se cometerá un sacrilegio horrible, ou um ídolo repugnante. Por isso Marcos (13, 14) e Mateus (24, 15) dão como sinal da destruição de Israel a abominação da desolação anotada pelo profeta Daniel. Na realidade, não houve nenhum ídolo colocado no templo de Herodes. Segundo S. Efrém, foi uma estátua com cabeça de porco que Pilatos introduziu sub-repticiamente no templo; uma imagem do César, segundo outros; finalmente,  as profanações dos zelotas, ou o exército romano e seus estandartes. O fato mais próximo é o decreto de Calígula no ano 40 de colocar sua própria estátua no templo de Jerusalém. A ordem não foi executada, mas desde aquele decreto fatal, nunca cessou a ansiedade de que outro César mandasse a mesma coisa. Outros pensam que o sinal de Daniel foi a tremenda profanação do ano 69 em que os zelotas de Simão bar Giora assassinaram no templo a Eleazar ben Simão, um moderado que se opunha tanto a Simão [que tinha às suas ordens 10 mil homens], como a João de Gíscala,  com 6 mil homens à sua disposição. Efetivamente, na Páscoa do ano 70, o povo, que tinha se reunido no Templo para purificar-se e oferecer sacrifícios foi atacado pelos partidários de João de Gíscala, os quais assassinaram a Eliezer. Tito tinha chegado e começava o sítio da cidade. Já Lucas aponta ao cerco das tropas romanas (21, 20) como sinal da abominação. O fato é que os cristãos fugiram de Jerusalém e se refugiaram no outro lado do Jordão. Começado o ataque, Tito, diante do primeiro fracasso das máquinas de assalto, decidiu tomar a cidade pela fome. E construiu um muro de circunvalação para evitar que seus habitantes tivessem ajuda exterior. Os romanos talaram, pois, e destruíram tudo ao redor da cidade, num círculo de 18 km de raio, deixando a rocha pura e nua, coisa que hoje é possível conhecer por estudos arqueológicos. Assim se apoderou da torre Antônia e da esplanada do templo. O templo caiu entre julho-agosto e a cidade alta um mês mais tarde. A conquista de Jerusalém demorou de 3 a 4 meses.

ESTILO APOCALÍPTICO

SINAIS CÓSMICOS: Porém nesses dias após a tribulação essa, o sol escurecer-se-á e a lua não dará sua luz (24). E os astros do céu serão cadentes e as forças, as dos céus, serão sacudidas (25). Sed in illis diebus post tribulationem illam sol contenebrabitur et luna non dabit splendorem suum. Et erunt stellae caeli decidentes et virtutes quae sunt in caelis movebuntur. SINAIS APOCALÍPTICOS: Derivada, esta palavra, de APOCALIPSE que significa revelação, de tal modo que é com este título que os evangélicos denominam o último dos livros da Bíblia. A palavra é utilizada para designar a revelação dos desígnios mais profundos de Deus (Dn 2, 23 no AT e Ap 1, 1 no NT), e principalmente para manifestar a gloriosa presença e vitória de Deus e de seu enviado, Jesus Cristo, ao termo de um período da História Humana (Rm 2, 5 e I Cor 1, 7). Como os livros dessa revelação foram escritos em tempos de perseguição, daí o estilo simbólico e metafórico para evitar que fossem compreendidos pela polícia profana que os perseguia (Mc 13, 14) e daí também as exagerações e hipérboles próprias do mesmo (estilo apocalíptico). O castigo, as catástrofes tanto naturais, como típicas da guerra, os sinais celestes que precedem e acompanham as mesmas, são próprios de tal estilo. Acreditavam os antigos que a História humana estava antes descrita nos fenômenos celestes. Daí a Astrologia, que é admitida pela Bíblia (Mt 2, 2). Entre estes fenômenos, devemos destacar os eclipses do Sol (se escurecerá), da lua (aparecerá vermelha, como no último eclipse total, vista na TV porque a luz do sol se difunde ao atravessar a atmosfera terrestre, ou se apagará) e as estrelas cadentes (os anjos cairão) (Mt 24, 29 e Mc 13, 24-25). Por isso, Lucas fala só de que haverá “sinais” no sol, na lua e nas estrelas (21,25). As forças, ou poderes do céu que mantinham o firmamento, [a cúpula sólida que separava o primeiro do segundo céu] serão agitados (as colunas da terra serão abaladas), as enchentes (água transformada em sangue), erupções vulcânicas (o fogo) junto às tempestades violentas (o mar alvorotado) (Lc 21, 25-27). Tudo sem distinção de lugar e tempo definidos, como se o mundo estivesse todo centrado em Jerusalém e sua vizinhança, de modo que a terra global pequenininha, que vemos hoje pela TV a centenas de kilômetros de altura, estivesse presente na mente do profeta de forma que a terra, todo o mar e todos os céus fossem comovidos num único instante que está próximo e numa única região da qual o centro fosse Jerusalém. Um exemplo deste estilo no AT está na profecia sobre a destruição de Babilônia (Is 13, 10 e 13). Uma pergunta: A que se refere o evangelista quando fala das forças dynameis<1411>, ou poderes do céu, como sendo abaladas? Com as mesmas palavras Mateus  (24, 29) e Lucas (Lc 21, 26) se referem aos mesmos fenômenos. Além do exposto anteriormente sobre as colunas do céu [as colunas de Hércules no fim do mundo conhecido é um paradigma] devemos também unir essas forças com as diversas funções de anjos. Paulo em Rm 8, 38 fala de anjos, principados e potestades [dynameis]. A palavra dynamis significa força e, em termos bíblicos, capacidade de realizar uma coisa, bem por possibilidade física [virtus], bem por autoridade moral [potestas]; em 1 Cor 15, 24, Paulo dá uma lista parcial dos poderes celestes: principados, potestades e poderes, aos quais em Efésios 1, 21 acrescenta senhorios, kyriotetos<2963>. São diversas categorias de anjos, usadas na angeologia judaica da época, sem excluir os anjos maus. São nomeados, não pelo nome, mas pelo poder de governo a eles atribuído. Não podemos excluir esta última interpretação, embora seja a primeira a que melhor combina com nossa maneira de pensar atual. Nesse caso, as forças celestes que dominam as terrestres, são abaladas antes, de modo que o desastre na terra é uma consequência do que anteriormente passava no céu; pois como diz Lucas, os homens ficarão cheios de temor pelas coisas que sobrevirão ao universo, pois as forças do céu serão sacudidas (Lc 21, 26). A linguagem bíblica que introduz desse modo as potências celestes indica que o próprio Deus está implicado diretamente nos sucessos relatados.

A PARUSIA: E então verão o Filho do Homem vindo nas nuvens com muito poder e glória (26). Et tunc videbunt Filium hominis venientem in nubibus cum virtute multa et gloria. PARUSIA: Derivada do verbo pareimi [estar perto], significa vinda gloriosa de Jesus no fim da História Humana. A primeira comunidade não distinguiu bem entre proximidade teológica e proximidade cronológica, pela qual, durante algum tempo, se pensou que fosse iminente esta última. “Já é hora de despertar do sono, porque agora está mais perto de nós a salvação que quando abraçamos a fé. A noite está avançada e o dia está perto, portanto deixemos de lado as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz” (Rm 13, 11-12). Os primeiros cristãos não entendiam o atraso da Parusia. Em 2Pd 2, 8-10 temos uma explicação desta demora: “Ló, no meio de gente dissoluta, se afligia diariamente à espera do dia do julgamento”. O Senhor sabe livrar os piedosos da tentação e reservar os criminosos para serem castigados no dia do julgamento. Existem duas interpretações sobre estas palavras de Jesus no versículo 26: 1ª) A que tem como base a história final da humanidade. Tal foi o último capítulo da Didaqué que fala expressamente de éschatos kairós [o tempo final] e que S. Irineu aceita, aplicando junto com Hilário, ao Anti-Cristo as palavras abominação da desolação. Porém tem uma dificuldade nos textos que podemos chamar judaicos como são: Mc 13, 30, Mt 24, 16 e 24, 20 e Lc 21, 28, donde o tempo é próximo, antes de acabar a geração presente. 2ª)  Baseada na História da época, defendida por S João Crisóstomo e seus seguidores. Não se trata da consummatio orbis [mundo], mas da consummatio urbis [Jerusalém]. Em seu favor temos as palavras de Jesus: Não passará esta geração sem que tudo isso aconteça (30). Pelo estilo apocalíptico podemos explicar os exageros de forma, que encontramos na redação. Nesta segunda interpretação podemos admitir que o fim do mundo seja semelhante ao fim de Jerusalém, pois a História é cíclica e repete sempre suas circunstâncias extremas.  FILHO DO HOMEM: É uma expressão semita, que significa uma pessoa humana, sobretudo como ser frágil e mortal em oposição ao ser divino (Is 51, 12). A passagem do AT, da qual é tomada esta imagem, é Dn 7, 13: Notei vindo das nuvens do céu um como filho do homem [bar nashá em aramaico e ben adam em hebraico]. No livro de Daniel descreve-se o quinto reino, posterior ao de Antíoco Epífanes, como tendo a figura de um homem, ou Filho do Homem, provindo das nuvens do céu (Dn 7, 13-14). Inicialmente, esse Filho do Homem significa o povo escolhido dos santos (Dn 7, 18; 22 e 27). Porém como o reino era identificado com o seu rei, daí que a expressão Filho do Homem tenha também um valor individual, glorioso e transcendente. É o que vemos na literatura intertestamentária, especialmente no apócrifo de Henoc. Com este sentido, Jesus o admite para si como único título messiânico, dentre as setenta vezes que aparece nos evangelhos. Assim aparece umas vezes, para sublinhar seu poder e condição transcendente (Mt 9, 6 e 12, 8); outras, para destacar o momento de sua paixão e ressurreição (Mc 8, 3); outras, para aludir ao fato de seu triunfo e sua parusia (Mc 8, 38) e finalmente, ao se referir a si mesmo, como substituto de “a gente” [eu humilde] em português (Mt 8, 20 e 16, 13). De novo estamos dentro de uma forma literária que é poética e apocalíptica, em que a imagem substitui a realidade. Surge daí uma forma nova de interpretar o que se tem chamado ESCATOLOGIA: O termo é de origem grega e significa discurso ou tratado sobre as coisas últimas e definitivas que devem suceder ao homem e ao mundo. Somente o adjetivo, Eskhatós (=último) se encontra na Bíblia para evocar a irrupção definitiva do reino e os acontecimentos que a acompanham. Estes acontecimentos e a irrupção final, foram anunciados pelos profetas, sem distinguir entre o tempo de Cristo, como tempo último, posterior à aliança mosaica, e o tempo da consumação final (Ez 38-39 e especialmente 39, 23). Daí que temos distinguido entre escatologia teológica e escatologia cronológica. O NT distingue os dois tempos, com o Cristo inaugurando dentro do tempo último ou escatológico, um que podemos chamar teológico (Hb 1, 2), mas ainda esperando o fim, a consumação definitiva e última; e outro, o tempo cronológico, quando submetidos todos os inimigos ao Cristo, este vence o último de todos, a morte, e entrega o Reino ao Pai (I Cor 15, 25-28). Assim, os modernos distinguem entre o reino de Cristo, que se inicia com a sua ressurreição e tem um impacto forte, quando da destruição de Jerusalém, e o Reino do Pai que se inicia definitivamente com o julgamento do dia final (Mt 25, 34-46). O texto será interpretado por Ap 1, 7: Eis que vem com as nuvens e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Podemos dizer que reina como Jahweh, entronizado sobre as nuvens (Sl 104, 3), que não necessariamente devem aparecer, mas são símbolos da origem de seu poder e glória.

 A SEPARAÇÃO: E então enviará seus mensageiros e congregará seus escolhidos dos quatro ventos do limite da terra até o último extremo do céu (27). Et tunc mittet angelos suos et congregabit electos suos a quattuor ventis a summo terrae usque ad summum caeli. Mateus acrescenta que a reunião será conhecida pelo toque da trombeta e a grande voz. Uma outra divergência é que parece que os escolhidos para Mateus, são seres que estão no céu, pois Mateus diz que os reunirá desde os quatro ventos,[quatro ângulos] a começar dos últimos céus até os limites dos mesmos (Mt 24, 31). Temos traduzido akron [o último confim, o extremo, e em referência ao céu, o horizonte] por limite ou final. Os leitores ficam em espera de qual seria o propósito dessa reunião. O evangelista nada diz. E logicamente isso dá lugar a diversas interpretações. Sobre os escolhidos, há quem os reduza a termos judaicos do tempo de Jesus, segundo a segunda das interpretações, ou seja, a cronologicamente histórica sobre o fim de Jerusalém. Acreditamos que aqui encontramos a diferença essencial com os desígnios divinos do AT: contrariamente ao povo de Israel e aos levitas e sacerdotes, filhos de Levi, escolhidos de uma única etnia, O NT escolhe seus eleitos [o novo povo de Cristo] de todos os cantos da terra: dos quatro ventos da terra até o confim do horizonte [o último extremo do céu]. Este versículo não indica, pois, o final, mas o início de uma nova era ou eón. É o mistério que Paulo diz lhe foi revelado: os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da Promessa em Cristo Jesus, por meio do evangelho (Ef 2, 6). Também em Paulo encontramos esta  explicação, que indica ser essa vinda um triunfo do cristianismo contra seus inimigos: Quando se revelar o Senhor Jesus, vindo do céu, com os anjos do seu poder, no meio de uma chama ardente [o sinal do Filho do Homem, semelhante ao de Jahweh no Sinai(?)], para vingar-se daqueles que não conhecem a Deus e que não obedecem ao evangelho do Senhor Jesus (2 Ts 1, 7-8). Porém, se queremos uma explicação sobre o eschaton, o fim dos tempos, a encontramos em 1 Ts 4, 16-18: Os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida, nós, os vivos que estivermos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor, nos ares. E assim estaremos para sempre com o Senhor. Porque Paulo dá a entender em 1 Cor 15, 51-52: Eis que vos dou a conhecer um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptos, e nós seremos transformados. A trombeta, desde o Sinai, faz parte do simbolismo das manifestações divinas (ver Mt 24, 31). Ela assinala o ritmo das etapas do desígnio final de Deus (ver as sete trombetas do Apocalipse, cap 8). Talvez estes textos, não incluídos em Marcos ou Lucas, mas que vemos em Mateus 24, 31, serviram para transformar uma profecia sobre a destruição de Jerusalém [consummatio urbis], ou melhor, do templo e da Antiga Aliança,  em profecia escatológica [consummatio orbis]. De fato, em Lucas, temos uma referência que indica ser esse dia e hora – desconhecidos pelo Filho enquanto homem – um triunfo de Jesus sobre seus inimigos, pois pede aos discípulos para se levantarem e alçarem a cabeça, não como derrotados, submissos e com a cabeça em terra, pois esse é o dia de sua libertação.

EXEMPLO DA FIQUEIRA

A PARÁBOLA: Por isso, aprendei da figueira o exemplo: quando na hora em que o galho se tenha tornado tenro e tenham germinado as folhas, conheceis que o verão está próximo (28). Assim também vós, quando estas coisas tenhais visto que acontecem, sabei que está perto, às portas (29).  A ficu autem discite parabolam cum iam ramus eius tener fuerit et nata fuerint folia cognoscitis quia in proximo sit aestas. Sic et vos cum videritis haec fieri scitote quod in proximo sit in ostiis. Com estas palavras, Jesus anuncia duas coisas: que os ouvintes estarão presentes quando os sinais anunciadores aparecerem; e segundo, que eles conhecerão   perfeitamente o tempo do evento final, ou seja, o tempo do triunfo de Jesus. O mundo do templo, muito mais do que o mundo de Jerusalém, seria destruído e chegaria o verão, o tempo da colheita, em que os bons serão separados dos maus (Mt 13, 30). Logicamente os bons são os israelitas que acreditaram no evangelho. A figueira é uma das poucas árvores que perdem suas folhas no inverno palestino e começa a se revestir de folhas em abril, quando não há que temer as inclemências do frio invernal. Na época só se distinguiam na Palestina duas estações: inverno e verão. Os rabinos calculavam entre 80 e 100 dias desde a aparição das folhas até a aparição dos primeiros frutos. Daí a figura clássica da figueira que prognostica a época da colheita, colheita que seria a aparição do triunfo de Jesus como Cristo, o Ungido único do Senhor, o único Messias dado ao povo de Israel, que não deveria esperar outro, pois o templo ficaria devastado definitivamente, indicando a dissolução do pacto divino. Sabei que está perto: Marcos não diz que coisa está para se cumprir. Mas dados os sinais anteriores, dos quais a figueira é um paradigma, temos que recorrer ao versículo primeiro, fonte do discurso: está perto: Não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida (Mc 13, 2).

ANTES DO TÉRMINO DESTA GERAÇÃO: Amém (verdadeiramente) digo-lhes, que de maneira nenhuma estará concluída esta geração até que todas estas coisas tenham sucedido (30). O céu e a terra perecerão, mas as minhas palavras jamais serão mudadas (31).). Amen dico vobis quoniam non transiet generatio haec donec omnia ista fiant. Caelum et terra transibunt verba autem mea non transibunt.  O amém é uma confirmação de que toda a força da verdade está na afirmação a seguir. Jesus afirma que tudo estará cumprido antes da geração ter acabado. As afirmações estão em sentido negativo e forte, empregando dois termos gregos [ou e më] que podemos traduzir por jamais ou nunca, muito melhor que por um simples não. O tempo de uma geração era de 30 anos, segundo Plutarco, mas o verbo usado, parelthe<3928>, indica preferentemente o tempo de uma vida humana, ou seja, que ainda haveria pessoas, atualmente presentes, vivas no triunfo de Jesus. Todas estas coisas, que significa? Os sinais, a abominação, o triunfo? Cremos que Jesus responde à pergunta: dize-nos quando será isso e qual o sinal de que todas estas coisas estarão para acontecer? A pergunta foi uma interrogação sobre a destruição do templo, predita por Jesus e com ela o pacto com o antigo Israel: Não ficará pedra sobre pedra (Mc 13, 2). Esta deve ser a reposta interpretativa,  essencial, das palavras de Jesus. Realmente, do templo não ficou nada e unicamente hoje temos um trecho do muro oeste, que podemos afirmar que formava parte do fundamento do templo e que ainda está conservado. Da época temos ruínas dos diversos templos, mas do templo de Jerusalém só podemos ver os fundamentos e alguns túneis subterrâneos, agora descobertos. O triunfo de Jesus será indicado pela destruição do templo de modo que agora os olhos da esperança messiânica só poderão enxergar o traspassado e não haverá outro templo (Jo 19, 37).

O DIA E A HORA: Mas a respeito daquele dia e da hora ninguém tem visto; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai (32). De die autem illo vel hora nemo scit neque angeli in caelo neque Filius nisi Pater. Com o dia e hora pretende Jesus que ninguém podia saber, nesse momento em que falava, o instante exato do evento. Os anjos são citados, pois se acreditava que eles conheciam muitos dos secretos ou mistérios de Deus. Num processo crescente, como se ele, Jesus, tivesse conhecimento superior ao dos próprios anjos, também se declara ignorante desse detalhe. O Filho está em substituição de Filho de Deus, não de filho do homem, pois nunca [‘uios <5207>, filho] sozinho, é usado como equivalente ao título de Filho do homem e sim como abreviação de Filho de Deus. A palavra Pai inclui toda a Trindade, pois em toda ela se dá uma única essentia, voluntas et notitia [essência, vontade e saber]. A solução é que a natureza divina de Jesus conhecia o momento, mas a natureza humana não, porque aquele que assumiu todos os elementos da fraqueza humana, também assumiu o saber e a ignorância que aumentam ou diminuem com o tempo. O vere homo [verdadeiramente homem] sempre foi subordinado ao vere Deus [verdadeiramente Deus], e este versículo pode ser interpretado como parte da solidariedade de Jesus com a impotência humana. Jesus confessa que como homem não tem uma ciência total. E como os fatos anteriores são da grande tribulação com respeito a Jerusalém, o que significa sofrimentos e morte, de forma que, se os dias não fossem abreviados, ninguém se salvaria (13, 2), Jesus pede além da vigilância, a oração.

PISTAS: 1) Talvez seja esta a página mais sombria de um evangelho que se traduz como boa nova. Mas devemos pensar que as tintas negras são para um povo que, vendo em primeira mão a luz não quis enxergar, e ouvindo diretamente as palavras da salvação, se obstinou em não escutá-las (Lc 8, 10). Por isso a nossa oração deve ser como a do cego de Jericó: Senhor, que eu veja! (Mc 10,51).

2)Não devemos temer o encontro com Jesus no dia final de nossa vida (a nossa parusia em particular) se temos o costume de encontrá-lo cada dia como Mestre e Senhor, porque as palavras que ouviremos nesse dia serão sem dúvida: Muito bem, servo bom e fiel. Vem alegrar-te com teu senhor! (Mt 25, 21).

3) A centralização de nossa vivência religiosa está em Cristo, pois a sua presença já está viva entre nós. O Reino lhe pertence, já tem chegado, e seu anúncio é uma convocação universal da qual somos partes e arautos, especialmente os consagrados a Ele ou ordenados como seus ministros (anjos).

4) Toda religião que promete um tempo imediato de parusia é falsa. Porque a parusia já está atuando desde a ruína do templo. Haverá momentos em que essa parusia (presença) se manifesta mais claramente como na queda do muro de Berlim, para citar um exemplo moderno. Mas Jesus está sempre presente e atuando na história. Assim como os judeus acreditavam na presença de Jahvé no templo, porque ele se manifestou no deserto, também temos o direito de ver Jesus na história, máxime quando sua presença é real na Eucaristia e Ele a promete profeticamente: Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28, 20).

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