Comentário Exegético – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano A

EPÍSTOLA (Fp 4, 12-14)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

A VIDA DE PAULO COMO MINISTRO DO EVANGELHO: Experimentei pois, ser humilhado, experimentei também ter abundância em tudo; e em todas (as circunstâncias) estar iniciado e tanto para estar saciado como para ter fome, tanto para ter abundância como para estar necessitado(12). Scio et humiliari scio et abundare ubique et in omnibus institutus sum et satiari et esurire et abundare et penuriam pati. Paulo considera a sua vida apostólica como um serviço sem remuneração. Por isso, ele viveu tanto na pobreza como na abundância, sem pretender molestar a ninguém. Uma exceção a essa regra foi a conduta dos filipenses, que o ajudaram na sua estadia em Tessalônica. No versículo 10 ele já expôs seu agradecimento. Porém o que lhe impulsa a falar não é puro agradecimento; pois ele, Paulo, sabe viver em necessidade tanto como em abundância. Assim inicia este parágrafo com o  grego OIDA [<1492>=scio] é o perfeito do verbo eidö [ver] que pode ser traduzido por conheço, ou sei por ter visto. Temos preferido uma tradução mais literal e, no lugar de ter visto, EXPERIMENTEI como mais apropriado com as circunstâncias em que teve que padecer de tudo: SER HUMILHADO [tapeinousthai <5013>=humliari] infinitivo passivo do verbo tapeinoö com o significado de humilhar, rebaixar, diminuir. O significado é que Paulo experimentou ser anulado e desprezado, talvez aludindo à fofoca de que não era verdadeiro apóstolo (1 Cor 2, 9). TER ABUNDÂNCIA:[perisseuein<4052>=abundare] ou abundar, infinitivo do verbo perisseuö, com o significado de ser extremadamente rico, nadar em abundância como em Rm 3, 7: Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua, ou como em 2 Cor 1, 5: como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo. ESTAR INICIADO [memuënai<3453>=institutus sum] é o particípio passivo do verbo mueö com o significado de ser iniciado em passiva, nos mistérios de uma religião. Talvez a melhor tradução fosse estar treinado ou exercitado o que implica em estar consciente ou saber praticamente do  que na continuação escreve:  o que é ESTAR SACIADO [chortazesthai<5526>=satiari] tanto como seu oposto TER FOME [peinav<3983>=esurire] também em infinitivo do verbo peinaö, ter fome. TER ABUNDÂNCIA [perisseuein <4052>= abundare] em que Paulo repete o verbo anterior. E finalmente ESTAR NECESSITADO [ystereisthai <5302>=penuriam pati] do verbo ystereö com o significado de chegar tarde, estar excluído; estar falto de, como em Lc 22, 35: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou sandálias, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada. Paulo aqui repete sua defesa como ministro do apostolado evangélico, mas unicamente com respeito à circunstância monetária, que é uma de suas defesas mais sólida, de que trabalha por amor de Cristo e não é um vulgar aproveitador. Aqui ele repete o que disse aos corintianos: Até esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa (1 Cor 4, 11). Ele repete essa sua pobreza voluntária em 2 Cor 6, 10: como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo, e possuindo tudo, que amplia em 11, 27 da mesma carta: Em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Logo ele dirá em 1 Cor 9, 18: que prêmio tenho? Que, evangelizando, proponha de graça o evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho. Tudo porque eu de nenhuma destas coisas [materiais como dinheiro e alojamento, benefícios etc] usei, e não escrevi isto para que assim se faça comigo; porque melhor me fora morrer, do que alguém fazer vã esta minha glória.

SUA FORÇA: Todas as coisas posso em quem me dá força, Cristo(13). Omnia possum in eo qui me confortat. Unicamente sofreu todas essas penalidades REFORÇADO [endynamounti <1743>=confortat] pela energia que lhe emprestou Cristo. Paulo, na sua debilidade, rogou ao Senhor e este lhe respondeu: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza (2 Cor 12, 9), de modo que, como disse Jesus, Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15, 5).

COMPARTICIPANTES: Todavia, bem fizestes, sendo comparticipantes de minha tribulação (14). Verumtamen bene fecistis communicantes tribulationi meae. Alude com isto a Epafrodito que foi enviado pelos filipenses para prover às necessidades de Paulo no xadrez (Fl 2, 25), como uma participação nas minhas prisões (Fl 1,17). Paulo dava bens espirituais às igrejas por ele fundadas e era oposto a receber delas bens materiais para não se tornar em obstáculo à difusão do evangelho, como se este fosse um comércio. Porém, houve algumas exceções como foi a dos filipenses, de cuja boa ação, quando Paulo estava em Corinto, temos constância em 2 Cor 11, 8-9:  Outras igrejas despojei eu para vos servir, recebendo delas salário; e quando estava presente convosco, e tinha necessidade, a ninguém fui pesado porque os irmãos que vieram da Macedônia [terra dos filipenses] é que me socorreram dando-me o que faltava. Não vos quis ser pesado, nem o quero vir a ser. Diante do passado e frente às ajudas presentes, Paulo confessa que os filipenses são participantes de sua tribulação.

DEUS PAGARÁ: Mas o meu Deus preencherá toda vossa necessidade, segundo a sua riqueza, em glória em Cristo Jesus (19). Deus autem meus impleat omne desiderium vestrum secundum divitias suas in gloria in Christo Iesu. Nas atuais circunstâncias, Paulo não tem como pagar pessoalmente e por isso apela à bondade de Deus que não deixa sem prêmio um copo d’água fria, dado a um de seus discípulos (Mt 10, 42). O prêmio [misthos] é que Deus pagará com abundância as necessidades dos filipenses, pois é um Deus de riqueza e pode fazê-lo para a glória de Cristo, porque  Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam (Sl 24, 1).  Já que como escreve aos de Corinto, Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra (2 Cor 9, 8). Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder, pelo seu Espírito, no homem interior (Ef 3, 16). E é aí onde se manifesta precisamente a glória de Cristo; pois o Reino está em que a vontade de Deus seja feita na terra como é feita no céu (Mt 6, 10).

DOXOLOGIA: Ao Deus e nosso Pai a glória para os séculos dos séculos. Amém (20). Deo autem et Patri nostro gloria in saecula saeculorum amen. Esta é uma louvação com a qual Paulo adorna suas cartas. Exemplos: Ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo, para todo o sempre. Amém (Rm 16, 27) e ao qual seja dada glória para todo o sempre. Amém (Gl 1, 5). GLÓRIA [doxa<139>=gloria] entre os semitas designa o valor real de uma coisa ou pessoa. Valor que pode estar nas riquezas, no valor social, no poder e influência, na beleza. Daí que seja patrimônio especial do rei. Mas a glória humana é frágil e caduca. Só a glória de Deus é consistente e eterna, pois se identifica com seu próprio ser e atributos: poder, sabedoria, beleza, fidelidade, misericórdia. Como diz Paulo em Rm 1, 23: Em vez de darem glória ao Deus imortal, adoraram imagens do homem mortal e até adoraram imagens de aves, serpentes e outros animais. Paulo fala das riquezas de sua glória (3, 16) e da força de sua glória (Cl 1, 11). Esta glória do Pai se torna presente em Jesus, especialmente na sua Transfiguração (viram a sua glória – Pd 9, 32). Esse Jesus, que seria luz das nações e glória de seu povo Israel (Lc 2, 32) que manifestou sua glória [poder divino] através de seus milagres (Jo 2, 11). Mas especialmente na sua ressurreição: Não era necessário que Cristo sofresse tudo isso para entrar em sua glória? (Lc 24, 26). E de modo especial, no advento final como Senhor de todo o Universo: o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras (Mt 16, 27). Como vemos, especialmente a glória de Deus é a sua majestade que está acima de todo poder e influência humana. Deus, Senhor do Universo, tem uma sublimidade sobre toda criatura que deve ser reconhecida como transcendência de poder e mando. OS SÉCULOS DOS SÉCULOS: a frase eis ton aiöna significa para sempre, como em Jo 6, 51 promete Jesus:  se alguém comer deste pão viverá para sempre. Frase que pode ser no plural: eis tous aiönnas, e que, em redundância, pode tomar a forma de eis tous aiönas tön aiönön (Hb 13, 21). A tradução latina, in saecula saeculorum, toma o grego aiön no seu sentido literal primário: um tempo muito longo que o latim traduz como século quando talvez seria melhor traduzir por era, época, ou idade. AMÉM do hebraico, com o significado de certamente,  em verdade vos digo (Mt 5, 18) ou assim seja se tu bendizeres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto, o Amém, [assim seja] sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes ? (1 Cor 14,16).

EVANGELHO (Mt 22, 1-14)

Lugar paralelo Lc 14, 15-24

O BANQUETE E OS CONVIVAS

(Pe Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: Se a parábola do domingo anterior, dos vinhateiros homicidas, se refere ao passado histórico, esta de hoje, narra um presente real. O reino já atuante [Lc 17,  21] é traduzido como um convite de Bodas Reais, ao qual é chamado o antigo Israel. As bodas são do filho do rei, ou seja, as mais importantes de todas as bodas e que devem receber consequentemente prioridade nas respostas. Já o fato da recusa constitui um grande despropósito, por não dizer falta de consideração imperdoável. Porém o trato dado aos emissários do Rei aumenta a culpabilidade dos convidados. À parte o fato da falta de atenção aos requerimentos, feitos pessoal e diretamente, muitos dos criados do rei foram ridiculamente desprezados e outros até arrogantemente assassinados (6). Lucas, no lugar paralelo, rebaixa um pouco o tom da parábola ao substituir o rei por um homem [anthropos] e as bodas por um banquete formal (16). Os numerosos escravos são reduzidos a um só, e as escusas parecem óbvias do ponto de vista dos que rejeitam o convite (18-21). Com tudo isso, a parábola em Lucas perde o estilo alegorizante de Mateus para reduzi-la a uma comparação em que unicamente interessam os últimos parágrafos (23-24).

AS BODAS DO FILHO: E, tendo respondido, Jesus novamente falou-lhes em parábolas, dizendo (1). Assemelha-se o Reino dos céus, a um homem rei que fez festas de bodas a seu filho. Et respondens Iesus dixit iterum in parabolis eis dicens. Simile factum est regnum caelorum homini regi qui fecit nuptias filio suo. O grego fala de GAMOUS, acusativo plural de gamos que significa matrimônio, boda, e em plural, festas de boda. Acostumavam durar estas festas uma semana. Tomando a parábola em grande parte como alegoria, sabemos que as bodas eram um símbolo da união entre Jahweh e Israel. Para os profetas bíblicos, a eleição/aliança entre Deus e Israel comporta uma união tão íntima e profunda, que para expressá-la não encontram outra imagem melhor que a do matrimônio. Vejamos alguns trechos do AT. Lemos em Isaías: Teu esposo serás tu criador cujo nome é Senhor Todo-poderoso, teu redentor o Santo de Israel que se denomina Deus de toda a terra. Sim, como a uma mulher abandonada e desolada, Jahweh te chamou. A esposa tomada na juventude pode ser rejeitada? (54, 5-6). E numa outra página: Como um jovem desposa uma virgem, assim te desposará o teu edificador (62, 5). Ezequiel: Comprometi-me contigo por juramento e fiz aliança contigo e tu te tornaste minha.- Oráculo do Senhor (16, 8). Oseias: Sim naquele dia – diz  o Senhor – ela me chamará marido meu e não me chamará Baal [senhor] meu (2, 18). Eu te desposarei a mim para sempre; eu te desposarei a mim na justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu te desposarei a mim na fidelidade e conhecerás a Jahweh (2, 21-22).  Está claro que no AT existia uma relação  Deus-povo que os profetas assimilavam a um casamento. Mas no NT comemoramos um novo casamento que é o do Verbo com o homem Jesus: serão uma só carne (Gn 2, 27). Poderemos aplicar o dito à  Encarnação em que a divindade toma como própria a humanidade de Jesus de Nazaré numa união tão íntima que a Igreja chamou de pessoal, de modo que os atos humanos são atos, que podemos chamar assumidos pela divindade. Não é só a palavra, como nos profetas, que provém de Deus como última causa, mas é toda a vida de um homem que, ligada à divindade, está sob a atuação última de Deus, não só como criador, mas também como sujeito da ação constante por Jesus efetuada. De modo que podemos dizer que tudo o que por Jesus é feito é o Verbo quem o faz e tudo que a Jesus é feito é ao Verbo que fazemos. Matrimônio também de Jesus-Igreja, entendida a Igreja como o conjunto dos discípulos que em Jesus encontram o Mestre e Senhor. Vejamos os textos do Novo Testamento. O esposo era Jesus,  como Cristo, segundo Mateus 9, 15: Por acaso podem os amigos do noivo estar de luto, quando o noivo está com eles? Logicamente os amigos são os discípulos e o noivo é o próprio Jesus. Já no início dirá o Batista sobre Jesus: Quem tem a esposa é o esposo [Jesus], mas o amigo do esposo [João] que está presente e ouve, é tomado de alegria à voz do esposo (Jo 3, 29). Mas muito mais diretamente dirá Paulo aos de Corinto: Desposei-vos a um esposo a quem devo apresentar-vos como virgem pura (2 Cor 11, 2). E finalmente no último livro, no Apocalipse, como confirmação do trecho de hoje, temos: Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se as núpcias do cordeiro, e sua esposa já está pronta (Ap 19, 7) O anjo me disse: Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro (Ap 19 9). Essas núpcias simbolizam o estabelecimento definitivo do reino, nos céus, já iniciado na terra com a vida de Jesus. Como vemos por Paulo em Coríntios 2, os desposados são cada um dos fiéis que prometem fidelidade a Cristo, e não unicamente a Igreja como sociedade fiel à sua doutrina. E a melhor maneira do desposório cristão é o sacramento da Eucaristia em que os dois serão uma só carne (Gn 2, 24) e do qual Jesus dirá: Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.  Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna… Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida (Jo 6, 33-36).  Este banquete não é só de Jesus como esposo, mas também como cordeiro pascal que é comido. Daí o rito da Eucaristia ser iniciado, precisamente, na ceia do cordeiro pascal como rito judaico, ao qual substituem o corpo e o sangue de Cristo, realmente comida e bebida, segundo acabamos de anotar. Uma nota importante é que os judeus distinguiam os esponsais das bodas propriamente ditas. Nestas últimas, o encarregado de preparar o banquete e de cobrir os gastos era o pai do noivo (Mishná Shebiit 7, 4), tal e qual vemos na parábola. A parábola está relacionada com a dos vinhateiros do domingo anterior. O banquete era, desde tempos antigos, a maneira de festejar uma data religiosa [as três grandes festas eram celebradas com banquetes], ou um acontecimento social [aniversários como o de Herodes em Mc 6, 21, ou casamentos em Jo 2, 2]. O banquete tinha como prato principal uma refeição na base de reses cevadas (Mt 22, 4 e Lc 15, 23) e como bebida vinhos velhos. Assim Isaías 25, 6: O Senhor dos exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos velhos [finos traduzem outros], pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem classificados. Sem dúvida que foi este banquete a base de nossa parábola. Os tempos messiânicos são, pois, tempos de boda real, pois Jahweh casa seu filho com a humanidade tal como fez na Encarnação.

OS SERVOS (3 e 4): E enviou seus escravos a chamar seus convidados para as festas de bodas; não quiseram vir (3). De novo enviou outros escravos, dizendo: dizei aos convidados: Eis que minha janta [banquete] preparei. Meus bois e meus cevados [animais] têm sido mortos e todas as coisas estão preparadas. Vinde a minhas festas de boda (4). Et misit servos suos vocare invitatos ad nuptias et nolebant venire. Iterum misit alios servos dicens dicite invitatis ecce prandium meum paravi tauri mei et altilia occisa et omnia parata venite ad nuptias. Foram enviados em duas levas diferentes, pois os convites eram dados em duplicata. Primeiro um convite, e logo um segundo, para estar seguros da presença do convidado. Evidentemente os servos eram os profetas. Temos as palavras de Isaías (41,8) em que vemos que todo o povo de Israel era considerado como servo: Mas tu Israel, servo meu, tu Jacó a quem elegi descendente de Abraão, meu amigo. Porém como enviados, não como acolhidos ou escolhidos, os verdadeiros servos são os profetas, segundo Jeremias 7, 25: Desde o dia em que vossos pais saíram da terra do Egito até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os profetas, todos os dias, começando de madrugada, eu os enviei. O versículo é esclarecedor no que diz respeito ao evangelho de hoje e também ao dos operários da vinha. Quais foram os primeiros e quais os segundos enviados? As duas levas respondem aos profetas do AT de modo especial ao de João, o Batista, que começou declarando o Reino está à vista (Mt 3,2) enviado como mensageiro segundo Marcos (1, 2). Como segunda leva temos o próprio Jesus e seus apóstolos a quem Jesus enviou em missão (Mt 10, 1; Mc 3, 13 e Lc 9, 2). Tanto num caso como noutro os convivas não aceitaram o banquete. Na parábola anterior dos vinhateiros homicidas demos uma reposta ampla a esta pergunta. (Mt 21, 33-43). Eram os Keklëmenoi [os chamados] inclusive nome por nome, como o texto grego indica com seu significado. As línguas modernas traduzem por convidados ou invitados. Quem eram eles? Evidentemente era o povo judeu, representado pelos seus dirigentes. Deduzimos isto pelo próprio comentário de Jesus sobre a conduta dos fariseus e escribas: Não entrais nem deixais entrar os que querem  fazê-lo (Mt 23, 13).

OS CONVIVAS (5,6): Eles, pois, tendo desatendido, foram um a seu próprio campo, e um outro a seu comércio (5). Porém o resto, agarrando os escravos dele, (os) maltrataram e (os) mataram (6). Illi autem neglexerunt et abierunt alius in villam suam alius vero ad negotiationem suam. Reliqui vero tenuerunt servos eius et contumelia adfectos occiderunt. Os fatos, ajustando-nos ao tempo histórico de Jesus, dão a razão ao desenvolvimento da parábola: João, o primeiro arauto do Reino, foi decapitado pelo tetrarca da Galileia e os chefes dos sacerdotes e os anciãos não reconheceram sua função profética (Mt 21, 27 e 32). O próprio Jesus, em cuja pessoa radicava o Reino,  foi rejeitado e morto por instigação dos dirigentes, o Grande Sinédrio (Mt 29, 16-19). Os discípulos também foram perseguidos, como Estêvão e Santiago o Maior e até Pedro que se livrou de modo especial da morte (At cap 12).

O CASTIGO (7): Tendo, portanto,  ouvido o rei irritou-se; e tendo enviado seus guardas, destruiu aqueles assassinos e incendiou sua cidade (7). Rex autem cum audisset iratus est et missis exercitibus suis perdidit homicidas illos et civitatem illorum succendit. Ao saber o Rei como foram tratados os seus servos, montou em cólera e enviando os soldados, na realidade, tropas ou guardas, seria a tradução melhor de strateuma, destruiu aqueles homicidas e queimou a sua cidade. Jesus descreve o castigo brutal que era devido a uma cidade rebelde, segundo os costumes da época. Os homens eram mortos ou escravizados. A cidade era entregue às chamas. Evidentemente é o que aconteceu com Jerusalém diante da qual Jesus chorou, exclamando: Deitarão por terra a ti e a teus filhos no meio de ti, e não deixarás de ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada (Lc 18, 44).

SEGUNDOS INVITADOS (8-9): Então disse a seus servos (escravos): O banquete de boda está preparado. Os convivas não foram dignos (8). Portanto ide às saídas dos caminhos e chamai a quantos encontrardes para as bodas (9). SERVOS: O grego usa o douloi que é a palavra para escravo e que o latim expressa como servi com um significado mais amplo, podendo ser traduzida por criados. SAÍDAS: Temos traduzido saídas quando a versão portuguesa traduz por encruzilhadas, tradução que não se entende bem. Somente a tradução francesa sorties de la ville [saídas da cidade] nos dá uma tradução que se assemelha à da vulgata latina: exitus viarum, tradução bastante exata do grego [diexodous tön ‘odön = saídas das ruas, onde a roça começa], Quer dizer que saíram fora da cidade, pelos caminhos, para buscar novos convivas. Tendo em conta que estamos dentro de uma alegoria, podemos pensar que a cidade representa o povo escolhido de Israel e os caminhos, povos não israelitas, fora do pacto antigo da Aliança. Agora o convite é dado a todos, uma vez que os primeiros  e a sua cidade foram  destruídos. Não existem mais diferenças entre os antigos convidados e os novos escolhidos. Pois o banquete está ainda esperando e preparado.

MAUS E BONS (10): E tendo saído aqueles escravos aos caminhos reuniram todos os que acharam, tanto maus como bons e encheu-se a festa de bodas de comensais (de reclinados) (10).TODOS: A expressão, bons e maus, indica que não é a justiça ou a santidade de costumes, nem o mérito de uma vida virtuosa mas todos são chamados sem distinção; e todos podem entrar no banquete. Basta não recusar o convite e atender ao chamado. No lugar paralelo de Lucas serão os pobres, os aleijados, cegos e coxos das praças e das ruas. Eram estes os lugares em que os incapacitados do tempo pediam esmolas que era a única maneira deles ganharem a vida. Cegos, aleijados  e coxos eram considerados pecadores e afastados de Deus como gente impura e castigada pelos pecados próprios ou de seus pais. (Jo 9, 2). E a pobreza era a maior maldição de Javé.

A VESTE NUPCIAL (11): Tendo entrado, então, o Rei a ver os reclinados à mesa, viu ali um homem não trajado com a veste de bodas (11).  Intravit autem rex ut videret discumbentes et vidit ibi hominem non vestitum veste nuptiali. Esta parte é própria de Mateus. É o rei [basileos] que entra na sala do banquete para ver os deitados à mesa e descobre um dos participantes sem a veste de bodas [veste nuptiali do latim]. A palavra endyma significa a roupa externa. Não se exigia um vestido especial para as bodas; bastava que estivesse limpo. Será que como mendigo não trocou suas vestes sujas e pensou que era suficiente assim mesmo para entrar na sala e participar do banquete? Nesse caso teremos um dos maus convivas que não quer mudar de atitude e consequentemente continua a ser mau? É uma suposição, porque a parábola nada diz a respeito. Só temos uma resposta apropriada nas cartas de Paulo, especialmente na escrita aos colossenses: Revestistes-vos [endysamenoi] do novo homem que se refaz para o conhecimento e a imagem de quem o criou (Cl 3, 10). E a continuação explica qual deve ser esse revestimento: Revesti-vos [endysasthe], pois, como eleitos [ekletoi] de Deus, consagrados e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência. Diante das explicações dos biblistas, nem sempre afortunadas, preferimos deixar a palavra hermenêutica a Paulo, que é a palavra do mesmo Espírito que dirige toda a Escritura. Temos escrito em negrito as palavras correspondentes à eleição e ao vestido novo que têm exatamente a mesma raiz que as do grego da parábola que estamos explicando. Só temos uma outra passagem em Apocalipse 19, 8 em que a esposa do cordeiro ao realizar as núpcias foi-lhe dado vestir-se de linho finíssimo resplandecente que são os atos de justiça dos santos. Evidentemente o vestido não é dos convivas, mas da esposa. Porém ela representa os santos ou consagrados e seu vestido representa os atos de honestidade [dikaiomata] que são as boas obras ou atos de probidade, de retidão.

AMIGO (12): Então diz-lhe: Companheiro, como entrastes aqui não tendo veste nupcial? Mas ele ficou calado (12). Et ait illi amice quomodo huc intrasti non habens vestem nuptialem at ille obmutuit. COMPANHEIRO: A palavra usada é Etaire, a mesma que usou Jesus quando recebeu o beijo de Judas no Getsêmani (Mt 26, 50). Era a palavra com a qual um general se dirigia aos seus subordinados: camarada, companheiro, sócio, colega mais do que amigo. Num sentido mais íntimo e restrito seria amigo. Como entraste aqui sem veste nupcial? E ele ficou sem palavra.

OS SERVIDORES (13): Então disse o rei aos serventes: Tendo amarrado seus pés e mãos, agarrai-o e lançai na escuridão de fora. Lá será o choro e o ranger dos dentes (13). Tunc dixit rex ministris ligatis pedibus eius et manibus mittite eum in tenebras exteriores ibi erit fletus et stridor dentium. SERVENTES: há uma diferença entre os servos ou escravos [douloi] que recrutam os novos convidados e os serventes [diakonoi] aos quais agora entrega o culpado, como se fosse um criminoso, atado de pés e mãos. Era assim que os prisioneiros entravam no xadrez. E manda que o joguem fora da sala do banquete. TREVAS, CHORO E RANGER DE DENTES. As trevas se compreendem, porque os banquetes se realizavam à noite e, saindo da sala, só se podia encontrar um mundo sem iluminação e consequentemente sem luz alguma. As trevas eram o reino do maligno (Lc 22, 35) e Jesus se apresenta como a luz que veio iluminar os gentios (Lc 1, 79), luz que servirá como base do julgamento (Jo 3, 19), porque sendo as obras dos homens más, as trevas foram mais amadas do que a luz. O choro e o ranger de dentes é próprio de Mateus, (6 vezes) e uma só em Lucas (13, 28). A frase está mal traduzida como choro e ranger de dentes quando devia ser: o choro e o ranger de dentes, como indicando uma situação bem conhecida dos leitores: esse choro e esse ranger que todos conhecem pelas Escrituras como castigo.  O choro e o ranger de dentes é uma frase típica que sai em boca de Jesus como castigo e que exige uma explicação. O choro é uma lamentação por um fato de consequências nefastas ou uma perda irreparável. O ranger de dentes, como vemos nos diversos textos do AT, significa uma grande animosidade. O objeto é o inimigo (Jó  16, 9), a causa é a raiva (Sl 112, 10) e a demonstração é o ranger de dentes, acompanhado pelo assobio, o insulto e a maldição (Lm 2, 16). Tanto o pranto como o ranger de dentes terão sua máxima manifestação na Geenna ou na fornalha de fogo, dos réprobos do além (Mt 13, 50 e Lc 13, 28). Assim o choro, ou lamento é a expressão de grande aflição; e o ranger de dentes indica a fúria e a raiva de uma grande animosidade.

A SENTENÇA (14): Porque muitos são chamados, poucos, porém, escolhidos (14).Multi autem sunt vocati pauci vero electi. Unicamente em três ocasiões temos kletoi [chamados] junto a ekletoi [escolhidos]: Mateus 20, 16 como conclusão de alguns manuscritos da parábola dos assalariados da vinha; Mt 22,14 no trecho de hoje; e finalmente em Ap 17, 14 chamados e escolhidos e fiéis que vencerão com o Senhor dos senhores e Rei dos céus. A diferença entre chamados e escolhidos é dada por Paulo: Ele foi chamado para o apostolado (Rm 1,1) e todos os romanos foram chamados de Jesus Cristo (Rm 1,6), dos quais Paulo dirá serem chamados segundo sua [de Deus] intenção (Rm 8, 28). Finalmente, no Apocalipse temos que vencerão junto com o Cordeiro os chamados e eleitos e fiéis.  Como vemos, a noção de eleitos está unido à fidelidade. Como explicamos  no texto, no parágrafo da Veste Nupcial, o conhecimento do Verdadeiro Deus como Criador, é o primeiro vestido do novo homem e como virtudes essenciais a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão e a paciência. Todas elas não precisam de grande fortaleza e de excelsas determinações, mas estão magnificamente acompanhadas desse espírito de pobreza que é necessário para entrar no Reino.

PISTAS: 1) Há duas partes na parábola, que devemos distinguir e diferenciar, para entendê-la melhor: a primeira é sobre a rejeição dos judeus, especialmente de seus dirigentes, que ainda perdura, como referência atual [o holocausto] de que as palavras de Jesus têm força total: Nenhum dos convivas provará meu jantar (Lc 13, 24).

2a) A segunda: No reino haverá sempre pessoas indignas, a mistura do joio com o trigo do capítulo 13 de Mateus. Nem todos terão a veste limpa que era exigida nas bodas, que significa que a bondade deve ser a marca dos convivas novos, como também é a marca de Deus. Pois essa bondade divina nos atinge não só como um exemplo a imitar, mas também como um mandato a cumprir. Por isso dirá Jesus: sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36).

3) Talvez, a melhor explicação sobre a veste nupcial seja a dada por Paulo em 1 Cor 6, 9 sobre os herdeiros do reino, aqueles que entraram, mas não podem permanecer no mesmo: Nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pederastas, nem os ladrões, nem os gananciosos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os rapaces herdarão o reino de Deus.

4) Outra passagem que não podemos esquecer é a que vimos anteriormente sobre os eleitos do Cordeiro. O amor está como motor último dessas virtudes que alguns chamam passivas, mas que exigem uma fortaleza inusitada. Com elas imitamos a Deus rico em misericórdia (Ef 2, 4) e o Verbo que, sendo rico, se despojou da glória de sua divindade, mostrando a humilde condição humana; e humilhou-se, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz (Fp 2, 6-8).

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