Comentário Exegético – Solenidade da Imaculada Conceição

Por Pe. Ignácio, dos padres escolápios

INTRODUÇÃO: É lícito e plausível louvar o Senhor por suas obras. Salmos e profetas têm suas páginas impregnadas de semelhantes doxologias. E qual é a obra ápice para tal elogio? Sem dúvida, Jesus, o homem em que se encarnou o Verbo de Deus (Lc 1, 42). E como em toda tradição humana, será a mãe desse Jesus a que mereçe o máximo louvor após o dado ao Filho. Bendita és tu entre as mulheres (Lc 1, 42).   Mas a razão dessa bênção será a dada pela mulher desconhecida do povo: Bendito o ventre que te gerou e os peitos que te alimentaram (Lc 11, 27). A correção de Jesus [antes bemaventurados os que ouvem a palavra de Deus e a praticam] que muitos evangélicos usam para denegrir os católicos que veneram Maria, não serve: Ela gerou antes em sua mente aquele que procriou no seu ventre (S. Agostinho). E a bênção definitiva de Jesus sobre os que cumprem a vontade do Pai, serve perfeitamente para Maria, que entregou sua liberdade [escrava do Senhor] para que a liberdade divina encontrasse o caminho completamente livre para cumprir seus desígnios em sua escrava (Lc 1, 28). Ela era a kecharitomene [literalmente, superfavorecida] já antes de dar a resposta. E que significa esse favor extremo e abundante do Senhor? De ordem espiritual devia ser segundo o que Jesus replica à mulher que louvou sua mãe em termos materiais. E o melhor dom a receber por uma criatura é a santidade, própria de Deus. Santidade que significa total ausência de pecado. Daí que Imaculada seja o título com o qual ela se declara como aparição à pequena Bernardete. E dessa eleição [epeblepsen=abaixou seu olhar] da insignificância de sua escrava resultam todos os privilégios [não seria do contrário superfavorecida] marianos. Comecemos por sua Conceição.

MARIA EM SUA CONCEIÇÃO: Em seu magnífico livro, conjunto de uma série de artigos sobre Maria, Vittorio Messori afirma que existe uma diferença entre a Imaculada Conceição dos católicos romanos e a Conceição Imaculada dos católicos ortodoxos. A primeira foi definida por Pio IX aos 8 de dezembro de 1854, na Bula Ineffabilis Deus. Assim o Papa se expressou: Em honra da santa e indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bemaventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis. Como vemos, o principal objetivo da bula papal é o pecado original. E sobre essa conceição, se afirma que foi sem pecado. Daí o título Imaculada Conceição, confirmado sobrenaturalmente pela aparição em Lourdes no dia 25 de março de 1858. Em dialeto local do Bearne, parecido com o aragonês pirenaico, que ainda se conserva nos pés da estátua da gruta, é: Que soy era Immaculada Councepçiou. Já os orientais falam de Conceição Imaculada, não da Virgem, mas de Jesus, embora admitem em Nossa Senhora ausência de pecado e por isso é chamada panagia [toda santa]. Nos ícones de Maria, esta é pintada com três estrelas que significam Virgem antes do parto, Virgem no parto e Virgem depois do parto.

MARIA COMO MÃE DE JESUS: Caro Iesu, caro est etiam Mariae: Essa era a clássica fórmula antiga: a carne de Jesus é também carne de Maria. Hoje, após o que sabemos de biologia podemos trocar por esta outra afirmação: Caro Mariae est etiam caro Jesu, especialmente podemos afirmar que no primeiro momento da vida de Jesus sua carne era totalmente mariana. Logo, em Jesus vemos a mãe, e, na mãe, vemos Jesus.

MARIA COMO MÃE DOS CRISTÃOS: Podemos afirmar que é totalmente certa aquela afirmação de um sacerdote que, numa locução interna, escutou esta verdade: Não pode ser chamado irmão de Jesus quem não aceita Maria como Mãe. Os evangélicos gostam de se chamar irmãos. Irmãos, logicamente através de Jesus, que chama seus discípulos de irmãos (Mt 12, 48-49). A frase estava dirigida especialmente aos sacerdotes que são os irmãos preferidos de Jesus, como era o discípulo amado a quem deixa como mãe Nossa Senhora ao pé da cruz. Se christianus alter Christus, o sacerdote é o próprio Cristo no momento da consagração, porque não diz este é o corpo de Cristo, como dirá no momento da comunhão, mas isto é meu corpo. E é esse sacramento que o torna especialmente sacerdote.

MARIA ASSOCIADA À PAIXÃO: A predição do velho Simeão: Uma espada te atravessará o coração (Lc 2, 35). E, efetivamente, Maria, ao pé da cruz, teve sua paixão associada à paixão de seu Filho. Se como diz Paulo, ele próprio membro do corpo de Cristo (1Cor 5, 15),  sofre pelos colossenses completando em sua carne o que falta às tribulações de Cristo por seu corpo, que é a Igreja, Maria sofreu com seu Filho e completou também em sua carne completando o mistério do sofrimento de seu Filho. Assim, podemos compreender a famosa oração de S. Brígida pelas almas do purgatório e pelos pecadores, quando contempla as chagas do corpo de Jesus e oferece ao Pai Eterno através das mãos imaculadas da Virgem Maria as dores, os sofrimentos e o sangue derramado de seu Filho na paixão. Com certa propriedade, podemos afirmar que Maria foi o primeiro sacerdote, imediatamente após seu Filho e exerceu esse sacerdócio ao pé da cruz.

MARIA ASSUNTA: Não tenho nada a acrescentar ao magnífico escrito de Vittorio Messori. Foi o primeiro dogma [verdade teológica] proclamado pelo povo e logo aclamado solene e finalmente pelo Papa em nome do sensus fidei universal em 15 de agosto de 1950. Certamente era já comum antes do Concílio de Calcedônia (451) onde S Juvenal, bispo de Jerusalém, responde aos desejos do Imperador que queria ter o corpo de Maria, Mãe de Deus; falando que morreu na presença de todos os apóstolos, mas que sua tumba, aberta a pedido de S Tomás, foi encontrada vazia. O dogma é uma consequência de sua Conceição Imaculada: onde não existe pecado não podem existir as consequências do mesmo: a morte e a sua corrupção. Por isso, no lugar da morte se fala do Trânsito ou da Dormição de Maria. Porém, se antigamente predominava a ideia da vitória sobre a morte hoje é a glorificação de Maria em corpo e alma a que predomina na teologia e na veneração de Nossa Senhora.

PISTAS: 1) A veneração especial [hiperdulia] de Maria na Igreja Católica não é nem heresia, nem superstição, mas uma consequência desse olhar especial divino, dirigido a quem era e é sua escrava. Seguimos o exemplo do Altíssimo e as recomendações de sua profeta: bendita és tu entre as mulheres (Lc 1,42).

2) Pelo que respeita a sua intervenção mediadora, só temos que trasladar aos nossos tempos a sua mediação em Caná: Não têm mais vinho (Jo 3, 3). E Jesus, obediente, apesar de não ser sua hora, fez o milagre. Essa intervenção nas necessidades dos seus devotos tem sido uma constante na história da Igreja, como confirmação de que não esperamos numa vã realidade, numa inútil expectativa.

3) Podemos fazer nossas as palavras da Virgem de Guadalupe a seu mensageiro o índio Juan Diego: Não estou eu aqui que sou tua mãe? Não estás sob minha sombra e resguardo? Não estás nas dobras de meu manto, no cruzamento de meus braços?

EXEMPLO: É narrado por Vittorio Messori. É o relato de uma aparição que ainda mostra, como a de Guadalupe, a intervenção de Maria e desta vez como flor entre espinhos. O fato aconteceu em Bra, perto de Turim, Itália, no dia 29 de dezembro de 1336. Egídia Mathis, em estado avançado de gestação foi agredida por dois meliantes. Desesperada, ela se agarrou ao pilar onde estava desenhada a imagem da Virgem. Dela surgiu um relâmpago e uma luz que cegou os malfeitores. Fugidos estes, a Virgem consolou Egídia que no lugar teve um parto feliz. A mãe recolheu o filho no seu xale e se acolheu na casa mais próxima. O fato chamou a atenção dos vizinhos que foram visitar o pilar e ficaram maravilhados porque um espinheiro [abrunheiro, ou primus Espinosa] abundante no local, tinha florescido e suas rosas brancas enchiam o lugar num mês tão impróprio como dezembro. Até hoje esse espinheiro floresce no final de dezembro, a exceção de dois anos: 1887 e 1898. O florescimento, que normalmente dura 10 dias, está fora de época, pois normalmente é em fevereiro em todos os casos. Os cientistas não explicam como um arbusto normal, numa terra comum, pode fazer isso dois meses antes de sua floração normal. É para declarar que Maria é uma exceção da regra comum entre as mulheres? Não é que Maria deseja ser amada como Mãe, protegendo as mães, pois in flore Mater?

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