Comentário Exegético – IV Domingo do Advento (Ano B)

EPÍSTOLA (Rm 16, 25-27)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

O MISTÉRIO: Ao que pode, pois, vos consolidar segundo o meu evangelho e o anúncio de Jesus Cristo, segundo a revelação do mistério silenciado em tempos eternos (25). Ei autem qui potens est vos confirmare iuxta evangelium meum et praedicationem Iesu Christi secundum revelationem mysterii temporibus aeternis taciti. O trecho de hoje forma parte da chamada doxologia final da carta aos romanos. É um verdadeiro hino solene, dedicado à onipotência e sabedoria divinas em ordem à nossa  salvação. Dentro do louvor próprio da doxologia, encontramos uma série de proposições dogmáticas, dignas de consideração. Dirigida a Deus a quem atribui o poder de CONSOLIDAR[stërizö<4741>=confirmare] estabelecer, assentar, tornar seguro,  que neste versículo tem o mesmo significado que o dado às palavras de Jesus a Pedro na última cena: Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos. (Lc 22, 32). Este é precisamente o significado mais apropriado do dito verbo stërizö. Paulo apela àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera (Ef 3, 20). MEU EVANGELHO: característica de toda a epístola é a exposição da obra de salvação, revelada na Boa Nova do Evangelho (Rm 1, 16-17), fundada na fé de Jesus Cristo. Esse evangelho que será a base do julgamento final como escreve na mesma epístola em 2, 16: No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho. Em que se diferencia o evangelho de Paulo? Vê-lo-emos no seguinte parágrafo, ao tratar da revelação do mesmo. REVELAÇÃO: [apocalypsis<602>= revelatio]. Esta manifestação do que Paulo chama MISTÉRIO [mystërion <3466>=mysterium] tem duas partes: 1ª) Geral: como mistério de Cristo, que explica em Ef 3, 9, como a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo que noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas (Ef 3, 5). É, pois, a relevância de Cristo que é princípio e fim do Universo, Alfa e Omega (Ap 21, 6). 2ª) Particular: A saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho (Ef 3,6). Este anúncio foi encomendado a Paulo; e dele, ele tomou conta como seu evangelho particular: Do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder (Ef 3,7). Daí que ele, Paulo, pode chamar a esse seu ministério de meu evangelho, especialmente quando se dirige aos romanos, em grande parte ou todo, saídos da gentilidade, por causa agora do decreto de Cláudio que expulsou os judeus de Roma. SILENCIADO [sesigmënon<4601>=tacitum] como particípio passivo do verbo sigaö, com o significado de ser silenciado (Lc 18, 39), e, portanto, estar oculto em TEMPOS ETERNOS [chronois aiöviois<166>=temporibos eternis] O aiönios que é sem fim, aqui é usado como sem princípio, sendo o aiönios um adjetivo de aiön <165>, derivado de aei<104> [= sempre], embora aiön propriamente signifique uma era ou período, especialmente o messiânico. Por extensão, perpetuidade que pode ser passada ou futura (sem princípio, nem fim),  ou desde o início do mundo  e ou sem fim. Neste caso desde os tempos em que o tempo se iniciou. Como eterno [o eternal e everlasting inglês] aparece 67 vezes no NT das quais 23 nos evangelhos; como tempo desde a fundação do mundo 3 vezes: uma delas esta, outra em 2 Tm 1, 9, e a outra em Tt 1, 2, sempre acompanhado do plural chronoi<5550>= tempos, que o latim traduz por tempora saecularia. Traduziríamos desde sempre até agora.

A REVELAÇÃO: Porém revelado agora também por meio dos escritos proféticos, segundo o mandato do eterno Deus para obediência de fé, conhecido por todas as nações (26). Quod nunc patefactum est per scripturas prophetarum secundum praeceptum aeterni Dei ad oboeditionem fidei in cunctis gentibus cognito.Revelado AGORA [nyn<3568>=nunc] é o que diz em 2Tm 1,10: porque nos salvou  não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos; o que é manifesto agora pela aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte, e trouxe à luz, a vida e a incorrupção pelo evangelho.Por meio dos ESCRITOS PROFÉTICOS [grafön <1124> profëtikön<4397>=scripturas prophetarum]. Pois, segundo 1 Pd 1, 20, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós. A que escritos proféticos se refere Paulo? Evidentemente devem ser escritos do NT, pois o mistério era desconhecido até agora e é agora que é conhecido pelos escritos proféticos. A carta aos romanos foi escrita entre os anos 56-58 e o primeiro evangelho (Marcos) antes do de Mateus cuja data mais antiga é 58. Logo temos uma indicação de que dois dos evangelhos foram escritos antes da epístola aos romanos, pois de outro modo que escritos proféticos seriam esses que Paulo não determina? Ou talvez Paulo fale de si mesmo como vemos em Tt 1, 3: A seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador. Porém aqui é pregação [kërigma] e não escritos [grafoi]. Logo devemos admitir que antes desta carta paulina houve pelo menos dois escritos que revelaram esse propósito de Deus, escondido desde a fundação do mundo, descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo (Ef 1, 9). OBEDIÊNCIA DA FÉ [ypakoë <5218> pisteös<4102>=oboeditio fidei]. Em At 6, 7 lemos a este propósito: Crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número dos discípulos, e grande parte dos sacerdotes obedecia à fé. É uma ideia que Paulo tinha manifestado em versículos anteriores: Quanto à vossa obediência à fé, é ela conhecida de todos. Comprazo-me, pois, em vós; e quero que sejais sábios no bem, mas simples no mal  (Rm 16, 19). É a mesma obediência que Pedro chama deobediência à verdade (1 Pd 1, 22). Por isso ele, Paulo, recebeu o apostolado para a obediência da fé entre todas as gentes (Rm 1, 5). Evidentemente essa obediência significa uma submissão do entendimento e da vontade a uma verdade que não é evidente, mas que tem uma base razoável. Como diria Jesus, se não credes em mim, crede nas obras; para que conheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu nEle (Jo 10, 38). Por isso, essa obediência é abençoada no evangelho de João:Bemaventurados os que não viram e creram (Jo 20, 19). Graças à pregação de Paulo esse mistério foi conhecido por todas as etnias. Logicamente Paulo fala das diversas nações que constituíam aoikoumene ou terra conhecida como sujeita ao império romano.

DOXOLOGIA FINAL: A(o) Deus únicosábio por meio de Jesus Cristo ao qual a glória para os séculos. Amém (27). Solo sapienti Deo per Iesum Christum cui honor in saecula saeculorum amen.ÚNICO [monö<3441>=solo] corresponde ao início do Shemah e é a translação do ehad<0259>=eis,unus [uno ou único] (Dt 6,4). Para Paulo, como para todo judeu, os deuses pagãos eram nada. Na reza cantarolada do Shemah todo judeu repetia Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o únicoSENHOR (Dt 6, 4), que anteriormente tinham aprendido em 4, 39: Hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o SENHOR é Deus, em cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há. Verdade que Isaías proclama em 44, 8: Porventura há outro Deus fora de mim? Não, não há outra Rocha que eu conheço. A doutrina de Paulo é neste ponto indiscutível, ao tratar dos ídolos: quanto ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só (1 Cor 8, 4). Daí seu desprezo por eles em 1 Cor 10, 19: Que digo? Que o ídolo é alguma coisa? Ou que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Como SÁBIO [sofos<4680>=sapiens] com o significado de inteligente, talentoso, douto, culto, instruído; e tratando-se de Deus, sábio que conhece tudo como  também aparece em Jd 1, 25: Único Deus sábio, Salvador nosso. De quem Paulo também diz em 1 Cor 1, 25: Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. A esse Deus, Paulo dedica sua doxologia em várias passagens de suas catas: Ao rei eterno, ao Deus único, imortal e invisível, sejam dadas honra e glória para sempre. Amem (1 Tm 1, 17). POR MEIO DE JESUS CRISTO: Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem (1 Tm 2, 5). E em 1 Cor 8, 6: Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele. E Paulo termina como Judas sua epístola: Ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora, e para todo o sempre. Amém (Jd 1, 25).


EVANGELHO (Lc 1, 26-38)

MARIA  NA ANUNCIAÇÃO

(Padre Ignácio, dos padres escolápios)

O ENVIO: Todavia no mês sexto foi enviado o anjo Gabriel da parte de Deus a uma cidade da Galileia. O nome Nazaret (26). In mense autem sexto missus est angelus Gabrihel a Deo in civitatem Galilaeae cui nomen NazarethSEXTO MÊS: Evidentemente era o sexto mês depois que o anjo anunciou o nascimento de João ao seu pai Zacarias (1, 11); e portanto, do momento em que Isabel ficou embaraçada. Este início abre um novo episódio e o relaciona com o anterior. O mesmo mensageiro [aggelos] de nome Gabriel [=homem de Deus] foi enviado por Deus [apo tou Theou= da parte do Deus (único)], sendo a origem do trono de Deus, ou seja, não era um homem mas o que nós hoje chamamos de anjo, um ser sobrenatural que recebe uma missão, um anúncio especial a uma pessoa especial. Este mensageiro se define a si mesmo como sendo Gabriel (1, 19) o mesmo que se apresenta a Daniel na hora da oferenda vespertina para explicar as setenta semanas (Dn 9, 21). Ele é um dos três anjos que aparecem com nome próprio no AT, sendo os outros Miguel (Dn 10, 13) e Rafael (Tb 3, 17). A literatura judaica nos oferece outros quatro nomes: Sariel, Uriel, Penuel e Baraquiel. Como vemos, todos terminam em El que significa Deus. Estes são os sete anjos que estão ao serviço de Deus e têm acesso ao Senhor da glória (Tb 12, 15 e em Ap 8, 2). Os nomes usam o El, antigo Deus cananeu que logo se transformou em Elohim, plural [deuses], precedido por Jahweh  [vivo ou que vive]. Unindo os dois, talvez possamos traduzir por o vivente entre os deuses, ou o Deus vivo.GABRIEL, segundo as últimas investigações não significaria homem de Deus (uma contradição), masDeus és meu guerreiro. Não podemos esquecer que Jahweh é o Deus dos exércitos. Gabriel foi enviado como mensageiro a uma CIDADE [polis] a palavra derivada de polys [numeroso]. A polis era um espaço residência dos cidadãos e dela se deriva polismátion [aldeia]. NAZARÉ ou Nazária [verdejante, ou brote] era, segundo uma descoberta de 1962, uma residência da classe ou turno décimo oitavo [Hapisés] (ver 1 Cr 24, 14) de sacerdotes. Relembra o parentesco de Maria com Isabel e o casamento com José, pois só entre tribos de Judá e Levi se admitiam os matrimônios. A aldeia pertencia à região da GALILEIA [significa circuito ou distrito]. A Galileia compreendia as tribos de Issacar, Zabulon, Aser e Neftali. Originariamente o nome foi dado a um pequeno circuito de 20 cidades que Salomão deu ao rei Hiram,  que este devia receber como pagamento por ter oferecido madeira de cedro. Hiram não gostou, e Salomão teve que dar a ele vinte talentos de ouro (1 Rs 9, 11-14). Mais tarde o nome foi estendido a toda a região do norte.

A uma virgem prometida a um varão, de nome Josef da casa de Davi; e o nome da virgem Mariam (27). Ad virginem desponsatam viro cui nomen erat Ioseph de domo David et nomen virginis Maria. VIRGEM: A palavra grega não tem outro sentido a não ser mulher que ainda não teve relações com um varão. Se queremos uma mulher adolescente como é alma em hebraico, usaríamos em gregopais, ou melhor, paidiskeDESPOSADA: O grego de Lucas usa memneusteumene, segundo alguns códices, ou emneusteumene, particípio passivo do aoristo [passado] do verbo mnesteuö que significa desposar ou ser pedida ou prometida em matrimônio. Como particípio passivo o traduziremos como estar declarada desposada ou noiva formal. Parece reproduzir ao pé da letra o texto de Dt 22, 23 que fala da pais parthenos mnesteumene [ jovem virgem desposada]. Da mesma raiz se deriva oMnester ou noivo. O mesmo verbo é usado por Mateus em 1, 18. Segundo o próprio Mateus o fato de Maria estar grávida e de José descobrir a gravidez de Maria, se deu antes de coabitarem. Precisamente levar a desposada para a casa do pai ou do marido era a base do matrimônio. A mulher passava de mneneusteumene a  giné, mulher. Para entender isto devemos entrar nos costumes judaicos da época de Jesus. O matrimônio era um contrato entre famílias. Contrato que se assemelhava a uma compra. A mulher era praticamente uma escrava, vendida pelo preço de um dote. Esse contrato em hebraico era o Ketubbá [=escrito] que estabelece obrigações, assim como uma penalidade monetária no caso de divórcio. Também era de natureza moral, pois seguia-se uma espécie de juramento: Trabalharei por você, Honra-la-ei  e manterei, segundo o costume dos maridos judeus que, em verdade, trabalham por suas esposas, as honram, sustentam e mantêm. Uma mulher virgem valia 200 denários ou 200 dias de trabalho e uma viúva uma mina, ou seja, a metade aproximadamente. Uma mulher que tinha o Ketubbá dos esponsais era considerada esposa para todos os efeitos legais. Por exemplo, o sumo sacerdote não podia casar com uma viúva (Lv 21, 14) e a Mishná afirma que essa viúva é tanto a viúva após o casamento como a viúva tão só após os esponsais. Para um novo matrimônio a viúva deve esperar três meses (tempo suficiente para saber se está grávida) já estejam casadas, divorciadas ou prometidas em esponsais, porque o noivo, na Judeia, tem intimidade com ela. Com isto fica provado que a prometida por meio da Ketubbá era praticamente uma esposa. Segundo os costumes da época entre os esponsais e o matrimônio propriamente dito devia passar meio ano. A mulher virgem a casar pela primeira vez teria na época 12 anos e meio. O grego usa o gameö para indicar matrimônio, e gametë [esposa]. Embora no NT a palavra usada égynë [mulher] com o duplo significado de fêmea humana e de esposa. Usa também o NT a palavranymfë, jovem núbil, também com o significado de nora (Mt 10, 35). Parece claro que Maria estava unicamente prometida com a correspondente Ketubbá. Lucas usa a mesma raiz só que no tempo perfeito mnesteumenë. Nas línguas modernas é difícil distinguir entre os dois tempos, aoristo e passado. Esta hipótese é realçada pelo mesmo evangelista quando afirma: antes de que coabitassem ou convivessem. Os judeus distinguiam entre compromisso matrimonial erusin [sponsalia em latim] que era um contrato comercial em que se concertava o dote ou mohar que devia ser pago aos parentes da noiva, como foi o caso de Jacó que pagou pelo casamento de Lia e Raquel (Gn 29, 15-30). Quando a esposa era rejeitada porque o marido não cumpriu o compromisso, o mohar devia ser devolvido com uma penalidade monetária alta. Tudo isso pesava na consciência e nos planos, por não dizer no bolso, de José, pois devia pagar o dobro do acordado, que acostumava ser um ano de trabalho (ver como amostra Gn 29). Daí sua hesitação. O matrimônio propriamente dito, era o nissuin, quando o marido levava a desposada no meio da noite num cortejo em que tinha como companhia as virgens locais. Neste caso passava a depender totalmente do novo dono: o marido. JOSÉ: Josef é o diminutivo teofórico de Yosip-yah [O senhor acrescente [mais filhos aos nascidos], nome que nasce com Gn 30, 24. Raquel concebeu e chamou o filho de José dizendo: que Jahweh me dê outro. José era descendente de Davi e Maria provavelmente de Aarão como explicamos no artigo anterior. A ascendência de José é narrada tanto por Mateus (1, 1-17) como por Lucas (3, 23-38), sendo mais documentos jurídicos que históricos. Com a ascendência davídica temos uma base para afirmar que Jesus era filho de Davi, seu pai (Lc 1, 32). MARIA: Miryam em hebraico, o mesmo nome que a irmã de Moisés (Êx 15, 20), que os Setenta traduzem por Mariam, nome com o que é nomeada expressamente a mãe de Jesus nos evangelhos, enquanto as outras mulheres com o mesmo nome, recebem o nome grego de Maria, que a Vulgata traduz como Maria, nome que tem sido aceito pelo português e espanhol. O nome, pois, de Nossa Senhora era o mesmo que o da irmã de Moisés. Alguns preferem o significado de rebelião [autores evangélicos principalmente], outros o derivam de um termo cananeu cujo significado é altura, cume. Relacionado com o nome de mulher significa excelência.

A SAUDAÇÃO: E entrando o anjo a ela disse: Alegra-te, superfavorecida, O Senhor contigo. [Bendita tu entre as mulheres] (28) Et ingressus angelus ad eam dixit have gratia plena Dominus tecum benedicta tu in mulieribus. ENTRANDO: O grego indica claramente que a visão do anjo foi dentro da casa onde Maria morava. Nada diz o evangelista sobre a aparência do anjo, mas de outras descrições podemos imaginar que a figura do anjo era como a de um jovem com vestes e rosto esplendorosos ao modo como viram as mulheres, ou como viu Maria, a Madalena, os anjos no sepulcro. Talvez com menos resplendor, porque logicamente no sepulcro, na penumbra do mesmo, esse fulgor sobrenatural era necessário e não seria indispensável nessas circunstâncias. As visões de Abraão em Mambré de Gn cap 18 podem ser um exemplo de como foi a aparição de Gabriel a Maria. Estava ela no gineceu como era costume com as mulheres na época, ou seja, no mais íntimo e interior da habitação, separada do resto do que constituía a casa humilde da época, por uma cortina? Podemos imaginar que sim; e daí, parte do susto de Maria ao qual o anjo deve opor o seu não temas (30). CHAIRE:ch, segundo a transcrição adotada geralmente, é o mesmo que o jota espanhol ou o h inglês. A saudação é um pouco esquisita. O normal seria paz [eirene em grego e shalom em hebraico]. O chaire é a saudação comum entre os gregos. Eles desejavam alegria. Os latinos saúde [salve ou ave]. Os judeusshalom [paz]. Maria assim o entendeu pensando que poderia significar essa saudação [precisamente derivado de saúde, tradução do salve latino]. Pois a saudação em latim é salve [saúde] ou ave [Deus te guarde] das quais temos em português as palavras salve [salve rainha] e ave [ave Maria], sendo que saudação é a palavra derivada do salve. Hoje tanto salve como ave perderam o significado primário e só têm um significado de pura saudação; e especialmente dirigidas a Maria, são um preito de respeito e veneração. O Chaire é mais do que uma saudação, é o início de uma grande nova, de uma alegria que tem como base a notícia messiânica, como anuncia o anjo aos pastores: uma alegria enorme [Lc 2, 10]. Com o chaire Gabriel pode iniciar o seu anúncio. KECHARITOMENE: O anjo chama a Maria KECHARITOMENE, palavra que substitui, segundo os entendidos, o nome próprio. De modo que na saudação, no lugar de alegra-te, MARIA, o anjo diz: alegra-te, SUPERFAVORECIDA. A palavra é um epíteto, aposição ao nome próprio. O anjo escolhe um novo nome para Maria em relação com sua missão futura, ao modo como Jesus muda o nome de Simão pelo de Kefas.[=rocha]  Um exemplo no AT está em Jz 6,12 quando o  anjo anuncia a Gedeão: O senhor está contigo [Kyrios meta sou] VALENTE GUERREIRO [dynatos te ische, poderoso em força, ou ischirós ton dynameonforte em poderes], equivalente a Fortíssimo, superlativo que não existe  nas línguas semíticas. Por isso a tradução de kecharitomene seria super favorecida. As bíblias evangélicas preferem muito favorecida. As  católicas cheia de graça, do latim plena gratiae, no sentido, não de expressar qualidades de Maria, mas de que Deus gratuitamente [e esse é o sentido de charis, graça] lhe adorna. É lógico que sendo a mensagem de salvação, essa mercê divina esteja destinada a essa salvação. Maria é a mulher que aos olhos de Deus achou benevolência em grau sumo (30). Daí podemos concluir que ela é a mais favorecida de todas as criaturas, e com isso se abre uma porta aos extraordinários dons de que foi ornada. A Igreja católica fundamenta aqui alguns dos dogmas marianos: Amaternidade especial de Maria como virgem  e mãe de Jesus já a favorece; porém a mancha do pecado a tornaria diante dos olhos divinos igual a todos os demais seres humanos. Quem é minha mãe e meus irmãos?- dirá Jesus (Mc 3,33). E ele antepõe o laço do discipulado ao  familiar da carne. Neste sentido de que a salvação dada por Jesus tem prioridade, Maria devia ter essa salvação ou justificação como nenhuma criatura. E a salvação é dos pecados (Mt 1, 21). Por isso a Igreja a declara limpa de todo pecado, devido aos méritos de Cristo, ou seja, IMACULADAO KYRIOS META SOU: É a tradução de Deus contigo, como vemos no lugar paralelo de Jz 6, 12 do Jahweh imeka pelos Setenta. É uma fórmula declarativa, como dizendo: Venho a ti que estás com Deus neste momento de tua vida e que esse Deus pensa em ti para grandes obras. Maria se perturba ou fica intranquila [intrigada diz a bíblia de Jerusalém], perguntando-se sobre o significado de semelhante cumprimento ou saudação. A Vulgata acrescenta bendita tu entre as mulheres que não está nos textos gregos.

ACHASTE GRAÇA: Ela, pois, como visse, perturbou-se por esta palavra e considerava qual era essa saudação (29). Então lhe disse  anjo: Não temas Mariam porque achaste graça diante de Deus (30). Quae cum vidisset turbata est in sermone eius et cogitabat qualis esset ista salutatio. Et ait angelus ei ne timeas Maria invenisti enim gratiam apud Deum. NÃO TEMAS, MARIA: Agora o anjo acalma seus possíveis temores e usa o nome da mulher que antes substituiu pela aposição de um atributo essencial. E o anjo explica a razão da tranquilidade que deve preencher sua alma: encontraste graça [charis] da parte do Deus [único]. Que significa essa graça como traduzem tanto evangélicos como católicos? Graça é a boa vontade por parte de Deus, princípio dos favores que em sua vida encontrará como presentes e dádivas de um Deus extremamente rico e amoroso.ENCONTRASTE GRAÇA: É a explicação do Kecharitomene. Poderíamos traduzir com menos margem de erro Deus te outorgou seu favor. Estás sob a sua proteção e Ele está disposto a conceder-te tudo o que peças e necessites. Em Gn 6, 8 Noé encontrou graça [hen <02580>hebraico echaris<5485>grego] aos olhos de DeusNoe vero invenit gratiam coram Domino traduz a Vulgata exatamente como neste caso: Inveniste gratiam apud Deum. No caso de Noé a salvação se deu do dilúvio. E por isso fez dele uma exceção, salvando-o do desastre total que atingiu o resto da humanidade. No caso de Maria, a salvação foi do pecado, especialmente do original. Charis é um termo totalmente usado por Lucas e ausente em Marcos e Mateus.

CONCEBERÁS: Eis que conceberás em teu ventre e darás à luz um filho e chamarás pelo nome de Jesus (31). Ecce concipies in utero et paries filium et vocabis nomen eius Iesum. EXPLICAÇÃO: O grande favor é a maternidade de Maria que o anjo prediz mais do que oferece. A frase é uma cópia de Gn 16, 11: Disse-lhe ainda o anjo: Concebeste e darás à luz um filho, a quem chamarás Ismael, que a Vulgata traduz literalmente: Ecce concepiste et paries filium, vocabisque nomem ejus Ismael. Neste versículo (31) o grego do evangelho de Lucas, só modifica uma palavra: no lugar de écheis(terás) [que o hebraico diz concebeste em passado e que a Vulgata conserva, não assim os setenta] usa syllempse em futuro, que significa em raiz, receber [receberás ou vais receber em teu ventre seria a tradução mais correta].  Vemos neste detalhe um significado muito especial: não há concebido nem conceberá, mas receberá um filho. Por outra parte o TEXEI [futuro de tiktö, que numa mulher significa dar à luz] é normal se referindo a uma mulher. Falta falar sobre o nome que neste caso é Jesus. O nome em hebraico era Yehoshuah, o mesmo que Josué. Trata-se de um nome teofórico, cujo primeiro elemento é Yahu (= Yahweh); e o segundo o imperativo do verbo Shu (=ajudar). O verdadeiro significado seria Senhor, ajuda-me, como grito de uma mãe no parto. Com o tempo,Yehoshuah foi abreviado em Yesuah ( Esd 2, 6), no grego Iêsué, nesta nova forma, derivada de uma raiz que significa salvar. Esta etimologia popular é a que Mateus usa para afirmar que ele salvará seu povo dos seus pecados (Mt 1, 21). Os exegetas dizem que a verdadeira raiz é ajudar.

O MESSIAS: Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo e lhe dará (o) Senhor o Deus o trono de Davi, o seu pai (32)Hic erit magnus et Filius Altissimi vocabitur et dabit illi Dominus Deus sedem David patris eius. MÉGAS: Este será grande. O Megas [grande] sem adjetivo, significa eminente, excelente, e devemos compará-lo com Lc 1, 15 sobre a grandeza de João o Batista, queseria grande diante do Senhor. Em Jesus, a grandeza não tem comparação: isso o equipara com Deus. Nos escritos de Qumrã temos o oposto a Jesus, falando de um rei: será grande sobre a terra. A grandeza absoluta está ligada ao poder e excelência de Deus. O adjetivo grande [megas] sempre vai unido a um nome ou uma explicação: grande no reino dos céus (Mt 5, 19); grande Rei (Mt 5, 35); grande diante do Senhor (Lc 1,15); grande profeta (Lc 7, 16). Nunca se diz unicamente será grande, que podemos traduzir por será o absoluto em grandeza, uma grandeza sem comparação. Essa grandeza da qual fala 1 Cr 16, 25: Grande [gadol=megasé o Senhor e mui digno de ser louvado. E como outro exemplo o salmo 48, 2: Grande é o Senhor [gadol Yahweh =megas Kyriose digno de louvor na cidade de nosso Deus, seu monte. Como não existe o superlativo nas línguas semitas o adjetivo só corresponde ao nosso superlativo: Jesus não têm comparação com homem nenhum.FILHO DO ALTÍSSIMO: Temos visto como o grego desta parte de Lucas é calcado no grego dos Setenta do AT. Por isso o Kai que precede ao Filho do Altíssimo será chamado, pode ser traduzido por portanto ou porque será verdadeiro Filho de Deus, pois ser chamado é uma maneira de dizer, em hebraico, o ser que não é usado como copulativo nessa língua. Em Qumrã encontramos a frase num fragmento: será chamado por seu nome. Aclamá-lo-ão como filho de Deus e o chamarão Filho do Altíssimo. O Altíssimo [hypsistos] era um título atribuído a Júpiter e a expressão Theós Hypsistos[Deus Altíssimo] não é rara nas inscrições greco-romanas. Os judeus davam a Jahweh o título de‘Elyôwn <5945> [mais alto, supremo, altíssimo] como em Sl 7, 18: ou 17: cantarei louvores ao nome do Senhor Altíssimo, cantabo nomini Domini altissimi [Yahweh Elion=Kyrios tou Hipsistou]. Os mesmos substantivos em grego e em hebraico aparecem em outras passagens dos salmos como 18, 13 [hebraico] ou 17, 14 na Setenta. TRONO DE DAVI: E o Senhor Deus [Kyrios ‘o Theós] dará a ele o trono de Davi, seu pai. No NT Senhor Deus só sai nos Atos (2, 39 e 3, 22) e no Apocalipse (1, 28; 22, 5 e 22, 26). Em todas elas a expressão grega Kyrios ‘o Theós é exatamente reproduzida. Nesta breve frase deveríamos colocar o verbo ser entre os dois substantivos: Senhor é Deus ou Senhor que éDeus. Que traduz o Yahweh Elohim do segundo capítulo do Gênese e que a Setenta traduz por ‘o Theos [2, 8] ou por Kyrios ‘o Theós [2, 15].  Sobre o trono de Davi devemos afirmar que esse trono era como propriedade de Yahweh e retirado o reino da casa de Saul, é estabelecido o trono de David (2 Sm 3, 10). Em 1 Rs 2, 45 esse trono se afirma estar firme na presença do Senhor para sempre, coisa que Isaías diz estar assentado e afirmado para sempre (9, 6). Jeremias dirá que desse trono haverá reis herdeiros do mesmo (22, 4). Por isso tudo vemos que as palavras do anjo se referem a um rei que é descendente de Davi.

O REINADO: reinará sobre a casa de Jacó para sempre e seu reino não terá fim (33). Et regnabit in domo Iacob in aeternum et regni eius non erit finis REINARÁ: Sobre a casa de Jacó. Não unicamente sobre Judá mas sobre todas as tribos de Israel ou Jacó. PARA SEMPRE [eis tous aionas, para os séculos ou gerações]; e seu reino não terá fim. Evidentemente o anjo alude ao rei messias. A frase é uma repetição da profecia de Daniel sobre o filho do Homem cujo império é um império eterno que jamais passará e seu reino jamais será destruído (Dn 7, 14). É o último reino que vencerá todas as eventualidades e instabilidade dos séculos.

COMO SUCEDERÁ: Mariam, porém, disse ao anjo: Como será isso, visto que não estou conhecendo varão? (34). Dixit autem Maria ad angelum quomodo fiet istud quoniam virum non cognosco. COMO SERÁ ISSO? Existe intervenção de Maria no diálogo: Como se fará isso, visto que não tenho relação com esposo algum? O texto fala de não conheço varão ou marido. Assim comoginé [mulher] é o mesmo que gameté [esposa], aner [homem] (Mt 1, 16) substitui nýmfios [esposo jovem] (Mt 9, 15) ou gametês [homem casado], porque Lucas usa aner e não anthropos, este não tendo mais significado que o de homem em geral, ou melhor um ser humano. O grego emprega arsenou arren [macho] e thêlys [fêmea] para distinguir os gêneros como em Gl 3, 28. Talvez Maria dissesse simplesmente não estou casada ainda. Os comentaristas católicos falam de um voto particular. Era um voto perpétuo, ou era um voto temporal como o de Nazireato (Nm 6,4)? Ou um recurso literário para que o anjo explicasse o modo extraordinário da concepção? Evidentemente, como introdução, o texto serve para iniciar o discurso angélico sobre a concepção virginal. Mas é lógico presumir que existia algum impedimento, pelo menos temporal, para uma concepção imediata, de quem, desposada com José,  ainda era virgem.  Se o parthenos [=virgem)] inicial do relato não fosse suficiente, e se o enmesteumene [desposada] suscitasse alguma dúvida, esta pergunta de Maria nos coloca frente a sua virgindade como fato que mais tarde se tornaria opção praticamente coerente e necessária, que tornaria sua ulterior virgindade uma lógica dedução natural. Por isso os gregos se dirigem a Maria como aei parthenos [=sempre virgem]. A virgindade de Maria foi sempre uma crença da Igreja, especialmente da Igreja Oriental, que no Ocidente levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem (número 249 do catecismo da Igreja Católica). O negrito é do autor. A Vetus Latina traduz quoniam virum non cognovi[porque não tive relações com um homem] indicando que a conceição seria imediata ou que estava pronta a se tornar nesse momento grávida. E pede uma explicação.

OBRA DE DEUS: E tendo respondido o anjo disse-lhe: Espírito divino descerá sobre ti e poder de Altíssimo te fará sombra; portanto também o gerado sagrado, será chamado Filho de Deus(35). Etrespondens angelus dixit ei Spiritus Sanctus superveniet in te et virtus Altissimi obumbrabit tibi ideoque et quod nascetur sanctum vocabitur Filius Dei O ESPÍRITO: Na realidade a tradução literal seria descerá sobre ti um espírito sagrado [sem artigos] ou seja um poder divino. A expressão Espírito Santo só aparece no NT 93 vezes das quais 25 nos evangelhos. Das 12 vezes que aparece em Lucas, somente três têm o artigo O, indicando nome próprio ou pessoa. As outras 9 estão sem artigo, e podem indicar um poder especial divino como a profecia (1, 41) ou uma ação especial divina como neste caso, sem implicar a 3a pessoa da Santíssima Trindade. Poderíamos traduzir: descerá dobre ti um poder da parte de Deus. E (o) PODER [dynamis] DO ALTÍSSIMO. Dynamis pode ser traduzido como força, energia,  poder, potência. Será, pois uma atuação poderosa de Deus, como criador, diante do qual nada é impossível como dirá Gabriel no final desta conversa, a que atuará diretamente sobre Maria para iniciar a gravidez.  COBRIR-TE-Á COM SUA SOMBRA. Evidentemente é uma referência à sombra da shekinaha nuvem que cobria a Tenda da Reunião e a glória de Yahweh enchia a habitação. Não é só a dynamis mas a presença do próprio Senhor da dynanis. Daí que a Igreja chame Maria de esposa do Espírito Santo, porque foi obra dele que Maria concebesse e assim substituisse o labor do homem no nascimento de Jesus. Assim o explica na última frase o anjo.SANTO, FILHO DE DEUS: A mensagem do anjo prossegue num crescente revelado, desde que seria mãe do Rei Messias [seu filho reinará para sempre] até a revelação final de que  sua concepção seria virginal, devida ao poder divino. Conceição virginal, não como privilégio mariano, mas como estrita lógica de o concebido ser um ser sagrado [‘agios] completamente diferente de qualquer outro ser humano, porque a paternidade desse filho procede de Deus. O Espírito Santo, que é classificado  como o poder divino, será a causa de que o nascido seja também realidade divina [será santo, melhor sagrado] e, portanto, chamado com razão verdadeiro Filho de Deus. Esta expressão adquire maior relevo se consideramos que o óvulo feminino só foi descoberto no final do século passado, e de que a crença comum e científica da época era de que a semente do novo ser gerado dentro de uma mulher, só dependia do varão, sendo o útero feminino o fértil campo em que essa semente era guardada e cultivada. Como exemplo em  Êx 1,16 e 22 o Faraó manda matar só os nascidos varões e deixa viver as filhas, porque estas não poderiam gerar descendentes hebreus. O filho nascido seria legalmente também Filho de Deus por ser a mulher considerada uma escrava, sem direitos civis, e realmente porque não se admitia por parte da mesma, papel essencial na geração, pois o descendente dependia unicamente da semente masculina. Daí que o versículo que estudamos, claramente indica, com a procedência, a sobrenaturalidade da origem de Jesus. Verdadeiramente era Filho de Deus. Hoje que sabemos do papel da mulher com seu óvulo, podemos dizer que nesse óvulo feminino o Espírito Santo fez o papel masculino de fecundá-lo. Daí que com maior razão podemos hoje afirmar que Maria é verdadeiramente mãe de Deus e que a primeira carne de Jesus foi totalmente Mariana. O antigo catecismo que não conhecia o óvulo feminino declarava: o Espírito Santo do puríssimo sangue de Maria formou um corpo. O corpo de Jesus era totalmente Mariano. Hoje a ciência admite uma partenogéneses sempre que o feto seja feminino, ou seja, deverá ter um genoma igual ao da mãe, sendo um clone da mesma. Até admite essa mesma ciência que em casos extraordinários o feto possa ser também masculino. A vida de Jesus, nosso Salvador se inicia, pois, num milagre feito dentro do corpo de Maria.

EXEMPLO DE ISABEL: E eis que Elisabet, tua consanguínea, também ela concebeu um filho, em sua velhice e este é o sexto mês para ela a chamada estéril (36). Et ecce Elisabeth cognata tua et ipsa concepit filium in senecta sua et hic mensis est sextus illi quae vocatur sterilis. Sempre que existe uma revelação extraordinária, Deus dá um sinal externo visível por todos e não unicamente pelo vidente, para confirmar as palavras ouvidas. Tal foi o caso de Moisés com a vara transformada em serpente e a mão no peito coberta de lepra (Êx 4,1-9). No nosso caso foi Isabel, já infértil [estéril] que agora tem um filho de seis meses no ventre por graça de Deus.

DEUS TUDO PODE: Porque não será impossível para Deus toda palavra (37). Quia non erit inpossibile apud Deum omne verbum. Quer dizer que o que ele anuncia deve cumprir-se necessariamente. Palavra [rëma<4487>=verbum] é diferente de Logos. Rëma é um mandato, uma decisão, um oráculo ou promessa, e até um fato. Aqui devemos entender um compromisso, ou palavra dada. RËMA é a tradução grega do Dabar como em Gn 18, 14: Haveria coisa alguma difícil ao SENHOR? Em boa lógica poderíamos traduzir porque não será impossível para Deus qualquer coisa.

A RESPOSTA: Disse então Mariam: Eis aqui a escrava do Senhor. Cumpra-se em mim a tua palavraE se afastou dela o anjo (38). Dixit autem Maria ecce ancilla Domini fiat mihi secundum verbum tuum et discessit ab illa angelus Maria aceita a proclamação do anjo e aceita ser a esposa do Espírito Santo. Nesse momento temos um matrimônio consumado e um filho concebido. Maria é esposa do Espírio Santo e mãe do Verbo nesse momento Encarnado. OBSERVAÇÕES: Como Maria se vê a si mesma? Ela se considera insignificante como uma escrava (Lc 1,48) Por isso a saudação extraordinária do anjo a perturba grandemente (29). Finalmente Maria dará seu consentimento com as mesmas palavras com as quais uma desposada admitia seu esposo: Eis a tua escrava. Cumprirei as tuas palavras. Maria se torna assim esposa do Espírito Santo. José será o representante legal do filho e da mãe, mas o que realmente abriu seu ventre em expressão bíblica foi um ato divino de um Deus, para quem nada é impossível (37). Destarte Maria entrou a formar parte dessa família que é a Trindade e da qual todos os salvos por Jesus seremos familiares. Daí deduzimos com razão que a salvação de Maria deu-se de forma total nessa sua aceitação livre e voluntária, no momento da Encarnação. Ela já está unida a Deus, uno e trino, como mãe e como esposa. Sua exaltação, na hora da morte, o que chamamos Assunção, tem unicamente como raiz este momento crucial de sua vida.

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