Comentário Exegético – III Domingo do Tempo Comum – Ano B

EPÍSTOLA (1 Cor 7, 29-31)

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

INTRODUÇÃO: Estamos num contexto moral em que Paulo responde a umas questões como é o matrimônio, especialmente se misto (7, 12-17). Respondendo uma carta, Paulo prefere a virgindade, mas declara que o matrimônio não é ilícito. E termina que o tempo de vida é tão efêmero que o melhor é usar das coisas como se não fossem eternas, mas caducas, esperando sempre pelo que será definitivo.
A LIMITAÇÃO DAS COISAS: Pois isto vos digo, irmãos, a oportunidade limitada. O resto é para que também os que têm mulheres sejam como se não tivessem (29). Hoc itaque dico fratres tempus breve est reliquum est ut qui habent uxores tamquam non habentes sint. OPORTUNIDADE [kairos<2540>=tempus] entre os diversos significados de um período de tempo está o de tempo oportuno, o tempo certo, o tempo devido, como em Mt 24, 45: Quem é, pois, o servo fiel e prudente, que o seu senhor constituiu sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo? Como tempo favorável temos At 24:25:  E, tratando ele (Paulo) da justiça, e da temperança, e do juízo vindouro, Félix, espavorido, respondeu: Por agora vai-te, e em tendo oportunidade te chamarei. Aqui no versículo atual, o tempo de que fala Paulo é o tempo anterior à segunda vinda de Cristo. Esta esperança da vinda do Senhor Jesus, como triunfante de seus inimigos, era a expectativa comum de todas as primitivas comunidades. O fundamento era a profecia de Jesus da destruição de Jerusalém e do templo. Para um judeu  isso era o fim. E o novo mundo seria o definitivo. Não uma era diferente, mas um mundo novo, em que o mal fosse totalmente aniquilado assim como os inimigos de Cristo. Era o fim do final último. Hoje sabemos distinguir perfeitamente entre o fim de um tempo ou época, como era o fim de Jerusalém, e o fim escatológico do mundo que ainda está para se realizar. Vejamos alguns textos. Rm 13, 11: E isto digo, conhecendo o tempo, que já é hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé. Esse fim será também para Pedro o do mundo: Já está próximo o fim de todas as coisas; portanto, sede sóbrios e vigiai em oração (1 Pd 4, 7). Diante de semelhante proximidade, a procriação que era o modo de perpetuar-se de um homem não tinha muito sentido. Por isso, acrescenta Paulo: os que têm mulheres sejam como se não tivessem. Embora dentro dessa proximidade o próprio Pedro tenha que afirmar que o tempo do Senhor é diferente do tempo nosso: não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia (2 Pd 3, 8). Somente o que retarda esse fim prometido é a paciência divina que espera a conversão do pecador: O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânime para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se (2 Pd 3,9).
COM DESAPEGO: E os plangentes como não plangentes; e os que se alegram como se não estivessem alegres; e os compradores como se não fossem possuidores (30). Et qui flent tamquam non flentes et qui gaudent tamquam non gaudentes et qui emunt tamquam non possidentes. Paulo continua batendo na mesma tecla da brevidade e precariedade do tempo a disposição do homem. A dor como a alegria passam rapidamente e assim receita um remédio fácil e universal: quem chora por um familiar morto não se desespere. Pois é tão breve o tempo que nos separa do mesmo que é como se não tivesse morto. A despedida é como quem diz boa noite para se encontrar no dia seguinte. A palavra que temos traduzido por PLANGENTES [klaiontes <2799>=flentes] é o particípio presente  do verbo klaiö com o significado de chorar ou derramar lágrimas. Usado por Mateus em 2, 18: Em Ramá se ouviu uma voz, Lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando [klaiousa] os seus filhos. Sempre o choro é por uma dor que tem como causa uma perda material ou espiritual. Daí o choro [klauthmos, da mesma raiz] pela perda de uma filha em Mc 5, 38; ou a perda do reino em que encontramos a frase tão repetida (6 vezes) em Mateus: haverá pranto [klauthmos] e ranger de dentes (8, 12). Também a alegria não deve ser motivo absoluto na vida. COMPRADORES [agorazontes<59>=ementes]. Parece um pouco fora de lugar esta frase. Mas a compra sempre enriquece o comprador e é precisamente essa riqueza que Paulo rejeita como coisa definitiva, segundo o que diz Jesus: Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam (Mt 6, 19). É, pois, nessa base da caducidade das tristezas e bens terrenos que Paulo argumenta suas razões para não se deixar dominar por coisas efêmeras e transitórias. Já o afirmava Tiago na sua epístola: o rico passará como a flor da erva (1, 10), sendo a vida como um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece (4,14).
A APARÊNCIA DO MUNDO: E os usantes deste mundo como não utilizantes; porque passa a aparência deste mundo (31). Et qui utuntur hoc mundo tamquam non utantur praeterit enim figura huius mundi. USANTES [chrömenoi<5530>=qui utuntur] particípio do verbo chraomai com o significado de usar, fazer uso de, empregar, abusar, como no caso de Paulo em 1 Cor 9,18: Logo, que prêmio tenho? Que, evangelizando, proponha de graça o evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho. Porém o mais usual é o simples uso de, como em 1 Cor 9, 12: Temos o direito de participar dos vossos bens…..Mas nunca quisemos fazer uso desse direito. Confirma o uso da narração do naufrágio em que levado este (o bote) para cima, usaram de todos os meios, cingindo o navio (At 27, 17). Devemos, pois, segundo Paulo, usar dos bens deste mundo, sem pretender ser donos dos mesmos; porque a aparência do mesmo é transitória. APARÊNCIA [schëma<4976>=figura] é o que é visto como exterior de uma pessoa: sua figura, sua maneira de atuar. Além deste versículo, schëma sai unicamente outra vez em Fp 2, 8 falando sobre a humanidade de Cristo: Achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Definitivamente Paulo tem também a ideia de que o mundo seria transformado, como diz Pedro, que assim como pereceu o mundo de então (tempos de Noé), coberto com as águas do dilúvio, (2 Pd 3,6), do mesmo modo o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão (idem 2, 10). Também podemos falar, sem pensar escatologicamente,  do fim de cada vida individual em que já o mundo desaparecerá para cada homem no momento de sua morte.

EVANGELHO  (Mc 1, 14-20)

(paralelos: Mt 4, 12-22 e Lc 5, 1-11)

VOCAÇÃO APOSTÓLICA

INTRODUÇÃO: O texto tem duas seções diferentes: A primeira é a proclamação do Reino por Jesus, em pessoa. A segunda é a eleição dos 4 primeiros discípulos, chamados por parte de Jesus. O Reino sintetiza-se na pessoa e mensagem do próprio Jesus. Se aceita e se entra no reino, quando a palavra de Jesus se torna vida. Da mentalidade do AT que estava centrada na Lei Mosaica, na circuncisão, no templo, na pureza externa e no sábado, agora a justiça [a correção e bondade] do reino está na fé, na verdade de Jesus como Rei, na vida do seu mandato de amor, na graça de Deus Pai e na paz entre os irmãos, sem distinção de etnias entre judeus e gregos. Todos os povos são chamados e todos estão unidos na humanidade de Jesus. Este não era unicamente um profeta, a voz de Deus, mas todo ele era a vida de Deus conosco, o Emanuel; porque sua humanidade foi assumida na pessoa do Verbo. Como homem, Jesus era limitado no tempo e no espaço, e por isso era necessário que sua eficiência como voz e como pessoa fosse prolongada em outros homens que seriam os discípulos. Estes prolongariam a presença visível de Jesus, desde que nos entregassem suas palavras e operassem seu ministério de perdão na Nova Aliança.
O PREGOEIRO: Depois, portanto, de ter sido entregue João, Jesus veio para a Galileia proclamando o evangelho do Reino de(o) Deus (14). E dizendo que está cumprido o tempo [kairós] e tem-se aproximado o Reino de(o) Deus. Arrependei-vos [metanoeite] e crede no evangelho (15). Postquam autem traditus est Iohannes venit Iesus in Galilaeam praedicans evangelium regni Dei. et dicens quoniam impletum est tempus et adpropinquavit regnum Dei paenitemini et credite evangelio Após a prisão do Batista, que Marcos narra como sendo uma entrega, uma traição, Jesus se retira para a Galileia. Quem entregou o Batista a Herodes Antipas? A entrega foi uma denúncia, ou a polícia da Decápolis o arrestou e o entregou a Antipas? Não o sabemos. Mas a animosidade de Herodíades dá motivo para pensar que houve uma conspiração para calar uma boca que era molesta, precisamente pela verdade que proclamava. A mesma razão dá Mateus, que diz que Jesus, por causa de ouvir que João fora entregue se retirou para a Galileia (Mt 4, 12). A questão que surge é por que razão Jesus que, segundo Marcos e Mateus, estava na Judeia, território não sujeito a Herodes Antipas, agora se mete na boca do lobo como dizem, pois Galileia era o território de Herodes. Talvez seja tudo, como dizem os modernos, questão de redação. A frase inicial tem o sentido de logo, ou depois que, uma introdução temporal, para indicar que Jesus respeitou o tempo do Batista e só iniciou seu tempo após o fim do profeta. É uma delicadeza de quem era superior, esperar o tempo do seu profeta para iniciar o seu, de pregador. Retirado o apresentador, Jesus entra em cena com uma nova proclama: o evangelho como Boa Notícia e não como o dia da ira de Jahveh. Mas também para este ano de graça é necessária a conversão, para a nova justiça [righteousnes=retidão] do Reino do Deus verdadeiro, que nós podemos traduzir como Deus em maiúscula, para manter o grego original. EUAGGELION: A palavra grega é composta de dois vocábulos gregos: eu [bom] e aggelos [mensageiro]. Evangelho significava originalmente a recompensa dada por uma boa notícia. Biblicamente no NT está sempre unida a uma notícia de origem messiânica, que podemos traduzir por novas que causam alegria. O evangelho é uma noticia alegre (Lc 1, 15) ou um grande júbilo (Lc 2, 10). Em Marcos, a palavra evangelho sai 5 vezes, 1 como evangelho de Jesus Cristo (1, 1), 2 vezes como evangelho do Reino de Deus ou simplesmente evangelho (5 vezes).  Em Mateus, aparece como evangelho do Reino (3) ou simplesmente evangelho (1). Em Lucas, não se encontra evangelho, mas o verbo evangelizar (10 vezes), dos quais 3 com o objetivo do Reino de Deus. Tanto o verbo como o substantivo, não aparecem em João. Como estamos comentando Marcos, vemos como a palavra evangelho está diretamente conectada com a missão de Jesus. Deixando à parte o evangelho de Jesus Cristo de 1, 1, que realmente é uma recopilação do evangelista, parece que o Reino é o objetivo da boa nova ou notícia. É esse reino de Deus, que Jesus pede que venha na oração por excelência, o Pai Nosso, e que Mateus completa magistralmente com o parêntese de faça-se tua vontade na terra, assim como ela é absoluta nos céus. Conclusão: para entrar no Reino é preciso fazer a vontade do Pai, e esse desejo anterior ao nosso de felicidade  [negar-se a si mesmo (Mt 16, 24)], constitui a base da METÂNOIA que Jesus prega. Unicamente, pois, aquele que faz a vontade do Pai é que pode ser chamado verdadeiramente irmão de Jesus (Mt 12, 50) e filho, portanto, de Deus, a quem ama e serve como Pai. Perguntará alguém: E qual é a vontade do Pai? Pois responderemos com a boa nova: Quem vê o Filho e nele crê, tem a vida eterna e ressuscitará no último dia (Jo 6, 40), coisa que confirma em 7, 17: Se alguém quer cumprir sua vontade, reconhecerá se minha doutrina é de Deus ou se falo por mim mesmo. No mundo atual, esta fé é tanto mais perseguida do que era nos tempos da primitiva Igreja e deve ter um valor primordial na vida dos que se intitulam discípulos de Jesus. Ou seja, existe uma entrada no Reino que depende de aceitar Jesus como Filho do Pai, e dessa aceitação depende a vida eterna. Jesus proclama: crede no evangelho. Com o qual completa a pregação do Batista que era só de metânoia. A entrada é gratuita e só necessita a fé; isto é, depende de aceitar Jesus como Filho de Deus e, dessa situação, depende a nossa nova família que será eterna (Mt 12, 50). Porém, Paulo afirmará que a fé não basta e os que praticam as obras da carne não herdarão o Reino de Deus (Gl 5, 21). Essas obras da carne ele as descreve nos versículos 19-20. Em definitivo: entra-se no Reino pela fé; mas essa fé deve ser demonstrada e realizada nas obras (Tg 2, 22).  KAIRÓS: Em grego se distingue perfeitamente entre chronos [tempo] e kairós [oportunidade]. Aliás, este último nem é tempo na sua acepção original, mas justa medida, ocasião, coisa conveniente, oportunidade. Com essa palavra, o evangelista quer indicar que o Reino irrompe como uma ocasião única [parábola da pérola] que não pode ser desperdiçada. A própria palavra eggiken [se acercou, está às portas] indica que não existe muito tempo para deliberar ou esperar. A decisão deve ser imediata: conversão e fé na palavra que anuncia a nova era. Para mais detalhes, ver Exegese no 116 de presbiteros.org.br no comentário de Mc 1, 1-8. Não cremos que exista motivo para traduzir acabou-se o prazo, isto é: o tempo do AT e suas instituições; pois temos um novo eon que é o reinado de Deus, como se o AT não estivesse sob o comando de Deus. Mas a verdadeira tradução é: Tem chegado a oportunidade.
O PASSEIO: Andando, pois, junto ao mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, lançando a tarrafa no mar, pois eram pescadores (16). Et praeteriens secus mare Galilaeae vidit Simonem et Andream fratrem eius mittentes retia in mare erant enim piscatores. O MAR DA GALILEIA: Na realidade é um lago de água doce vinda das fontes do Jordão. Antes do lago, ou mar, também chamado de Genesareth, temos um outro lago, ao norte, de nome El-Huleh, unido ao nosso mar pelo pequeno Jordão.  O nosso lago recebeu nos tempos de Antipas e de Tibério o nome de mar de Tiberíades [do imperador], nome com o qual o apresenta unicamente o quarto evangelho (Jo 6,1 e 21, 1). Evangelho que é mais correto no que diz respeito aos nomes geográficos e históricos da época. O nosso lago é de água doce e está situado a 210 m sob o nível do mar Mediterrâneo, tendo a forma de uma lira, com profundidade máxima de 48 m, comprimento de 21 Km e largura de 12 Km. Devido ao calor de suas águas, é abundante em peixes e as tempestades são frequentes, formando-se em menos de meia hora, com ondas de até 2 m de altura, do  quais os evangelhos são testemunhas (Mt 8, 24). Junto ao lago, estava Betsaida que, em aramaico, significa casa de pesca. Era a Betsaida que o tetrarca Filipe engrandeceu até formar uma cidade ao leste do Jordão, a que chamou Júlia, do nome da filha de Augusto, onde teve lugar a multiplicação dos cinco mil pães (Lc 9, 10) e a cura do cego (Mc 8, 22). Foi a cidade onde nasceram Pedro, André e Filipe. Cafarnaum [aldeia da consolação segundo alguns, e aldeia formosa segundo outros] era uma vila ao noroeste do lago e onde se encontrava a casa de Pedro. No período de máximo esplendor, cobria uma área de 4 hectares e meio [uma hectare é 10 mil m2,, equivalente a  campo e meio de futebol]. Calcula-se que então tivesse uma população aproximada de 1800 pessoas. Mas esta Cafarnaum  é dos tempos bizantinos. No tempo de Jesus, teria unicamente algumas centenas de habitantes, não superando os 500. Jesus fez da cidade sua morada habitual, até que os habitantes da mesma, por instigação dos fariseus, o rejeitaram e obrigaram Jesus a deixar a cidade, imprecando sobre ela as suas deslealdades (Mt 11, 23). Corozaim se considera que seja Tell Khirbet Kerexah a 4 Km ao noroeste de Cafarnaum. Talvez seja esta a cidade de Corozaim da qual nada mais conhecemos. Estas três cidades terminaram desaparecendo na História e suas localizações permaneceram desconhecidas por séculos. Sua desaparição foi em cumprimento da profecia de Jesus (Mt 11, 21-24). Magdala [torre] era outro lugar com grande número de barcos de pesca. Talvez seja o Migdael de Josué 19, 38 que pertencia à tribo de Neftali. Segundo Mt 15, 39, após a segunda multiplicação dos pães, Jesus veio com seus apóstolos à região de Maedan que muitos códices traduzem por Mgdala. O Talmud distingue entre o Magdala do leste, perto de Gadar [atual Mukes] e o Magdala do oeste, perto de Tiberíades, distante desta cinco quilômetros e que é chamada de Magdala Nunaya [Magdala dos peixes]. Esta última era uma cidade rica e foi destruída pelos romanos. Seu nome grego foi Tariqueia, que significa salga ou salgadura em grego. O sal era abundante na Palestina, extraído puro, principalmente das salinas, perto do Mar Morto. Era o sal de Sodoma. Tendo sal e peixes em abundância, a indústria da salgação era uma forma de vida habitual na região. A bíblia menciona uma vez a salga de um peixe em Tobias 6, 6. Mas sabemos que os judeus comiam muito peixe seco e salgado como vemos na multiplicação dos pães em Mt 14, 17. Comiam os peixes salgados até em Jerusalém, onde existia a porta dos peixes que tomava seu nome de um mercado de peixes [necessariamente salgados] perto dali. Da Palestina se exportavam sal e peixe a todo o mundo. Pedro e seus companheiros, pescadores  eram, sem dúvida, provedores de matéria prima para as salgadeiras de Tariqueia.  Tiberíades se tornou a capital da Galileia no reinado de Antipas, que a fundou no tempo de Tibério, no ano 18 quando Jesus teria 25 anos. Localizada no lugar de um antigo cemitério, as prescrições legais impediam aos judeus de a habitarem. Antipas viu-se obrigado a levar para ela colonos à força: moradores dos arredores, mendigos, aventureiros, escravos libertados, etc.  (ver a parábola do banquete real em Mt 22). A cidade não tinha mais de 5 km de circunferência. Quando começou a revolta do ano 66, a maioria da população era de judeus, principalmente de pescadores, e se rendeu sem luta aos romanos, e obteve o privilégio de estar habitada unicamente por judeus, com exclusão de pagãos e cristãos. Na sexta centúria, a escola de Tiberíades inventou a Massorá, fixando o texto hebreu de Bíblia em hebraico, acrescentando as vogais ao mesmo.
O CHAMADO: Então disse-lhes Jesus:vinde após mim e vos farei ser pescadores de homens(17). E imediatamente, tendo  deixado as suas  redes, o seguiram (18). Et dixit eis Iesus venite post me et faciam vos fieri piscatores hominum. Et protinus relictis retibus secuti sunt eum  VINDE APÓS MIM: Com estas palavras Jesus torna os chamados por Ele, discípulos. Naquela época, os discípulos dos mestres (Rabi)
de Israel, moravam junto com estes últimos. De sua convivência, resultavam lições muito mais proveitosas que de suas palavras. A Jesus seguiram as turbas como ouvintes e como discípulos. Discípulo [mathêtês grego] é aquele que ouve a palavra com agrado e que a retém; e, portanto, nele é causa de frutos de salvação. A palavra mathêtês, [discípulo] derivada de matheuô [aprender] é aquele que aprende de um mestre. A palavra aparece 250 vezes nos Evangelhos e Atos. O discípulo, porém, mais do que aprender teoricamente, segue, obedece e se compromete com o mestre. Logo exige muito mais do que um assentimento intelectual. O centro de interesse do discípulo é o Mestre, Jesus, sua pessoa e sua autoridade (Mt 11, 29 e Ef 4, 20). O antigo Magister dixit [o mestre disse], se transforma em Magister imperat [o mestre comanda].  Sua palavra é definitiva, máxime que ele é divino na sua atuação e nos seus ensinamentos, e que a sua vida é um espelho da qual deve ser também a vida do discípulo (Lc 14, 27). Daí que o discípulo se torna testemunha dos ditos e situações do mestre, como magistralmente Jesus ressuscitado  ensina aos onze na última lição de sua vida terrena e visível (Lc 24, 48). É fácil deduzir que se os evangelhos têm sido escritos como memória desses discípulos, eles nos oferecem o ensino de Jesus de um modo quase literal, como sucede numa gravação eletrônica. Já a palavra APÓSTOLO significa enviado. Os evangelhos sinóticos (Marcos, Mateus e Lucas) trazem a lista dos doze apóstolos dividida em 3 seções de 4, e cada uma encabeçada sempre com os mesmos nomes: Simão, Filipe e Tiago de Alfeu. Todos eles foram escolhidos pelo Senhor, após uma noite de oração (Lc 6, 12). Jesus constituiu 12 [o número das tribos de Israel] para que ficassem com ele e para enviá-los a pregar e terem autoridade para expulsar os demônios (Mc 3, 14-15). A principal missão de um apóstolo é a evangelização. Por isso, Paulo se considera apóstolo (Gl 1, 1), embora não tivesse conhecido Jesus na carne. Já em vida, Jesus enviou os doze  a proclamar o Reino de Deus e a curar (Lc 9, 1). Com a mesma missão enviou outros 72 discípulos [era o número tradicional das nações pagãs] (Lc 10, 1+). Para se tornar apóstolo, um discípulo devia ter acompanhado Jesus desde seu batismo por João, até o dia em que foi arrebatado (At 1, 21-22). Tal foi o caso de Matias, incluído no lugar de Judas, o traidor. Ou seja, um apóstolo era precisamente uma testemunha, tanto da doutrina como principalmente da ressurreição de Jesus (At 1, 22). No evangelho do domingo anterior, temos visto como foi o primeiro contato de Jesus com André, Pedro, Filipe, Natanael e um outro discípulo do Batista que, sem dúvida, passou a formar parte dos novos discípulos de Jesus (Jo 1, 25-32). Natanael é o nome próprio e Bartolomeu é o nome familiar ou sobrenome. Por isso, a maioria dos intérpretes concordam em que os dois nomes designam a mesma pessoa, que os sinóticos preferem chamar pelo sobrenome e João escolhe chamá-lo pelo nome, que significa dom de Deus. O relato de João é o encontro de determinadas pessoas com Jesus. Mas o relato dos sinóticos é a narração de uma escolha e eleição que se origina no próprio Jesus. É Jesus quem os escolherá definitiva e livremente de modo que, os assim escolhidos, deixarão tudo para o seguirem totalmente. DISCÍPULOS DO BATISTA: Na seleção dos primeiros discípulos de Jesus, todos eles, ao que parece, eram discípulos de João, o Batista. Chama a atenção que alguns dos nomes sejam gregos: André, Filipe. Isso quer dizer que estamos ante uma sociedade mista como a descrita por Mateus, a Galileia das Nações [isto é, dos gentios] (4, 15). Desde o início, Jesus quer seguir a profecia de Simeão: seria luz para a revelação dos gentios e glória de Israel, seu povo (Lc 2, 32). Naquela época, os discípulos dos mestres (Rabi) de Israel moravam junto com estes últimos. De sua convivência resultavam lições muito mais proveitosas que de suas palavras. Eram às 4 da tarde quando André e outro discípulo de João seguem Jesus. Com este passam a noite e de manhã é quando André revela a Simão, seu irmão, que tinham encontrado o Messias. No encontro com Jesus, Simão muda de nome e quem impõe o novo nome como se fosse seu pai, ou melhor, exercendo um atributo divino: Chamar-se-á Kefas, Rocha. Mateus também traz esta mudança de nome, na ocasião em que Simão reconheceu a missão de Jesus como sendo o Messias (Mt 16, 18).
OUTROS DOIS: E tendo ido adiante um pouco viu Jacob, o do Zebedeu e João seu irmão e eles na barca consertando as redes (19). E imediatamente os chamou; e, tendo abandonado o seu pai, Zebedeu no barco com os assalariados foram depois dele (20). Et progressus inde pusillum vidit Iacobum Zebedaei et Iohannem fratrem eius et ipsos in navi conponentes retia. Et statim vocavit illos et relicto patre suo Zebedaeo in navi cum mercennariis secuti sunt eum. O texto grego usa uma palavra para rede dificilmente traduzida às outras línguas. É diktion um termo geral para rede, que aqui se usa em plural. Na realidade, em grego temos: Amfiblëstron, [tarrafa], sagënë [de arrastão] e diktion [rede em geral], que é a usada aqui. João, o quarto evangelista fala de ploiarion [pequeno barco] em 6, 22 e 21, 8, que pode ser traduzido por barca, ou navícula em latim, e Mateus distingue entre tarrafa (4, 12) e rede de arrastão (13, 47). JACOB: nome hebraico que em português é traduzido por Tiago [o inglês James, derivado de Jacomus francês do baixo latim] e que significa suplantador, do Jacó, o irmão de Esaú e pai das doze tribos. O nome de Tiago provém de Sancti Jacobi apocopado em Santiago; e, retirado o San, temos o Tiago, com que é conhecido. JOÃO [Javé favoreceu] é o apóstolo preferido do Senhor, segundo a tradição. ZEBEDEU, forma grega de Zebadaias [meu presente], esposo de Salomé [perfeita], que pede em Mt 20, 29 os primeiros postos para seus filhos. Razão não faltava, pois o pai era de posição de classe média alta, pois tinha operários às suas ordens (Mc 1, 20) e até relacionado com o Sumo Pontífice  (Jo 18, 15). Uma velha tradição fala também de Salomé como parente de Maria.

EXCURSUS
Existem umas diferenças notáveis entre os sinóticos e o 40 evangelho sobre a vocação ao apostolado dos primeiros discípulos. João fala de que Jesus encontrou em Betabara [Decápolis] ou Betânia [Pereia] discípulos do Batista como vimos no domingo anterior. Já os sinóticos realizam essa escolha no mar da Galileia, quando os que seriam pescadores de homens, abandonam barco e rede de pesca para seguir Jesus. Sem dúvida, que João é o mais exato em seu relato, já que parece ser uma testemunha do fato, indicando até a hora (4 da tarde). Por que, pois, a diferença? Houve um segundo chamado que podemos considerar como definitivo? Em primeiro lugar devemos entender que os relatos evangélicos [não os ditos] não são exatos, mas têm muito de redacionais, e nessa redação existe uma alta percentagem de intencionalidade. Encontrar esta é saber a razão do relato como exemplo e moral de uma história. No caso, querer transformar pescadores de peixes em pescadores de homens, para mostrar que não era importante a humilde condição dos apóstolos para dar crédito aos mesmos. Mas para João, tardio em seu evangelho, e em circunstâncias diferentes, quando encontra ainda discípulos do Batista que nele acreditavam, o caso é mostrar como, desde o início, os discípulos de João o abandonam e, de seu 10  mestre passam a ser apóstolos de Jesus, com o qual, nem o Batista é diminuído, nem a figura de Jesus pode ser vista como igual no plano da salvação. Pois há uma continuação necessária entre o discipulado de João e o de Jesus. Talvez fosse esta forma de narrar do quarto evangelista, uma maneira de dizer aos discípulos do Batista, ainda existentes na época, que deviam mudar de mestre e que era Jesus o apontado pelo Batista como quem devia vir e se tornar primeiro antes dele. Em segundo lugar, existe uma outra razão: Os pescadores eram considerados como de segunda classe entre os judeus. João escreve seu evangelho para os judeus de Jerusalém. Não era conveniente exaltar um fato que dificultava a fé inicial, devido aos costumes contrários da época.  Por isso, das 6 vezes que sai a palavra pescador, João não a emprega nunca. Até quando devem tomar o barco para voltar a Cafarnaum, o evangelista disse que subiram num barco. Somente no apêndice do capítulo 21 é que sabemos que Pedro sabia pescar (Jo 21, 3) e com ele uma parte substancial dos apóstolos. Para nós, o ofício de Pedro e dos primeiros apóstolos é indiferente, mas para os antigos cristãos provenientes do judaísmo, era uma questão importante. Sempre poderemos pensar que Jesus escolheu o lixo do mundo para confundir a sabedoria dos sábios (1 Cor 1,18 + e 4, 9+).
PISTAS: 1) Jesus se apresenta como um continuador do Batista, que era profeta do AT. Só que, agora, a pregação de Jesus adquire dois pontos importantes: 10 ) O novo reino não é um juízo, como pensava o Batista (Mt 3, 12), mas uma Boa Nova, uma grande alegria, daí o evangelho. 20) Pede fé nas suas palavras num mundo desconfiado e descrente de possibilidades que não fossem para o triunfo do mal. Esse mesmo é o dever da Igreja de hoje: Se não somos eco das palavras de Jesus, não podemos afirmar nosso discipulado, pois não existe discípulo superior a seu mestre (Mt 10, 24).
2) A fé na palavra é precedida da conversão. É preciso abrir a mente e, sobretudo, libertar o coração para escutar as palavras de Jesus com o máximo proveito. Enquanto os fariseus as rejeitavam por não concordar com seus sentimentos e desejos, pescadores humildes aceitam a conversão na pregação do Batista e a obedecem de imediato na voz de Jesus.
3) Se tivéssemos perguntado aos conterrâneos de Jesus, que pessoas do seu tempo, estavam mais preparadas para receber e poder anunciar a palavra de Deus, escolheriam os Rabis e Grammateoi  [doutores], abundantes entre os fariseus. De rejeitar, seriam os pastores e pescadores, como os mais ineptos e incompetentes. Deus sabe como escolher, quando seu evangelho está dirigido com mais propriedade aos humildes da terra, os anowim do AT.
4) A conversão-fé-vocação é o trinômio próprio de todo cristão que toma a presença de Jesus como importante em sua vida. Que devemos fazer? – perguntavam as turbas ao Batista. E ele respondia assim: Quem tem duas túnicas dê uma a quem nada tem. A conversão do bolso –dizia um velho sacerdote – é a única que podemos comprovar como verdadeira.
5) Vemos pela História, como Jesus escolheu vilas sem importância, para a sua primeira apresentação pública. Como, o fato de que alguns o aceitaram e outros muitos o rejeitaram, deu origem a essa profecia de maldição de quem tendo ouvidos não ouve e quem tendo olhos não enxerga. A história atual repete as mesmas conclusões que Jesus tirava da conduta de seus conterrâneos. Por isso, não devemos desanimar com os resultados do anúncio atual do evangelho.

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