Autodomínio e parusia
28/11/2021 – Primeiro Domingo do Advento – C
Leituras: Jr 33,14-16; Sl 24; 1 Ts 3,12-4,2; Lc 21,25-28.34-36
Santa Teresa de Jesus tinha um irmãozinho ao qual muito se afeiçoara, chamava-se Rodrigo. Brincavam santamente e tinham lido que os santos que vivem com Deus para sempre. Essas palavras “para sempre” entraram com grande força na mente dos pequenos. Contudo, para estar no “para sempre” de Deus é preciso morrer. Teresa e Rodrigo se dirigiram às terras de muçulmanos para que eles os matassem e assim eles, mártires, estariam no céu com Deus para sempre, para sempre, para sempre! Certo dia, resolverem realizar seus planos: fugiram de casa para entregarem-se à morte em mãos dos mouros, porém, como é frequente, os adultos estragam os planos das crianças e, desta feita, um tio deles os encontrou e perguntou o que estavam a fazer e lhes enviou de volta para casa.
Esse desejo tão ardente de ver a Deus face a face estava muito presente na vida das primeiras comunidades de cristãos. Eles repetiam no contexto da liturgia: “Maranatha: vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20). No Evangelho, somos animados a esperar a segunda vinda de Jesus: “Então verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com poder e glória” (Lc 21,27). A Parusia, isto é, o retorno glorioso de Jesus Cristo, faz parte da Fé Católica. Semelhante aos quatro mistérios da escatologia individual – morte, juízo particular, céu ou inferno -, a escatologia consumada, isto é, as últimas coisas que vão acontecer ao mundo e aos seres humanos, também contém quatro grandes mistérios: parusia, ressurreição dos mortos, juízo final, novos céus e nova terra. Dito com outras palavras: Jesus voltará e ressuscitará os mortos, julgará a todos e nos fará participar com ele do seu reino, inclusive com nossa realidade material.
Essa primeira parte do Tempo que a Igreja chama de Advento, palavra esta que significa literalmente “que há de vir”, olha para a promessa da escatologia consumada, e, em primeiro lugar, para a segunda vinda de Jesus. A segunda parte do Advento, a partir do dia 17 de dezembro, se volta para o mistério da primeira vinda de Jesus, o Natal. Assim como os irmãos que nos precederam na Fé, queiramos uma “santidade irrepreensível, aos olhos de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de nosso Senhor Jesus com todos os santos” (1 Ts 3,13). Jesus voltará com sua coorte, os santos, e nos encontrará bem preparados para irmos com ele se o nosso dia-a-dia estiver sempre vivido na intimidade com ele, pois “O Senhor se torna íntimo aos que o temem e lhes dá a conhecer sua aliança” (Sl 24,14). Certamente, um tempo de oração diário muito nos ajudará a entrar na intimidade de Deus e conhecer os seus projetos (sua aliança) para conosco e para com os seres humanos, nossos irmãos. Se você é daqueles que descuida frequentemente a sua vida de oração, quiçá esse tempo que antecede o natal, e tendo em conta a sua própria morte em um tempo não tão distante, seja o momento para rezar mais.
Para ficarmos bem unidos à Aliança de Deus para conosco em Jesus Cristo, estejamos atento a esse outro conselho: “Que os vossos corações não fiquem pesados pela devassidão, pela embriaguez, pelas preocupações da vida” (Lc 21,34). Quiçá alguns propósitos concretos para o início deste novo Tempo de graça seja o seguinte: diminuir as festas e inventar um ócio mais útil para o nosso crescimento humano-espiritual, orientando-o também para o estudo e a cultura; se não conseguir beber socialmente, então melhor não beber nada que contenha álcool; confiar mais em Deus! Definitivamente, as preocupações não resolvem os problemas. Certamente, bem poderíamos animar a todos com aquelas palavras de Santo Inácio de Antioquia: “Sê sóbrio como um atleta de Deus: o prêmio que se oferece é a imortalidade e a vida eterna, na qual crês firmemente” (S. Inácio de Antioquia). Vejam só: olhando para a vida eterna, procuramos comportar-nos bem no hoje da nossa existência. Como diziam os antigos filósofos: o bem tem razão de fim e a finalidade é a primeira na intenção e o último na execução. Temos que olhar para o céu para viver bem na terra. Por outro lado, as pessoas que dizem viver bem sem olhar para o céu, mais cedo ou mais tarde mostrarão o abismo que há em suas próprias vidas. Não nos enganemos: só seremos verdadeiramente felizes nesta vida, com algumas tribulações, na medida em que desejarmos a felicidade eterna, a qual será sem nenhuma tribulação.
Uma das chamadas “virtudes cardeais” mais importantes para manter-nos como atletas de Deus que procura viver bem, ou seja, segundo Deus, é a temperança. Esta virtude nos ajuda a ter um nobre domínio sobre nós mesmos e, em consequência, a sermos cada vez mais livres. Uma pessoa com nobreza de espírito é necessariamente temperada. A temperança é a virtude que reúne em torno a si a modéstia, a sobriedade, a castidade, a vergonha, a honestidade, a abstinência, a mansidão, a clemência, a estudiosidade, a eutrapelia. Cada uma dessas virtudes mereceria uma reflexão, mas vamos contemplá-las desde a perspectiva da virtude da temperança.
De fato, todo o nosso ser, no batismo, experimentou a vida nova de Cristo: nós somos novas criaturas! Daí o desejo de vivermos uma vida nova, de corresponder a tantas graças que o Senhor nos tem concedido. Nesse contexto de fé, a virtude moral da temperança é aquela disposição ou força interior que modera a nossa inclinação aos prazeres sensíveis, mantendo-os dentro dos justos limites de uma razão que foi iluminada pela fé. Ao ser uma virtude humana, ela deve ser praticada por todos os seres humanos, e não somente por aqueles que são cristãos. Naqueles que são batizados a temperança foi elevada pela graça e fortalecida pelas virtudes teologais.
A temperança é a virtude dos senhores e das senhoras de si mesmos, dos atletas de Deus, daquelas pessoas que não querem ser escravas de si mesmas e das próprias inclinações. Custa? Claro que sim: é muito mais fácil pecar que não pecar, ser virtuoso que não sê-lo, ser infeliz que feliz. Mas nós fomos criados para a felicidade e para a autêntica liberdade. Apenas mais uma coisa para terminar: a virtude da eutrapelia ou bom hábito de moderar as nossas diversões bem poderia estar diante das nossas boas intenções: divertir-se, sim, porém, sem exageros que nos façam descuidar outros aspectos da nossa vida.
Padre Françoá Costa
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