A tragédia e o silêncio

A tragédia do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria – RS, uniu-nos a todos, de todos os recantos do Brasil e quiçá do mundo inteiro, numa grande comoção e sofrimento. Dor partilhada nos rostos sofridos e sem consolo de tantos pais e mães, parentes e amigos. Sentimo-nos de tal modo ligados a eles que não os queremos deixar sozinhos nessa hora de uma dor inexplicável.

Li, num importante jornal de circulação nacional, que “enquanto pais se emocionam com as 104 chamadas não atendidas com o nome “mãe”, registradas no celular de um dos jovens mortos na Kiss, filhos refletem sobre a segurança dos lugares que frequentam para se divertir. E certamente não houve um pai ou mãe que não tenha pensado: e agora, o que fazer?” (O GLOBO, 29/01/2013 ed. online).

Quantas perguntas um incidente como esse não é capaz de colocar! E questionamentos que superam ao problema da segurança contra incêndios e outros acidentes. Há uma pergunta que não cala no coração das pessoas que é aquela do lugar de Deus. Sempre nos é difícil conjugar a onipotência e a onisciência divinas e os dramas da existência humana. Com muita naturalidade escapa a pergunta sobre onde está Deus nessas horas?

Partindo da experiência da fé, baseada na divina revelação, sempre nos deparamos com o silêncio de Deus como modo de comunicação de Si mesmo aos seres humanos. O seu próprio Filho, no ápice da sua entrega na Cruz, fez a experiência desse silêncio ensurdecedor e revelador de Deus. O silêncio, porém, não exclui a presença; mas é enigmático porque sugere muitas possíveis respostas.

O que sabemos do mistério do Deus-amor é o que a Escritura transmitida pela Igreja nos diz. E ali se atesta que não somente os milagres e as obras portentosas falam de Deus. O crucifixo falou-nos muito sobre Ele e continua falando até hoje, prova disso é que o conservamos visível em nossos lares e nos lugares públicos. E o crucifixo, diante do enigma da dor humana, revela a proximidade de Deus que se faz companheiro de viagem na vida do homem. “No silêncio em que Deus fala se experimenta a proximidade deste Deus cristão, a sua proximidade à nossa fragilidade e a sua comunhão com as nossas solidões” (Bruno Forte, Una teologia per la vita, p. 158). Entender o silêncio como uma resposta é um desafio para o crente. Diante da dor de uma pessoa, todos nós já fizemos a experiência e podemos testemunhar que é mais importante o abraço, a compaixão (sofrer com), o amor que se faz próximo de quem está arrasado pela dor do que oferecer respostas baratas. Para um cristão isso significa, concretamente, testemunhar o amor infinito de Deus, como o Filho fez com os braços abertos na Cruz, assumindo aquele sofrimento como algo pessoal. A revelação cristã nos leva a concluir que “o Deus cristão não é a mera resposta à pergunta sobre a dor, mas é Aquele que fez dela algo próprio, e assim, paradoxalmente, deu-lhe um horizonte de sentido possível. Paulo VI afirmava que Cristo não ofereceu respostas ao drama da nossa dor, mas fazendo-o pessoal, nos deu a certeza de que ele não é sem sentido no mistério de Deus. A fé não responde a tudo, mas nos garante uma guarda do sentido de viver, de sofrer, de amar e de morrer. Esta guarda é o amor infinito que o Crucifixo revelou na história. A ele é preciso abrir-se: e aqui está o desafio da fé”.

D. Gilson Andrade da Silva
Bispo Auxiliar de São Salvador da Bahia

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