A Mulher e o Sacramento da Ordem

Proêmio

“A ordenação sacerdotal, pela qual se transmite a missão, que Cristo confiou aos seus Apóstolos, de ensinar, santificar e governar os fiéis, foi na Igreja Católica, desde o início e sempre, exclusivamente reservada aos homens.” (João Paulo II. Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, 1)

Há tempos caladas, tímidas ressurgem as vozes feministas, bradando, qual satânico grito igualitário, pela ordenação das mulheres. Fugindo completamente do que já definiu a Igreja, juntam-se a elas, infelizmente, muitos sacerdotes e até Bispos que, esquecendo as mais básicas matérias da Teologia, teimam em afrontar o que Cristo ensinou.

Herdeiros de um recente passado revolucionário, e vivendo em um presente que caminha para outras etapas de semelhante processo, estamos como que colhendo frutos das várias transformações filosóficas sofridas pela humanidade nos últimos séculos. Tais mudanças, que muitos têm por evolução, mostram-se culpadas do atual declínio moral por que passa a sociedade contemporânea.

“Embora a doutrina sobre a ordenação sacerdotal que deve reservar-se somente aos homens, se mantenha na Tradição constante e universal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magistério nos documentos mais recentes, todavia atualmente em diversos lugares continua-se a retê-la como discutível, ou atribui-se um valor meramente disciplinar à decisão da Igreja de não admitir as mulheres à ordenação sacerdotal. Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.” (João Paulo II. Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, 4)

Já definiu o Papa João Paulo II, com sua autoridade apostólica, que a ordenação das mulheres não só é proibida como impossível. Veremos, no decorrer deste artigo, que a decisão do Santo Padre não é injustificada, e sim calcada na milenar doutrina da Igreja. Outrossim, não cabe ao Sumo Pontífice inventar ou reformular a doutrina, como será, adiante explicado. Tampouco, a negação da ordenação feminina é uma ofensa à dignidade da mulher ou um preconceito.

Tratar-se-ia de preconceito se não tivesse a Igreja Católica uma posição amplamente favorável à mulher. E não poderia ser diferente, uma vez que assim a razão nos ensina!

Seria preconceituosa uma Igreja que tem, acima de todos os seus santos, uma mulher como exemplo máximo de perfeição e a ela, Santíssima Virgem Maria, lhe presta culto muito superior a qualquer outro, somente abaixo da adoração a Deus devida?

Sustentar que a visão da Igreja Católica no que concerne ao sacramento da Ordem agride as mulheres, é desconhecer os capítulos propedêuticos da sagrada doutrina, e demonstrar confusão histórica ou total desonestidade intelectual. A Igreja sempre venerou as mulheres e, se lhes nega a participação no sacerdócio ministerial no Corpo de Cristo não é por outra razão senão a de respeitar o que o próprio Senhor assim revelou. O Papa e os Bispos não criam a doutrina, e sim a preservam, fielmente, mesmo à custa das novidades que o mundo apresenta, insaciável por pensamentos diferentes da sã revelação, a qual não suportam visto que não se coaduna com sua visão de mundo – marcadamente influenciada pelas teses dominantes, conforme veremos infra.

“Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério.” (2 Tm 4,1-5)

A Igreja Católica e Apostólica não muda. A Revelação foi toda feita até a morte do último Apóstolo, São João. Nada mais é acrescentado ao depósito da fé, que “a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tm 3,15), sobre a qual “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18), fielmente preserva, conforme o mandamento de São Paulo. “Guarda o precioso depósito, pela virtude do Espírito Santo que habita em nós.” (2 Tm 1,14) Se somos “concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus” (Ef 2,19-20), não nos é permitido apartar do conjunto das verdades reveladas aquelas que nos parecem um tanto desinteressantes. À Igreja não cabe mudar sua doutrina. Nós é que precisamos a ela nos submeter.

“Portanto, nós submetemos ao rigoroso interdito do anátema, se porventura qualquer um, ou nós mesmos, ou um outro, tiver a presunção de introduzir qualquer novidade em oposição à Tradição Evangélica, ou à integridade da Fé e da Religião, tentando mudar qualquer coisa concernente à integridade da nossa Fé, ou consentindo a quem quer que seja que pretendesse fazê-lo com ardil sacrílego.” (Papa Santo Agatão. Juramento Papal)

Pensar diferente é aderir à heresia modernista, tão bem explicada pelo Papa São Pio X, quando a condenou em sua Encíclica Pascendi Dominici Gregis, e usar de suas técnicas nefastas para fazer triunfar os princípios igualitários.

A doutrina católica sempre foi a mesma. É verdade que é possível haver um sadio desenvolvimento doutrinário, e isso iremos tratar um pouco mais adiante no presente ensaio. Todavia, só é verdadeiramente doutrinário aquilo que se ajusta ao que já ensinava São Vicente de Lérins: “Além disso, na própria Igreja Católica, todo o cuidado possível deve ser tomado, para que mantenhamos a fé que foi crida em toda parte, sempre e por todos. Pois isto é verdadeira e estritamente católico, e, como seu nome diz e a razão das coisas declara, compreende toda a universalidade. Esta regra nós observaremos se seguirmos a universalidade, a antigüidade e o consenso.” (Communitorium, 6)

Evolução histórica do igualitarismo

A raiz da causa pela ordenação feminina está na diabólica doutrina do igualitarismo, em que os movimentos feministas são apenas uma pequena peça no joguete subversivo, que pretende a tudo igualizar e, sem respeitar as diferenças que constróem uma sociedade harmônica e cristã, colocar abaixo todo o edifício da Criação e de suas leis.

Ao primeiro casal, Satanás já convidava que tentassem ser iguais a Deus (cf. Gn 3,5), lançando o tema que, mais tarde, seria largamente utilizado por Marx para insuflar as massas em busca da injusta e artificial igualdade entre as pessoas. Segundo a definição clássica, todos são iguais em sua essência, diferentes nos acidentes. É o que ensina o Santo Padre Leão XIII: “A igualdade dos diversos membros sociais consiste somente no fato de todos os homens terem a sua origem em Deus Criador; foram resgatados por Jesus Cristo e devem, segundo a regra exata dos seus méritos, serem julgados por Deus e por Ele recompensados ou punidos.” (Encíclica Quod Apostolici Muneris) O processo revolucionário, entretanto, confunde substância e acidente, apregoando que todos devem ser, necessária e absolutamente iguais nos vários âmbitos da convivência humana. Não é de se estranhar que a Teologia da Libertação, marxista, para conseguir seus objetivos, retire dos seminários onde é ela a escola dominante, todo fundamento de São Tomás de Aquino, que nos explicou os conceitos aristotélicos de substância, acidente e desigualdade. Leonardo Boff, Frei Clodovis Boff, Frei Betto, Rudolf Bultmann, Hans Küng, Dom Marcelo Barros, Dom Pedro Casaldáliga, Padre Teillard de Chardin, Padre Edward Schillebeeckx e outros modernistas (que incorreram em heresia na maioria dos pontos da doutrina por eles sustentada) substituem, infelizmente, em muitos dos nossos seminários, a obra tomista e a escolástica que a Igreja tanto preza. A Teologia transformou-se, em muitos centros de formação sacerdotal, numa espécie de Sociologia Religiosa, e a Filosofia apresenta-se, nesses mesmos centros, como uma vã tentativa de mesclar marxismo com escolástica – como impossível se torna, esquecem-na em prejuízo da doutrina, para a exaltação dos ideais revolucionários.

Claro que a aludida doutrina igualitária não poderia sobreviver muito tempo se de pronto fosse preconizada. Talvez fosse, até mesmo, rechaçada de pronto, se divulgada sem maiores explicações.

Em função de uma política estratégica, as hordas satânicas estabelecem degraus para instilar seu fétido veneno no mundo e, por sucessivas “descobertas” científicas e existenciais, sedimentam as bases de uma cultura radicalmente separada de Deus, na qual o Evangelho não se torna apenas uma das múltiplas formas válidas de culto e moral (o que é relativismo, e, portanto, heresia!), como, em situações extremas, torna-se perseguido, ao menos de maneira psicológica.

Desde o clamor do monge Lutero, pregando uma igualdade eclesial, os alicerces do edifício igualitário foram colocados nos seus devidos lugares. Na doutrina protestante, todos são iguais para interpretar a Bíblia. Não há necessidade de Papa nem de Magistério, pois o Espírito Santo a todos os crentes capacita. Faz da Igreja um corpo homogêneo em que as pessoas podem ter os mesmos poderes – o que, por si só, gerou a espantosa divisão no seio das comunidades protestantes. O clérigo, dizem os reformadores, não diferencia-se do leigo. A ordenação não é um sacramento, não confere graça; é apenas uma eleição da comunidade e uma entrega a Deus de um homem que tem por profissão ou vocação o pregar da Palavra.

A partir dessa igualdade religiosa, em que os padres são equiparados aos simples fiéis, e o sacerdócio hierárquico confundido com o sacerdócio comum de todos os batizados – doutrina semelhante, aliás, é pregada por muitos dos que hoje se dizem católicos, inclusive no meio de movimentos apostólicos -, o pensamento humanista estende suas portentosas garras, e alça sua corrida até a etapa seguinte da Revolução.

Não basta haver igualdade na religião, dizem os fautores do Iluminismo. O caminho até o reinado do pleno igualitarismo requer avançar para um segundo grau doutrinário: igualdade política. Duas cabeças surgem desse monstro. De um lado, o monarca começa a agir longe da doutrina da Igreja, afastando a coroa da Cruz, e eliminando os privilégios da nobreza – alguns justos, outros nem tanto; cria-se o absolutismo! Do outro, descontente com o despotismo reinante – criado pelo mesmo pensamento moderno em que se apóia, numa demonstração inconteste de esquizofrenia intelectual -, a burguesia une-se à castrada nobreza; eis a Revolução Francesa!

É dela que partirão os teóricos mais radicais, para começarem suas campanhas de uma nova forma igualitária: o comunismo, igualitarismo social. Proudhon escreve algumas teses. Marx e Engels promovem a codificação da doutrina. Bakunin radicaliza. Lênin encontra um povo, o russo, disposto a não mais aceitar alguns disparates – é assim que consideram – do czarismo. É feito o derramamento do heróico sangue eslavo… 1917!

Profunda é a ligação entre as três revoluções. Confirma-o o Papa Leão XIII: “Daquela heresia (protestantismo) nasceu no século passado o filosofismo, o chamado direito novo, a soberania popular, e recentemente uma licença, incipiente e ignara, que muitos qualificam apenas de liberdade; tudo isso trouxe essas pragas que não longe exercem seus estragos, que se chamam comunismo, socialismo e nihilismo, tremendos monstros da sociedade civil.” (Encíclica Diuturnum, 25).

Entrando numa nova etapa, em que socialistas não se dizem mais tão claramente defensores da ditadura do proletariado, e fingindo uma divisão na esquerda mundial, partidos centristas fazem o “meio de campo”, e ao lado de organizações eco-terroristas e de ONG’s desarmamentistas ou pró-homossexuais, inculcam na doentia mentalidade hodierna, a velha máxima de que a verdade não é absoluta – esquecendo-se de que essa máxima, para eles, é uma verdade e que, para manter coerência, nem ela deveria ser, portanto, absoluta. A História é distorcida, o passado heróico de um povo é negado, a Igreja é tratada como representante de uma moral arcaica, muitos católicos aderem a movimentos outrora condenados pelo Magistério, animais e plantas assumem o mesmo grau de dignidade dos seres humanos, o Direito passa a regular interesses socializantes, o primitivismo tribalista dos indígenas é tido como louvável, e o atraso tecnológico é idolatrado porque “não serve aos interesses capitalistas.” No meio disso tudo, o igualitarismo penetra na comunidade católica e, inclusive sob a forma do clamor pela ordenação de mulheres, tenta destruir, intra muros Ecclesiae, o seu maior inimigo: a Santa Igreja de Deus!

“A sociedade humana, tal qual Deus a estabeleceu, é formada de elementos desiguais, como desiguais são os membros do corpo humano; torná-los todos iguais é impossível: resultaria disso a própria destruição da sociedade humana.” (Papa Leão XIII. Encíclica Quod Apostolici Muneris)

Querendo ser igual a Deus, Satanás busca destruir a sociedade humana fazendo-a pensar que os homens são todos iguais. Não satisfeitos com isso, tentarão um dia, equiparar-se ao próprio Deus, se é que ainda crerão n’Ele. “Quando vier o Filho do homem, acaso achará fé sobre a terra?” (Lc 18,8)

Noções sobre desenvolvimento doutrinal

Argumentam os opositores da tese oficialmente acatada pela Santa Sé – da negação da ordenação sacramental às mulheres -, que a doutrina pode evoluir, e o que hoje pensamos ser errado, mais tarde poderá ser certo. Ora, isso é o cerne da heresia modernista, tão bem condenada pelos Papas.

Outra forma de penetração do erro modernista é a substituição dos termos tradicionais por outros, carregadas de forte conteúdo ideológico anti-católico, ou a manutenção do dogma com outra explicação porém, num ridículo e pernicioso evolucionismo doutrinário, já refutado pelo Papa Pio XII.

“No que se refere à teologia, alguns pretendem reduzir, quanto podem, o significado do dogma e libertar este do modo de exprimir-se, já desde muito usado na Igreja, e dos conceitos filosóficos em vigor entre os doutores católicos, para voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões da Sagrada Escritura e dos Santos Padres. Assim esperam eles que o dogma, despojado dos elementos que dizem extrínsecos à revelação divina, possa ser proveitosamente comparado com as opiniões dogmáticas daqueles que se separam da Igreja e deste modo se possa chegar pouco a pouco à assimilação mútua do dogma católico e das opiniões dos dissidentes. Além disso, reduzida a estes termos a doutrina católica, pensam eles que desembaraçam o caminho para, com a satisfação dada às necessidades do mundo hodierno, poder exprimir o dogma com as categorias da filosofia de nosso tempo, quer sejam do imanentismo, quer sejam do idealismo, quer sejam do existencialismo ou de qualquer outro sistema. E alguns mais audazes sustentam que isso se pode fazer e se deve fazer, porque os mistérios da fé, afirmam os tais, não se podem exprimir por meio de conceitos adequadamente verdadeiros, mas somente por meio de conceitos aproximativos e sempre mutáveis, através dos quais a verdade se manifesta, sim, mas ao mesmo tempo necessariamente se deforma. Daí que não crêem absurdo mas absolutamente necessário que a teologia, segundo as várias filosofias de que se sirva como de instrumentos no decurso dos tempos, substitua as noções antigas por outras novas e assim, de maneiras diversas, e até sob certos aspectos contrários, mas – como dizem – equivalentes, traduza em linguagem humana as mesmas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em apresentar as várias formas sucessivas de que se revestiu a verdade revelada, segundo as diversas doutrinas e opiniões que no volver dos séculos foram aparecendo.

É claro, do que dissemos, que essas tendências não somente levam ao relativismo dogmático, mas de fato já o contém. Relativismo esse que é por demais favorecido pelo desprezo que mostram para com a doutrina tradicional e para com os termos em que ele se exprime. Todos sabem que as expressões desses conceitos, usadas tanto no ensino das aulas como no mesmo Magistério da Igreja, podem ser melhoradas e aperfeiçoadas; é por outra parte bem sabido que a Igreja nem sempre usou constantemente determinadas expressões; é evidente também que a Igreja não pode estar ligada a um qualquer efêmero sistema filosófico; mas tais noções e tais expressões que com geral consenso foram através dos séculos encontrados e formuladas pelos doutores católicos para chegar a algum maior conhecimento e inteligência do dogma, sem dúvida que não se apóiam em um fundamento tão caduco. Apóiam-se, sim, em princípios e noções deduzidas de um verdadeiro conhecimento das coisas criadas; e na dedução de tais noções, a verdade, revelada como estrela, iluminou por meio da Igreja a inteligência humana. Portanto não é de maravilhar que algumas dessas noções tenham sido usadas em Concílios Ecumênicos, e que deles tenham recebido tal sanção que a ninguém é lícito afastar-se delas.

Por esses motivos, ter em pouco caso ou rejeitar ou privar do seu justo valor conceitos e expressões que foram encontradas e aperfeiçoadas para exprimir com exatidão as verdades da fé, por pessoas de inteligência e santidade nada vulgares, num trabalho muita vez plurissecular, sob a vigilância do Magistério da Igreja, e não sem uma ilustração e direção do Espírito Santo, e querer agora substituí-las por noções hipotéticas e por certas expressões flutuantes e vagas da nova filosofia, que à semelhança da flor dos campos hoje verdeja e amanhã já secou, é por certo uma grandíssima imprudência. Seria reduzir o dogma à condição da cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e das noções usadas pelos teólogos escolásticos por si mesmo conduz ao enfraquecimento da teologia denominada especulativa, que tais inovadores julgam, por se apoiar em razões teológicas, desprovidas de verdadeira certeza.” (Papa Pio XII. Encíclica Humani Generis, de 12 de agosto de 1950; 14-16)

Em outro campo, mas em íntima associação com essa idéia de evolução do dogma, está a posição daqueles teólogos favoráveis à ordenação feminina, que, dizendo-se, como a ortodoxia, inimigos do evolucionismo da doutrina, entendem, todavia, ser aquela proposição válida, por se tratar de um desenvolvimento natural do ensino católico, e não de uma mudança de essência naquilo que é pregado. Seu erro está, contudo, em que a o sadio desenvolvimento doutrinário não pode carregar em si contradições, de modo a percebermos um nítido contraste entre o que sempre foi crido e aquilo que se propõe a crer. Para haver desenvolvimento, deve existir a doutrina de sempre, ainda que, num determinado e primitivo momento, apenas em germe. É o que veremos a seguir.

Em sua magistral obra Essays on the Development of Christian Doctrine, o Cardeal Jonh Newman, anglicano convertido ao grêmio da verdadeira Igreja, sustenta que a doutrina cristã, como o título do livro bem diz, sofreu um natural desenvolvimento. E essa é a fé da Igreja Católica.

Como conciliar essa tese com o demonstrado anteriormente por São Vicente de Lérins?

Antes de mais nada, devemos ter em mente algo muito claro. A verdade foi revelada de uma vez por todas à Igreja. Nada mais há a ser acrescentado. Nem o Papa pode inventar uma nova doutrina. “Mas, ainda que alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gl 1,8-9)

Possuir uma única doutrina, imutável é garantia de que a Igreja possui a verdade. Estaríamos sem segurança, levados por qualquer vento de doutrina (cf. Ef 4,14), se não encontrássemos uma doutrina certa, definitiva e totalmente revelada. A unidade de doutrina reflete a unidade da Igreja e “fora dela não há salvação, nem remissão dos pecados” (Papa Bonifácio VIII. Bula Unam Sanctam). Igualmente não podemos pertencer à Igreja Una se confessamos doutrina diversa da revelada aos Apóstolos.

Escreve São Cipriano, Bispo de Cartago: “A Esposa de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e casta [Cf Ef 5,24-31]. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor, a inviolabilidade de um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e torna partícipes do Reino os filhos que gerou. Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja. O Senhor nos alerta e diz: “Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa” (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo. Diz ainda o Senhor: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30), e do Pai, do Filho e do Espírito Santo está escrito: “Estes três são um” (1Jo 5,7). Como poderá alguém pensar que esta unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza da unidade divina, e tão conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus, não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.” (A unidade da Igreja Católica, VI)

À gravidade do ensinamento apostólico, queremos aqui traçar breves linhas sobre como se dá o desenvolvimento de que falávamos.

Embora revelada de uma vez por todas, e presente na Igreja desde os tempos apostólicos, a doutrina católica nem sempre foi compreendida de forma perfeita por seus membros, ou explicitada pelos pastores legítima e validamente constituídos. Aos meios que Deus usou para fazer Sua Revelação chamamos Tradição Apostólica e Sagrada Escritura, quais sejam aquilo que foi ensinado oralmente e o que nos foi registrado pela pena dos autores sagrados. Coube ao Magistério dissipar as dúvidas, geralmente quando alguma heresia surgia. “Esta Tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Cresce, com efeito, a compreensão tanto das realidades como das palavras transmitidas, seja pela contemplação e estudo dos que crêem, os quais as meditam em seu coração (cf. Lc 2,19.51), seja pela íntima compreensão que desfrutam das coisas espirituais, seja pela pregação daqueles que com a sucessão do episcopado receberam o carisma autêntico da verdade. É que a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nelas as palavras de Deus.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Dei Verbum, 8)

“‘A Economia cristã, portanto, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo.’ (DV 2) Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos.” (Cat., 66)

Em todas as épocas da Igreja, segundo o “Communitorium” de São Vicente de Lérins, já aludido, se creu a mesma coisa e por todos. Tudo que disso se afasta não pertence ao depósito da fé católica, e, portanto, não é revelado por Deus.

Contudo, não podemos dizer, simplesmente, que os primeiros cristãos tinham a compreensão da doutrina que temos hoje, pois não dispunham dos conceitos que a Teologia e a Filosofia católicas foram desenvolvendo, assistidas prudencialmente pelo Espírito Santo. Bastaria perguntar, por exemplo, a São Pedro se cria numa Trindade consubstancial, ou se defendia a doutrina de que as Hipóstases se diferenciam apenas nas Suas missões próprias e que essa diferenciação se dá por oposição de relações, que veríamos o santo perdido em palavras e definições que não conhecia.

A doutrina da Trindade e das missões hipostáticas, entretanto, está lá, na Revelação divina, e obtém o amparo da Sagrada Escritura e da Tradição Apostólica. É como uma semente que, dentro de si, esconde toda uma árvore. A doutrina foi toda revelada, mas não nos termos como mais tarde a compreenderíamos; o que cremos hoje pode ter estado em germe no ensino dos primeiros Padres.

Outro exemplo, que nos ajuda a entender melhor esse desenvolvimento do dogma, refere-se ao perfeito entendimento de como está presente Nosso Senhor na Eucaristia. A Bíblia oferece suporte para que creiamos numa presença real. Contudo, como se dá essa realidade? Frente aos hereges que negavam a presença real e aos que confundiam a essência com os elementos acidentais em Cristo, teve a Igreja Católica que se pronunciar. E o fez a partir do dado dos Padres Antigos do Oriente e do Ocidente, os quais, interpretando a Sagrada Escritura, e tomando emprestado termos da filosofia grega, puderam dar um primeiro embasamento para o que seria, mais tarde, perfeitamente explicado por São Tomás de Aquino. Claro que o termo “transubstanciação” e a fórmula que ele significa – mudança da sustância do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Cristo, sem alteração da aparência dos elementos – não foram professados, nesses termos, pelos Apóstolos. Entretanto, com termos um pouco diferentes – digamos, primitivos – cunharam as bases para que a Igreja entendesse o que significa a presença eucarística de Jesus na hóstia consagrada. Não houve ruptura, ou ensino novo, mas um desenvolvimento de uma doutrina que estava toda revelada, mas em germe no período apostólico e patrístico, e que cresceu em perfeita harmonia com o que sempre se creu, em sintonia com o cânon de São Vicente de Lérins.

Deve-se condenar o modernismo, segundo o qual a doutrina evoluiu e os significados dos dogmas devem ser amoldados pelo tempo e pelas circunstâncias – é o terrível e herético progresso dogmático. Todavia, o sadio desenvolvimento – nunca evolução! – realmente acontece, seja porque a Igreja, com a ajuda do Espírito Santo compreendeu melhor determinado conceito que pertence a doutrina já revelada de uma vez por todas no início da pregação do Evangelho, seja porque, dadas as necessidades, viu-se diante de um novo problema ou de uma questão com a qual não tinha se deparado antes. “Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da reflexão e do estudo dos crentes , que as meditem no seu coração (cf. Lc 2,19-51),quer mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam um carisma seguro de verdade.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Dei Verbum, 7)

Assim, a Igreja não cria doutrina nem muda o significado da mesma. Porém, muitas vezes, explicita um pensamento contido na doutrina, ou responde se certa matéria pertence ou não ao dado revelado. Sempre que essa explicitação chega a uma formulação considerada perfeita pela Igreja, de modo que não caiba mais dúvida de que a expressão reflete a pureza do que foi revelado por Deus, estamos diante de um dogma. O dogma não é uma nova doutrina, mas a explicitação de um ponto doutrinário que antes não era tão claro e que, pelo desenvolvimento dos estudos teológicos, semânticos, filosóficos, jurídicos ou oriundos de ciência diversa, encontra momento certo de ser declarado.

Somente à autoridade da Igreja Católica, outrossim, é que compete definir se determinado ponto dogmático é um justo, sadio e coerente desenvolvimento doutrinário ou se não passa de uma perniciosa evolução, em que muda-se a essência do dado revelado. “Todavia, já que o salutar decreto dado pelo Concílio Tridentino sobre a interpretação da Sagrada Escritura para corrigir espíritos petulantes é erradamente exposto por alguns, Nós, renovando o mesmo decreto, declaramos que o seu sentido é que, nas coisas da fé e da moral, pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve-se ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação da Sagrada Escritura; e que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido ou também contra o consenso unânime dos Santos Padres.” (Concílio Ecumênico Vaticano I. Constituição Dogmática De Fide Catholica, DS 1788)

A missão própria da Igreja Católica, qual instituto fundado pelo próprio Senhor, é a de assegurar a pregação e a demonstração da verdade imutável através dos tempos, sempre procurando transmiti-la de um modo que o maior número possível de pessoas a compreenda, sem contudo traí-la. “Por conseqüência, tornamo-nos participantes de tal missão de Cristo profeta; e, em virtude da mesma missão e juntamente com Ele, servimos a verdade divina na Igreja. A responsabilidade por esta verdade implica também amá-la e procurar obter a sua mais exata compreensão, de maneira a torná-la mais próxima de nós mesmos e dos outros, com toda a sua força salvífica, com o seu esplendor e com a sua profundidade e simplicidade a um tempo.” (Papa João Paulo II. Encíclica Redemptor Hominis, 19)

Mesmo assim, uma nova explicitação ou uma formulação dogmática não pode contradizer o ensino já explícito da Revelação, seja por constar de suas fontes, a Tradição e a Bíblia, seja por ser definida pelo Magistério da Igreja. O dogma obriga e é definitivo porque se trata de um juízo da Igreja de que ele é coerente com sua doutrina sempre “crida em toda parte, sempre e por todos.” (São Vicente de Lérins. op. cit., 6)

Quando proclamado o dogma, não há mais razão para debates teológicos acerca do significado das questões doutrinárias dúbias que ele dirimiu. A Igreja, o Papa e os Concílios Ecumênicos por ele aprovados são infalíveis, conforme se extrai da decisão de um deles, o Primeiro do Vaticano: “Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ‘ex cathedra’, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.” (Concílio Ecumênico Vaticano I. Constituição Dogmática Pastor Aeternus, DS 1839)

De um lado, a Igreja Católica guarda e preserva o depósito apostólico da doutrina que recebeu de Cristo e dos Apóstolos, o qual não muda, não evolui; de outro, há um sadio desenvolvimento dessa doutrina, um melhor entendimento, um clarear de idéias, sempre em consonância com o que já foi explicitado – e com o que não precisa sê-lo, pois claríssimo está na Escritura e na Tradição -, sem mudança na essência dogmática e guiada, evidentemente, pelo Magistério Eclesiástico que é assistido pelo Espírito Santo.

Apliquemos o que acabamos de dizer à análise da possibilidade da ordenação feminina. Já transcrevemos alguns parágrafos de uma Carta Apostólica do Papa João Paulo II, escrita a esse respeito. Repetimos o que consideramos mais importante, para que o leitor perceba os termos que utiliza o Santo Padre, configurando-se sua declaração numa autêntica explicitação da fé católica uma vez revelada aos Apóstolos. “(…) declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.” (Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, 4)”

O poder de definir dogmas e de explicitar a doutrina revelada para que tenhamos a segurança da fé não depende da santidade ou da dignidade dos ministros que o detém. Trata-se de uma proteção para que a Igreja não sofra, na doutrina, pelos abusos que poderiam surgir, e que a triste história de alguns papas da Renascença infelizmente os confirmam. Dentre as Igrejas diocesanas em comunhão com Roma, cabe principalmente a esta última, que está na Cidade Eterna dos Apóstolos Pedro e Paulo, a defesa da fé, que se faz pela explicitação de termos difíceis, pelo desenvolvimento doutrinário e pela declaração dogmática.

“A mesma Igreja Romana tem o supremo e pleno primado e principado sobre toda a Igreja Católica, que verdadeira e humildemente reconhece haver recebido com a plenitude do poder, das mãos do próprio Senhor, na pessoa do Bem-aventurado Pedro, príncipe e cabeça dos Apóstolos, e cujo sucessor é o Romano Pontífice. E como está obrigada mais do que as demais a defender a verdade da fé, assim também, por seu juízo, devem ser defendidas as questões que acerca da fé surgirem.” (Concílio Ecumênico de Lião II. Profissão de fé de Miguel Paleólogo)

Como dissemos, a declaração do Papa foi definitiva, segundo suas próprias palavras. E o foi por estar em íntima sintonia com tudo aquilo que a Igreja sempre creu, por todos e em todos os lugares. Pelo artigo que ora apresentamos, fornecemos as provas de que nunca, em tempo algum, a Igreja Católica admitiu a hipótese de as mulheres receberem o sacramento da Ordem. Da mesma forma, não há, nas palavras de Cristo nem em Seus atos, suporte algum para que a errônea tese que o Sumo Pontífice condenou seja sustentada. Por fim, à luz da Tradição, teremos aos nossos olhos que não é possível deduzir dos escritos dos Padres a ordenação feminina tão defendida pelos modernistas (porque crêem na evolução doutrinária) e pelos pregadores igualitários (que não conseguem perceber que a harmônica desigualdade é querida por Deus, e pertence à ordeira disposição da sociedade). Para que haja um sadio desenvolvimento doutrinário, é preciso que encontremos na Bíblia e na Tradição, quiçá no próprio Magistério, elementos que permitam crer que tal tese poderia ter sido admitida anteriormente. Ora, o que se vê é justamente o contrário!

Evolução supõe, já o dissemos, mudança de substância, ao passo que desenvolvimento é uma mudança progressiva partindo de algo já existente e que não muda, de per si. Um exemplo: os primeiros cristãos acreditavam que a Santíssima Virgem tinha sido toda pura, kecharitomene, cheia de graça, gratia plena; isso constitui uma base sólida e coerente com a definição dogmática posterior da Imaculada Conceição. Outro exemplo: se Nossa Senhora era a Mãe de Cristo, e os Padres definiram que n’Ele há duas naturezas, mas uma só Pessoa, a divina, foi natural o desenvolvimento da doutrina de que Maria era Theotokos – para os gregos -, Mater Dei – para os latinos -, a Mãe de Deus. Ainda uma terceira ilustração: sempre se creu ser a Igreja Católica a única fundada por Nosso Senhor e que fora não havia salvação; o Concílio Vaticano II, ao contrário do que sustentam os modernistas, não acabou com tal doutrina ao afirmar a necessidade do diálogo ecumênico, pois às outras religiões cristãs Deus não permitiu que ficassem totalmente isoladas dos meios de salvação; também nelas há elementos salvíficos, embora o sejam de direito católicos; crer que fora da Igreja não há salvação não significa, nem nunca significou, conforme entendemos da Carta do Santo Ofício ao Bispo de Boston, redenção exclusivamente dentro dos limites visíveis da catolicidade; o que o ecumenismo vem sustentar, quando bem entendido, é um legítimo desenvolvimento do que Papas anteriores já falavam em relação aos cristãos hereges: ordinariamente estão privados dos meios da salvação, mas, pela pertença invisível à Igreja visível, podem vir a se salvar. Nada parecido encontramos na história, quando estudamos a questão da ordenação feminina. O testemunho unânime dos Padres, a voz dos Papas, o ensino da Escritura, a pregação dos Santos, os cânones dos Concílios, dão claro eco ao que sustentamos: não é possível ordenar-se validamente uma mulher.

De outra sorte, não cabe alegar aqui, principalmente em face dos motivos expostos, que a proibição da ordenação sacramental feminina pode ser melhor entendida e que, consoante um desenvolvimento doutrinário, possa um dia ser admitida. Isso seria confundir o desenvolvimento com a evolução dogmática, esta sim, condenada pela Igreja, uma vez que a substância doutrinária é alterada. Não pode uma explicitação derrogar algo definido anteriormente, pois isso seria atacar, frontalmente, a segurança que depositamos na Igreja como guardiã da verdade que vem de Deus. O desenvolvimento doutrinal acaba quando o Magistério formula um dogma, perfeita definição do que devemos crer, com as palavras mais seguras para expressar essa fé, e na certeza inabalável de que a infalibilidade garantida pelo Espírito Santo ao Romano Pontífice e aos Bispos em comunhão com ele, é manifesta quando da preservação do ensino bíblico e tradicional.

Por outro lado, se aceitássemos que o tema das ordenações possa ser desenvolvido até que cheguemos a admitir mulheres ao sacramento da Ordem, estaria tal ensino contrariando tudo o sempre foi crido pela Igreja; seria uma ruptura, uma mudança de essência. E toda mudança essencial não é justo desenvolvimento e sim evolução doutrinária, o que foi condenado pelos Papas, principalmente através do Syllabus do Beato Pio IX, e da Pascendi Dominici Gregis e do Lamentabili Sine Exitu de São Pio X. Também Gregório XVI, em uma encíclica da qual abaixo transcrevemos uns trechos, condena a mudança na essência da doutrina.

“Reprovável seria, na verdade, e muito alheio à veneração com que se devem acolher as leis da Igreja, condenar, somente por néscio capricho de opinião, a doutrina que foi por ela sancionado, na qual estão contidas a administração das coisas sagradas, a regra dos costumes e dos direitos da Igreja, a ordem e a razão dos seus ministros, ou então acoimá-la de oposicionista a certos princípios de direito natural, julgando-a deficiente e imperfeita, ou ainda sujeitando-a à autoridade civil. Constando, com efeito, como reza o testemunho dos Padres do Concílio de Trento (Sess. 13, dec. de Eucharistia in proœm.), que a Igreja recebeu sua doutrina de Jesus Cristo e dos seus Apóstolos, e que o Espírito Santo a está continuamente assistindo, ensinando-lhe toda a verdade, é por demais absurdo e altamente injurioso dizer que se faz necessária uma certa restauração ou regeneração, para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe novo vigor, como se fosse de crer que a Igreja é passível de defeito, ignorância ou outra qualquer das imperfeições humanas; com tudo isto pretendem os ímpios que, constituída de novo a Igreja sobre fundamentos de instituição humana, venha a dar-se o que São Cipriano tanto detestou: que a Igreja, coisa divina, se torne coisa humana (Ep. 52, edit. Baluz.). Pensem, pois, os que tal supõem, que somente ao Romano Pontífice como atesta São Leão, tem sido confiada a constituição dos cânones; e que somente a ele, que não a outro, compete julgar dos antigos decretos dos cânones, medir os preceitos dos seus antecessores para moderar, após diligente consideração, aquelas coisas, cuja modificação é exigida pela necessidade dos tempos (Ep. ad. episc. Lucaniae).” (Papa Gregório XVI. Encíclica Mirari Vos, de 14 de agosto de 1832)

Poderá uma doutrina como a ordenação de mulheres ser validamente aprovada pelo Magistério da Igreja, se contraria a totalidade dos escritos dos Doutores e dos Padres, não encontra guarida na Bíblia e, além disso, já foi condenada, explícita e implicitamente, por vários Papas?

É talvez aqui a ocasião de reafirmar o que sempre creu a Igreja, com uma das proposições do, infelizmente não tão conhecido, Juramento contra o Modernismo, de São Pio X: “…eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente.” (Papa Pio X. Juramento contra o Modernismo, a ser proferido por todos os membros do clero, pastores, confessores, pregadores, superiores religiosos e professores em seminários de filosofia e teologia; proposição quarta)

Vocações e ministérios distintos

“Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres; e todos fomos impregnados do mesmo Espírito. Assim o corpo não consiste em um só membro, mas em muitos. Se o pé dissesse: ‘Eu não sou a mão; por isso, não sou do corpo’, acaso deixaria ele de ser do corpo? E se a orelha dissesse: ‘Eu não sou o olho; por isso, não sou do corpo’, deixaria ela de ser do corpo? Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato? Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros como lhe aprouve. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: ‘Eu não preciso de ti’; nem a cabeça aos pés: ‘Não necessito de vós.’ Antes, pelo contrário, os membros do corpo que parecem os mais fracos, são os mais necessários. E os membros do corpo que temos por menos honrosos, a esses cobrimos com mais decoro. Os que em nós são menos decentes, recatamo-los com maior empenho, ao passo que os membros decentes não reclamam tal cuidado. Deus dispôs o corpo de tal modo que deu maior honra aos membros que não a têm, para que não haja dissensões no corpo e que os membros tenham o mesmo cuidado uns para com os outros. Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é tratado com carinho, todos os outros se congratulam por ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros. Na Igreja, Deus constituiu primeiramente os apóstolos, em segundo lugar os profetas, em terceiro lugar os doutores, depois os que têm o dom dos milagres, o dom de curar, de socorrer, de governar, de falar diversas línguas. São todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? Fazem todos milagres? Têm todos a graça de curar? Falam todos em diversas línguas? Interpretam todos?” (1 Co 12,12-30)

Da passagem acima, captamos diversas mensagens que o Apóstolo nos quis ensinar. A primeira é que a Igreja é una, e está unida a Jesus, qual cabeça unida ao corpo. “Quanto a Jesus Cristo e à Igreja, parece-me que são uma só coisa, e que não há questionamento sobre isto.” (Santa Joana d’Arc, Proc.) De Cristo, dizia São Paulo à Igreja de Colossos, “Ele é a cabeça do corpo, da Igreja” (Cl 1,18)

Todos somos um, quando unidos à Igreja e, por ela, a Nosso Senhor. Esta é a segunda mensagem, e reza que não nos unimos apenas a Nosso Senhor, mas entre nós mesmos: “Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3,37-38)

Quanto à terceira mensagem, parece ser contrária à segunda, o que veremos não proceder. Sim, por causa de Cristo somos iguais em nossa substância e dignidade, eis que todos somos filhos de Deus, adotados no Batismo e, antes disso, criaturas feitas à imagem e semelhança do mesmo Deus (cf. Gn 1,26-27). Entretanto, na mesma citação da Primeira Carta aos Coríntios, que transcrevemos acima, percebemos a desigualdade acidental das pessoas. Somos iguais na essência, mas desiguais no acidente, e essa desigualdade, em Deus, se faz harmônica. Não prega o Evangelho, como pretendem os comunistas e teólogos da libertação, a supressão das desigualdades sociais, econômicas, políticas, e sim a harmonia entre os desiguais. Desagrada tanto a Deus quanto à Igreja, Seu Povo (cf. Cat. 781-782), a brutal injustiça com que muitos pobres vivem, é verdade. Todavia, também é injustiça e, por isso mesmo detestável por Deus e pela Santa Igreja, o igualitarismo, em que todos os membros são tornados iguais também em seus acidentes. Não é pelo marxismo e por quaisquer outras formas de socialismo que as injustiças serão resolvidas, mas pela harmonização das desigualdades, tal como na Idade Média, a qual o Papa Leão XIII elogiou publicamente, defendendo a posição da Igreja: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.” (Encíclica Immortale Dei, de 1 de novembro de 1885)

Somos iguais em essência, mas diferentes nos acidentes, e exatamente por isso é que São Paulo compara a Igreja a um corpo. Com as nossas diferenças, podemos fazer parte de único corpo, e termos uma função insubstituível na realização do apostolado querido por Nosso Senhor. “Contudo, desde a origem esta Igreja una se apresenta com uma grande diversidade, que provém ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem. Na unidade do Povo de Deus se congregam as diversidades de dons, de encargos, de condições e de modos de vida.” (Cat., 814) Cada diferença só existe e é querida por Deus em vista da funcionalidade do Corpo Místico que é a Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica. E na soma dessas diferenças, compreendemos a grande sabedoria do Senhor em dispor-nos qual riqueza una e diversa ao mesmo tempo. Todos têm sua função, seu carisma, sua missão na obra apostólica da Igreja.

Da mesma maneira que a alguns é dado um dom qualquer e a outros não, em vista de certas habilidades naturais – não dará o Senhor um chamado de ser um eloqüente pregador a um surdo-mudo, por exemplo; ou de motorista do Bispo a um tetraplégico; tampouco vocacionará alguém odiado por um certa cultura, por exemplo, para que lhes pregue o Evangelho, sem prepará-los, sob pena de a evangelização nem ser iniciada; ou a quem não sabe nem tem aptidão para aprender línguas o chamado missionário além-fronteiras -, podemos afirmar que pertence à disposição de Deus estabelecer diferenças entre o homem e a mulher.

Fisicamente já percebemos as diferenças que existem entre os dois sexos. Estudando a estrutura psicológica de ambos, percebemos outras ainda, e que a observação empírica dos distintos comportamentos de um e outro nos confirma.

Além do mais, não há como negar que certas funcionalidades biológicas caracterizam os diferenciais sexuais. Uma mulher pode dar à luz, pode gestar uma outra vida em si, pois por Deus foi ordenada, naturalmente, e nela foi criada, pela Providência, um aparelho próprio para tal tarefa. Mesmo que queira, não é possível ao homem engravidar. Sua função é outra: impregnar a mulher, comunicar-lhe o sêmen que, saindo de si, encontra o óvulo e o fecunda, iniciando uma nova vida.

“A maternidade comporta uma comunhão especial com o mistério da vida, que amadurece no seio da mulher: a mãe admira este mistério, com intuição singular ‘compreende’ o que se vai formando dentro de si. A luz do ‘princípio’, a mãe aceita e ama o filho que traz no seio como uma pessoa. Este modo único de contato com o novo homem que se está formando cria, por sua vez, uma atitude tal para com o homem . não só para com o próprio filho, mas para com o homem em geral . que caracteriza profundamente toda a personalidade da mulher. Considera-se comumente que a mulher, mais do que o homem, seja capaz de atenção à pessoa concreta, e que a maternidade desenvolva ainda mais esta disposição. O homem . mesmo com toda a sua participação no ser pai . encontra-se sempre ‘ fora’ do processo da gestação e do nascimento da criança e deve, sob tantos aspectos, aprender da mãe a sua própria ‘paternidade’. Isto . pode-se dizer . faz parte do dinamismo humano normal do ser genitores, também quando se trata das etapas sucessivas ao nascimento da criança, especialmente no primeiro período. A educação do filho, globalmente entendida, deveria conter em si a dúplice contribuição dos pais: a contribuição materna e paterna. Todavia, a materna é decisiva para as bases de uma nova personalidade humana.” (Papa João Paulo II. Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, 18)

Por essa razão, simples, é que o carisma de ser mãe é próprio da mulher. Imaginaríamos o ridículo de um movimento machista, clamando pelo direito dos homens de serem mães? É o mesmo que os grupos feministas instalados em vários setores mais liberais da Igreja de Cristo querem, guardadas as diferenças entre ser o dom da maternidade algo biológico, natural, e o dom do sacramento da Ordem espiritual, sobrenatural. Ora, se ainda conservamos um mínimo de fé católica ainda não contaminada por materialismo e racionalismo, não nos é difícil rechaçar, de pronto, o argumento dos que propugnam, atacando nossa explicação, serem as coisas biológicas determinadoras de certas condições, negando às espirituais tal faculdade. Quem lhes deu autoridade para assim decidirem, eis que, conforme o aforismo jurídico, o acessório segue o principal? – e o principal, no caso em tela, é o sobrenatural, ao qual segue o biológico e o físico, àquele se subordinando.

Muito acertadamente, o Código de Direito Canônico, chama a atenção para a questão das vocações ordenadas sacramentalmente: “Só um varão batizado pode receber validamente a ordenação sagrada.” (cân. 1024, CIC)

Só uma mulher pode ser ordenada naturalmente para ser mãe. Só um homem pode ser ordenado sobrenaturalmente para ser sacerdote, cuja teologia própria iremos estudar logo a frente, a fim de que não mais restem dúvidas sobre a razão da ensino católico quanto a esse aspecto. Não se trata, ressalte-se, de proibir a ordenação feminina, mas de reconhecer sua nulidade e inexistência. A Igreja não está negando às mulheres uma participação no sacramento da Ordem, e sim proclamando que a doutrina que ela recebeu – e não que foi inventada por ela, ainda que tenha cabido a ela seu sadio desenvolvimento – é clara em estabelecer diferenças entre o homem e a mulher, de modo que a esta caibam muitas coisas que àquele não é possível executar, e que o inverso também é válido.

Teologia do sacerdócio

Impossível compreender a noção católica de sacerdócio – baseada na Revelação divina, e portanto, mais do que uma opinião teológica ou uma teoria, é a doutrina do próprio Deus emanada -, sem atentarmos para a missão sacerdotal de Cristo: ser ponte, pontífice, por sobre o abismo do pecado, que separa uma humanidade pecadora de um Deus santo.

Jesus Cristo, Nosso Senhor e Redentor, oferece-se como vítima na cruz, e morre em nosso lugar, como um legítimo sacrifício de odor suave e agradável a Deus. Separado do Criador pelo pecado, livre e consciente, a criatura não tem direito algum de ser perdoada por Deus ou reintegrada na Sua paz. A obra da reconciliação não tem raízes na justiça divina apenas, senão em Seu amor. No dizer de São Serafim de Sarov, monge russo e mestre espiritual, não devemos, em certo sentido, falar que Deus é justo, pois dessa forma não teria Ele mandado Jesus para morrer na cruz em nosso lugar. Não tem Deus o dever de nos salvar. Se quisesse nos deixar todos à mercê de nossa sorte, e condenados ao inferno, poderia tê-lo feito. Por não o fazer, é que concluímos que a redenção, como a criação e todos os atos de Deus, foi proporcionada pelo amor e pela misericórdia divinas. Se Deus nos salva é porque nos ama.

Já os pagãos, que, por serem homens, apesar do pecado não perderam o senso de que estão separados da divindade, seja ela qual for, ofereciam sacrifícios para o perdão dos pecados e para aplacar a ira divina.

Aproveitando-se desse sentimento religioso, comum a todos os povos e culturas, Deus mostra ao Seu Povo Eleito, Israel, de onde deveria sair o Messias, Jesus de Nazaré, um modo de oferecer tais sacrifícios, motivando-os a, na oportunidade da vinda do Cristo, reconhecerem em sua religião mosaica um símbolo e uma antecipação preparatória do único, suficiente e verdadeiro sacrifício que seria oferecido por Ele na cruz. Jesus Cristo é Sacerdote, é vítima, e Sua cruz é o altar onde Ele se oferece. “Tal é, com efeito, o Pontífice que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado além dos céus, que não tem necessidade, como os outros sumos-sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro pelos pecados próprios, depois pelos do povo; pois isto o fez de uma só vez para sempre, oferecendo-se a si mesmo.” (Hb 7,26-27)

Nosso Senhor é o Sumo-sacerdote por excelência, do qual os antigos sacerdotes levíticos do Velho Testamento eram apenas sombras, sinais. A Cruz de Cristo, Sua morte, Seu sacrifício pagou o preço de nossos pecados, e pudemos, assim, ser reconciliados com Deus, tal é a obra de Jesus, grandiosa missão!

Todavia, o sacrifício de Jesus não é limitado ao tempo e ao espaço. Como sinal de nossa salvação e ocasião em que se unem novamente os céus e a terra, Deus faz o evento histórico da morte de Cristo perpetuar-se no tempo e no espaço, atualizando tão terrível e grandioso acontecimento. “É um evento real, acontecido na nossa história, mas é único: todos os outros eventos da história acontecem uma vez e depois passam, engolidos pelo passado. O mistério pascal de Cristo, ao contrário, não pode ficar somente no passado, já que pela sua morte destruiu a morte, e tudo o que Cristo é, fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e por isso abraça todos os tempos e nele se mantém permanentemente presente. O evento da Cruz e da Ressurreição permanece e atrai tudo para a Vida.” (Cat., 1085) Dita perpetuação do único e suficiente sacrifício, oferecido de modo definitivo, se faz na Santa Missa. É ela a renovação do Calvário. Não um novo sacrifício, nem mesmo uma mera representação piedosa do único sacrifício, mas este tornado novamente presente, rompendo as barreiras espaço-temporais pelo poder do Espírito Santo.

E, assim como na Cruz foi Cristo quem se entregou por nós, na Santa Missa, por ser o mesmo e único sacrifício perpetuado, é Ele quem continua a se oferecer ao Pai pelo perdão de nossos pecados. Como, entretanto, Ele continua essa obra? Pelo padre! O sacerdote católico só é sacerdote enquanto unido ao único verdadeiro Sumo-sacerdote, Jesus Cristo, Nosso Rei e Salvador. Os sacerdotes católicos são os membros ordenados da Igreja, aqueles que, pelo sacramento da Ordem, estão de uma maneira muito íntima ligados a Cristo, de uma forma mais excelente do que o laço que nos une todos a Ele pelo Batismo. E essa união com Cristo se dá justamente em função de que o padre deve receber do Sacerdócio de Jesus o seu próprio sacerdócio, e não pela santidade pessoal do ministro. Ser sacerdote católico significa participar, sacramentalmente, do Sacerdócio de Jesus Cristo, pois Ele é o único, verdadeiro, eterno e suficiente Sacerdote da Nova Aliança.

Quando Cristo chama sacerdotes para Sua Santíssima Igreja Católica, Sua vontade é de associar homens a Si que possam manter a continuidade do sacrifício da Cruz oferecido sob a forma da Santa Missa. O padre católico está em função da Missa, da Eucaristia, do perdão dos pecados. Esse é o seu sacerdócio. Da mesma forma como os sacerdotes das religiões pagãs tentavam se unir à divindade, e semelhantemente aos sacerdotes do Antigo Testamento que, por disposição de Deus, ofereciam um simbólico sacrifício pela remissão dos pecados e como forma de preparar o único e suficiente sacrifício que viria em Jesus Cristo, assim os sacerdotes da Igreja, ao celebrarem a Missa e administrarem os sacramentos, tornam viva a obra de Cristo. O padre é um alter Christus, um outro Cristo, pois a Ele está especialmente associado pelo sacramento da Ordem, que confere à sua alma caráter indelével e poder próprio para que continue o ministério de Nosso Senhor. “Disse-lhes outra vez: ‘A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim eu também vos envio a vós.'” (Jo 20,21) O único Sacerdócio é o de Jesus Cristo. Os presbíteros e Bispos da Igreja não são outros sacerdotes, concorrentes de Cristo ou auxiliares d’Ele, mas pessoas que, pela Ordem, aderem a Jesus de um modo todo especial, e às quais o Espírito Santo, pelo sacramento, comunica uma união com o Senhor, uma participação no Seu único Sacerdócio. A identidade do sacerdote é ser um outro Cristo.

Para um maior entendimento do sacramento da Ordem, selecionamos as seguintes passagens do Magistério Eclesiástico, auto-explicativas:

“O sacrifício e o sacerdócio de tal modo estão unidos por determinação de Deus, que tanto um como outro se encontram em cada lei. Como, pois, no Novo Testamento, a Igreja Católica recebeu, por instituição do Senhor, o santo e visível sacrifício da Eucaristia, devemos também confessar que nele há um novo sacerdócio visível e exterior (cân. 1), para o qual o antigo se transferiu (Heb 7, 12 ss). Este sacerdócio, como mostram as Sagradas Escrituras, como ensinou sempre a Tradição da Igreja Católica, foi instituído por nosso Salvador (cân. 3), o qual deu aos Apóstolos e seus sucessores no sacerdócio o poder de consagrar, de oferecer e de ministrar o seu Corpo e Sangue, bem como de perdoar e reter os pecados (cân. 1).” (Concílio Ecumênico de Trento. Decreto sobre o Sacramento da Ordem, Sessão XXIII, 1. DS 957)

“Sendo manifesto pelo testemunho da Escritura, pela Tradição apostólica e pelo unânime consenso dos Padres, que pela sagrada ordenação, ministrada com palavras e sinais exteriores, se confere a graça, ninguém deve duvidar que a Ordem seja verdadeira e propriamente um dos sete sacramentos da santa Igreja. O Apóstolo é quem o diz: Admoesto-te a que ressuscites a graça que está em ti pela imposição das minhas mãos. Pois Deus não nos concedeu o espirito de temor, mas de virtude, de amor e sobriedade (2 Tim 1,67; cfr. 1 Tim 4, 14).” (Concílio Ecumênico de Trento. Decreto sobre o Sacramento da Ordem, Sessão XXIII, 3. DS 959)

“Se alguém disser que no Novo Testamento não há sacerdócio visível e externo, ou que não há poder algum de consagrar e oferecer o verdadeiro Corpo e Sangue do Senhor, bem como de perdoar e reter os pecados, mas há apenas um simples ministério de pregar o Evangelho, ou que aqueles que não pregam não são absolutamente sacerdotes – seja excomungado.” (Concílio Ecumênico de Trento. Cânones sobre o Sacramento da Ordem, Sessão XXIII, cân. 1. DS 961)

“O presbítero, de fato, em virtude da consagração que recebe pelo sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado de modo especial para viver e atuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo.” (Papa João Paulo II. Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, 12)

Como um verdadeiro sacramento, isto é, sinal visível de uma graça invisível, a Ordem tem um efeito sobre quem a recebe: tornar o sujeito um outro Cristo, consagrando-o para exercer, não apenas em nome do Senhor, mas na Pessoa mesmo d’Ele, o mesmo ministério na Cruz exercido. A Ordem é uma participação do ordenando no único Sacerdócio de Cristo. Temos, pelo Batismo, uma certa participação nesse aspecto da vida de Jesus: é o chamado sacerdócio comum dos fiéis, pelo qual oferecemos a Deus um sacrifício espiritual pela nossa vida de santidade. Difere-se esse sacerdócio comum do sacerdócio ordenado, hierárquico, porque com este, o sacrifício oferecido não é apenas uma demonstração de gratidão para com Deus, mas aquela oblação ofertada no altar do Calvário, em que o Senhor clamou: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lc 23,46)

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio hierárquico ordenado

Todos fomos resgatados em Jesus Cristo, de modo que, pelo Batismo, participamos plenamente da vida em Deus. Aquilo que Cristo é por Sua natureza, nós nos tornamos pela graça: filhos e filhas de Deus, Nosso Senhor e Criador.

Quando aderimos à graça, correspondendo a ela pela fé e pelos sacramentos, especialmente pelo Batismo, iniciamos o processo de justificação, ao fim do qual, numa série de apelos de Deus e de livres respostas de nossa parte, nos tornaremos perfeitos como Ele é perfeito. A justificação não é apenas uma declaração forense, jurídica, de Deus de que somos considerados justos, como sendo a graça um mero revestimento que esconderia nossa mais íntima condição pecaminosa. Esse é o pensamento protestante. Pela graça, tornamo-nos aptos a iniciar nossa caminhada de santificação, durante o qual essa mesma graça nos encherá cada vez mais, de modo que sejamos justos de fato e não somente de direito. A graça realmente transforma o coração do crente que a ela corresponde. “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito.” (Rm 12,2) Os Padres Gregos chamam esse aperfeiçoamento na santidade de divinização. A Teologia medieval convencionou chamar de adoção, eis que é isso que Deus nos faz em Cristo.

“Mas um dia apareceu a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens. E, não por causa de obras de justiça que tivéssemos praticado, mas unicamente em virtude de sua misericórdia, ele nos salvou mediante o batismo da regeneração e renovação, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido em profusão, por meio de Cristo, nosso Salvador, para que a justificação obtida por sua graça nos torne, em esperança, herdeiros da vida eterna.” (Tt 3,4-7)

Um dos efeitos do Batismo, conferido pela graça, vemos, é a associação a Cristo, pois somente n’Ele temos como nos livrar da condenação eterna. Não há outro caminho: ou estamos em Deus ou contra Ele. “Quem não está comigo está contra mim;” disse Nosso Senhor, “e quem não ajunta comigo, espalha.” (Mt 12,30) A salvação não é nada mais senão um tornar-se semelhante a Cristo, um realizar cotidiano da vontade de Deus, “até que todos todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo.” (Ef 4,13)

Cristo era Rei, Sacerdote e Profeta. Rei, pois da Casa de Davi, conforme as profecias – logo, Rei humano de Israel – e, ao mesmo tempo, Deus – logo, Rei divino do universo. Sacerdote, pois se ofereceu no altar da cruz para nossa salvação e perdão dos pecados. Profeta, pois era enviado do Pai, realizou milagres e fez profecias. Nós, a Igreja Católica, somos chamados a ser um povo de reis, sacerdotes e profetas.

Ainda que não participemos, enquanto leigos, da função sacerdotal por excelência de Cristo – isso, só aqueles que receberam a ordenação sacerdotal e, de uma certa maneira, ainda incompleta, a diaconal -, recebemos, por nossa associação batismal a Nosso Senhor o sacerdócio comum dos fiéis.

Explica-nos tal doutrina o Concílio Vaticano II:

“Cristo Senhor, Pontífice tomado dentro os homens (cf. Hb 5,1-5), fez do novo povo ‘um reino e sacerdotes para Deus Pai’ (Ap 1,6; cf. 5,9-10). Pois os batizados, pela regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados como casa espiritual e sacerdócio santo, para que por todas as obras do homem cristã ofereçam sacrifícios espirituais e anunciem os poderes d’Aquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cf. 1 Pe 2,4-10). Por isto todos os discípulos de Cristo, perseverando em oração e louvando juntos a Deus (cf. At 2,42-47), ofereçam-se como hóstia viva, santa, agradável a Deus (cf. Rm 12,1). Por toda parte dêem testemunho de Cristo. E aos que o pedirem dêem as razões da sua esperança da vida eterna (cf. 1 Pe 3,15).

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo e O oferece a Deus em nome de todo o povo. Os fiéis, no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na oblação da Eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade ativa.” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, 10)

Percebemos que o sacerdócio comum do qual todos participamos é uma forma de oferecer-nos a nós mesmos a Deus. Unimos, pela nossa vida, em virtude do Batismo, nosso sacrifício diário ao sacrifício de Cristo na Cruz. “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja.” (Cl 1,24) Deus, entretanto, não necessita de nossos sacrifícios, nem mesmo para nos perdoar, eis que Jesus já ofereceu um único e suficiente sacrifício para a remissão de nossas faltas diante do Altíssimo, e esse é oferecido todos os dias, de modo diverso, e renovado em cada Santa Missa, por um sacerdote ordenado, que age na Pessoa de Cristo. O sentido de nossos sacrifícios diários é outro, como nos ensina Santo Irineu de Lião: “Fazemos ofertas a Deus, não como se Ele precisasse delas, mas para Lhe agradecer com os Seus próprios dons e santificar a criação. Não é que Deus tenha necessidade de alguma coisa que provém de nós, mas somos nós que necessitamos de oferecer alguma coisa a Ele.” (Adversus Haeresae, IV, 18, 6)

Diz-nos o Vaticano II que os sacerdócio ordenado e comum dos fiéis não se diferenciam apenas em grau, senão em essência. Não é uma simples questão de hierarquia, à moda protestante – o pastor, para eles, não recebe um sacramento, apenas uma delegação de poderes da Igreja, e é, portanto, uma espécie de leigo separado para o ministério da Palavra e dos atos sacramentais por eles admitidos. Trata-se, isso sim, de uma diferenciação substancial; há uma impressão de caráter na alma do ordenando que não existe no simples fiel que exerce o sacerdócio comum. Ambos participam do sacerdócio de Cristo, mas não somente em intensidades diferentes no exterior, no aspecto extrínseco, prático. A diferença é também espiritual, interior, intrínseca, fruto de um novo sacramento, que, como tal, é sinal visível de uma graça invisível, qual seja uma associação especial ao ministério sacerdotal de Nosso Senhor Jesus Cristo, a ponto de agir não apenas em nome d’Ele, mas em Sua santíssima Pessoa.

Entretanto, cabe a nós, batizados, leigos ou religiosos não-sacerdotes, assumirmos os compromissos de nosso Batismo, e sermos, na medida de nosso sacerdócio comum, ligados, em nossa forma característica, a Cristo-Sacerdote, Nosso Rei, oferecendo nossa vida como prova de amor a Ele, em constante oblação. Entre os não-ordenados, contam-se os religiosos e os leigos. A esses últimos, cabe “buscar o Reino de Deus, tratando das coisas temporais e orientando-as segundo o plano de Deus.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 31)

Expressão típica do sacerdócio comum dos fiéis cristãos é cotidiano labor em oferecimento a Deus, a vivência do estado – pai, filho, religioso, estudante, profissional – e dos deveres a ele inerentes, a elevação do pensamento ao Senhor no desempenhar das tarefas pela vida impostas, e a vida apostólica na exata proporção dos dons e do chamado pelo Espírito Santo feito. O mandato missionário é exemplo característico desse último aspecto do leigo-sacerdote: “Os últimos Pontífices têm insistido bastante na importância do papel dos leigos para a actividade missionária. Na Exortação apostólica Christifideles laici, também eu tratei explicitamente da ‘missão permanente de levar o Evangelho a todos quantos – e são milhões e milhões de homens e de mulheres – ainda não conhecem Cristo redentor do homem’, e do respectivo compromisso dos fiéis leigos. A missão é de todo o Povo de Deus: se é verdade que a fundação de uma nova Igreja requer a Eucaristia, e, por conseguinte, o ministério sacerdotal, todavia a missão, que comporta as mais variadas formas, é tarefa de todos os fiéis. (…) Os sectores da presença e da acção missionária dos leigos são muito amplos. ‘O primeiro campo (…) é o mundo vasto e complicado da política, da realidade social, da economia’, no plano local, nacional e internacional. No âmbito da Igreja, existem vários tipos de serviços, funções, ministérios e formas de animação da vida cristã. Recordo, como novidade surgida recentemente em bastantes Igrejas, o grande desenvolvimento dos ‘Movimentos eclesiais’, dotados de dinamismo missionário. Quando se inserem humildemente na vida das Igrejas locais e são acolhidos cordialmente por Bispos e sacerdotes, nas estruturas diocesanas e paroquiais, os Movimentos representan um verdadeiro dom de Deus para a nova evangelização e para a actividade missionária propriamente dita. Recomendo, pois, que se difundam e sirvam para dar novo vigor, sobretudo entre os jovens, à vida cristã e à evangelização, numa visão pluralista dos modos de se associar e exprimir. Na actividade missionária, devem-se valorizar as várias expressões do laicado, respeitando a sua índole e finalidade: associações do laicado missionário, organismos cristãos de voluntariado internacional, movimentos eclesiais, grupos e sodalícios de vário género, sejam aproveitados na missão ad gentes e na colaboração com as Igrejas locais. Deste modo se favorecerá o crescimento de um laicado maduro e responsável cuja ‘formação, nas jovens Igrejas, se requer como elemento essencial e irrenunciável da plantatio Ecclesiae’.” (Papa João Paulo II. Encíclica Redemptoris Missio, de 7 de dezembro de 1990; 71-72)

Pelo Batismo, todos os crentes participamos, de alguma maneira, no sacerdócio único de Cristo Jesus, conforme ensina o Santo Padre João Paulo II, em uma conhecida Exortação Apostólica. Nele encontramos como que uma fórmula de melhor exercer o sacerdócio comum, que em nenhuma circunstância deve ser confundido com o ordenado, este sim, sacerdócio intimamente ligado a Jesus Cristo, enquanto instrumento do Espírito para tornar atuais os efeitos da Redenção uma vez por todas operada.

“Dirigindo-se aos baptizados como a crianças recém-nascidas, o apóstolo Pedro escreve: ‘Agarrando-vos a Ele pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, vós também, quais pedras vivas, sois usados na construção de um edifício espiritual, por meio de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo… Vós, porém, sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo que Deus adquiriu para anunciar as maravilhas d’Aquele que vos chamou das trevas à Sua luz admirável …’ (1 Ped 2, 4-5. 9).

Eis um novo aspecto da graça e da dignidade baptismal: os fiéis leigos participam, por sua vez, no tríplice múnus – sacerdotal, profético e real – de Jesus Cristo. Trata-se de um aspecto que a tradição viva da Igreja nunca esqueceu, como resulta, por exemplo, da explicação que Santo Agostinho deu do Salmo 26. Escreve ele: ‘David foi ungido rei. Naquele tempo ungiam-se apenas o rei e o sacerdote. Nessas duas pessoas prefigurava-se o futuro único rei e sacerdote, Cristo (daí que ‘Cristo’ venha de ‘crisma’). Não foi, porém, ungido apenas a nossa Cabeça, mas fomos ungidos também nós, Seu corpo… Por isso, a unção diz respeito a todos os cristãos, quando no tempo do Antigo Testamento pertencia apenas a duas pessoas. Deduz-se claramente sermos nós o corpo de Cristo, do facto de sermos todos ungidos e de todos sermos n’Ele ‘cristos’ e Cristo, porque, de certa forma, a Cabeça e o corpo formam o Cristo na sua integridade’.

Nas pisadas do Concílio Vaticano II, propus-me, desde o início do meu serviço pastoral, exaltar a dignidade sacerdotal, profética e real de todo o Povo de Deus, afirmando: ‘Aquele que nasceu da Virgem Maria, o Filho do carpinteiro – como o julgavam – o Filho do Deus vivo, como confessou Pedro, veio para fazer de todos nós ‘um reino de sacerdotes’. O Concílio Vaticano II recordou-nos o mistério deste poder e o facto de que a missão de Cristo – Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei – continua na Igreja. Todos, todo o Povo de Deus participa nesta tríplice missão.’

Com esta Exortação mais uma vez convido os fiéis leigos a reler, a meditar e a assimilar com inteligência e com amor a rica e fecunda doutrina do Concílio sobre a sua participação no tríplice múnus de Cristo. Eis agora em síntese os elementos essenciais dessa doutrina.

Os fiéis leigos participam no múnus sacerdotal, pelo qual Jesus se ofereceu a Si mesmo sobre a Cruz e continuamente Se oferece na celebração da Eucaristia para glória do Pai e pela salvação da humanidade. Incorporados em Cristo Jesus, os batizados unem-se a Ele e ao Seu sacrifício, na oferta de si mesmos e de todas as suas atividades (cf. Rom 12, 1-2). Ao falar dos fiéis leigos, o Concílio diz: ‘Todos os seus trabalhos, orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cf. 1 Ped 2, 5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo.’

A participação no múnus profético de Cristo, ‘que, pelo testemunho da vida e pela força da palavra, proclamou o Reino do Pai’, habilita e empenha os fiéis leigos a aceitar, na fé, o Evangelho e a anunciá-lo com a palavra e com as obras, sem medo de denunciar corajosamente o mal. Unidos a Cristo, o ‘ grande profeta’ (Lc 7, 16), e constituidos no Espírito ‘ testemunhas’ de Cristo Ressuscitado, os fiéis leigos tornam-se participantes quer do sentido de fé sobrenatural da Igreja que ‘ não pode errar no crer’ quer da graça da palavra (cf. Act 2, 17-18; Ap 19,10); eles são igualmente chamados a fazer brilhar a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana, familiar e social, e a manifestar, com paciência e coragem, nas contradições da época presente, a sua esperança na glória ‘também por meio das estruturas da vida secular.’

Ao pertencerem a Cristo Senhor e Rei do universo, os fiéis leigos participam no Seu múnus real e por Ele são chamados para o serviço do Reino de Deus e para a sua difusão na história. Vivem a realeza cristã, sobretudo no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado (cf. Rom 6, 12), e depois, mediante o dom de si, para servirem, na caridade e na justiça, o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos, sobretudo nos mais pequeninos (cf. Mt 25, 40).

Mas os fiéis leigos são chamados de forma particular a restituir à criação todo o seu valor originário. Ao ordenar as coisas criadas para o verdadeiro bem do homem, com uma acção animada pela vida da graça, os fiéis leigos participam no exercício do poder com que Jesus Ressuscitado atrai a Si todas as coisas e as submete, com Ele mesmo, ao Pai, por forma a que Deus seja tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28; Jo 12, 32).

A participação dos fiéis leigos no tríplice múnus de Cristo Sacerdote, Profeta e Rei encontra a sua raiz primeira na unção do Batismo, o seu desenvolvimento na Confirmação e a sua perfeição e sustento dinamico na Eucaristia. É uma participação que se oferece a cada um dos fiéis leigos, mas enquanto formam o único corpo do Senhor. Com efeito, é a Igreja que Jesus enriquece com os Seus dons, qual Seu Corpo e Sua Esposa. Assim, os indivíduos participam no tríplice múnus de Cristo enquanto membros da Igreja, como claramente ensina o apóstolo Pedro, que define os baptizados como ‘raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo que Deus adquiriu’ (1 Ped 2, 9). Precisamente por derivar da comunhão eclesial, a participação dos fiéis leigos no tríplice múnus de Cristo exige ser vivida e actuada na comunhão e para o crescimento da mesma comunhão. Escrevia Santo Agostinho: ‘Como chamamos a todos cristãos em virtude do místico crisma, assim a todos chamamos sacerdotes porque são membros do único Sacerdote.'” (Exortação Apostólica Christifideles Laici, 14)

Sacerdote: ícone de Cristo

“Pela unção do Espírito Santo, constituístes vosso Filho unigênito Pontífice da nova e eterna aliança. E estabelecestes que seu único sacerdócio se perpetuasse na Igreja. Por isso, vosso Filho, Jesus Cristo, enriqueceu a Igreja com um sacerdócio real. E, com bondade fraterna, escolhe homens que, pela imposição das mãos, participem do seu ministério sagrado. Em nome de Cristo, estes renovam para nós o banquete da Páscoa. Presidindo o povo na caridade, eles o alimentam com vossa palavra e o restauram com vossos sacramentos. Dando a vida por vós e pela salvação de todos, procuram assemelhar-se cada vez mais ao próprio Cristo, testemunhando, constantes, a fidelidade e o amor para convosco.” (Missal Romano; Prefácio da Missa do Crisma)

Durante a Grande Entrada, a Divina Liturgia de São João Crisóstomo, utilizada no rito bizantino, coloca na boca do sacerdote, a oração a Cristo: “Ó vós que sois quem oferta e quem é oferecido!” Jesus na Cruz se oferece – é sacerdote – e é oferecido – é vítima. Por escolher homens para o sagrado ministério sacerdotal, torna-os participantes dessa oferta eterna que é perpetuada na Santa Missa.

O Pai enviou Cristo, e Ele envia os sacerdotes. Há uma relação entre esses dois envios.

Da mesma forma, iremos relacionar dois simbolismos. Cristo é a imagem do Pai, e os sacerdotes a imagem do Cristo. “Ele é a imagem do Deus invisível.” (Cl 1,15) Por fazerem, na Missa, o mesmo que Nosso Senhor fez na Cruz, sendo, naquele momento preciso, o próprio Jesus oferecendo-se ao Pai, podemos dizer que os padres são a imagem do Redentor, verdadeiros ícones do Salvador do mundo. Quando olhamos para o padre celebrando a Missa, é Cristo que vemos. De mãos levantadas, oferecendo a hóstia e o vinho consagrados ao Pai, é o Senhor Jesus que se oferece como na Cruz, utilizando-se, dessa vez, dos membros dos sacerdotes da Sua Católica Igreja. Como ícones de Cristo, os sacerdotes refletem o próprio Jesus, como no dizer de São Basílio Magno: “A honra manifestado ao ícone se refere a quem ele significa.” (Sobre o Espírito Santo, 18:45; PG 32:149C)

Diz a Tradição da Igreja que o sacerdote é um vicarius Christi, um substituto de Cristo, de onde vem o termo “vigário”, continuamente utilizado no Direito Canônico e no linguajar comum dos fiéis. “São o Pai, o Filho e o Espírito Santo quem fazem tudo, mas o sacerdote empresta-Lhes sua língua e fornece a Eles suas mãos.” (São João Crisóstomo. Homilia 77 sobre João 4; PG 59:472) Cristo é sacramento, sinal do Pai, e dessa forma, como Ele envia Seus sacerdotes, Seus padres, mediante o sacramento da Ordem, os incorpora a Si – como o Pai e o Filho são um! -, e os faz Seus sacramentos, Seus sinais. Se Jesus é o único Sacerdote, pela Ordem os padres são os Seus sacerdotes, participantes do Sacerdócio excelso, e só o são porque fazem as vezes de Cristo na terra, são Seus substitutos.

“Cristo a quem o Pai santificou e enviou ao mundo (Jo 10,36), fez participar os bispos da sua consagração e da sua missão, através dos apóstolos, aos quais eles sucedem; e os bispos confiaram legitimamente o cargo do seu ministério, em grau diverso, a pessoas diversas na Igreja. Assim, o ministério eclesiástico, de instituição divina, é exercido em ordens diversas por aqueles que já antigamente eram chamados bispos, presbíteros e diáconos. Ainda que não tenham sido elevados ao pontificado e dependam dos bispos no exercício dos seus poderes, os presbíteros estão-lhes unidos na dignidade sacerdotal comum e, pelo sacramento da ordem, ficam consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, coma verdadeiras sacerdotes do Novo Testamento, à imagem de Cristo, sumo e eterno Sacerdote (Hb 5,1-10; 7, 24; 9,11-28). Participando, no grau próprio do seu ministério, da função de Crista, Mediador único (lTm 2,6), anunciam a todos a palavra de Deus. Exercem o seu ministério sagrado principalmente na celebração da eucaristia; nela, agindo na pessoa de Cristo e proclamando o seu mistério, juntam as orações dos fiéis ao sacrifício de Cristo, sua cabeça; renovam e aplicam no sacrifício da missa, até à vinda do Senhor (cf. 1Cor 11,26) o único sacrifício do Novo Testamento, no qual Cristo, uma vez por todas, se ofereceu ao Pai como hóstia imaculada (cf. Hb 9,11-28). E muito especialmente exercem o ministério da reconciliação e do alívio, em favor dos arrependidos e dos doentes, e apresentam a Deus-Pai as necessidades e as orações dos fiéis (cf. Hb 5,1-4). Desempenhando, na medida da sua autoridade, a função de Cristo, pastor e cabeça, congregam a família de Deus em fraternidade a tender para a unidade, e conduzem-na por Cristo e no Espírito, até Deus-Pai. No meio da própria grei, adoram-no em espírito e verdade (cf. Jo 4,24). Finalmente, trabalham na pregação e no ensino (cf. lTm 5,17), acreditando no que lerem quando meditarem na lei do Senhor; ensinando o que crerem e pondo em prática aquilo que ensinarem.” (Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 28)

Em verdade, à luz principalmente dos Padres Gregos, considera a Igreja o sacerdote mais do que um substituto, senão também um ícone de Cristo. É verdade que o padre faz as vezes de Jesus e O substitui, agindo in persona Christi na administração dos sacramentos, mas também O reflete. Quando age por Cristo Sacerdote único, o sacerdote católico unido a Ele – de onde tira seu próprio sacerdócio -, está querendo apontar, ser um sinal para o Senhor e Rei Jesus. “Nosso Senhor e Deus, Jesus Cristo, é Ele mesmo o Sumo-sacerdote de Deus Pai”, diz São Cipriano de Cartago; “Ele se oferece a Si mesmo como um sacrifício ao Pai, e ordena que isto o façamos em memória Sua; então, o sacerdote verdadeiramente atua no lugar de Cristo.” (Carta 63, 14) A atuação em Cristo faz do sacerdote católico, do presbítero, um ser intimamente ligado ao Seu Senhor e, se bem que todos os batizados o somos, age a graça sacramental da Ordem de uma maneira especial. Participamos todos os fiéis do sacerdócio de Cristo em Sua forma real, aquela manifestada durante toda Sua vida. “Eu sou a videira; vós os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (Jo 15,5) Por outro lado, também a Cruz, momento maior do sacrifício e, por conseguinte, de manifestação sacerdotal do Messias, é atualizada de maneira mística em nós. Mas, no sacerdote, essa atualização, mais do que mística, é sacramental; mais do que subjetiva, é objetiva e independe da dignidade do ministro, não tem a ver com sua santificação precedente; é graça ex opere operato. O padre participa do sacerdócio de Cristo Jesus em Sua maneira mais plena: sendo o próprio Cristo! “O sacerdote ministerial encontra a sua razão de ser nesta união vital e operacional da Igreja com Cristo. Com efeito, mediante tal ministério, o Senhor continua a exercer no seu Povo aquela actividade que só a Ele pertence enquanto Cabeça do seu Corpo. Portanto, o sacerdócio ministerial torna tangível a acção própria de Cristo Cabeça, e testemunha que Cristo não se afastou da sua Igreja, mas continua a vivificá-la com o seu sacerdócio perene. Por este motivo, a Igreja considera o sacerdócio ministerial como um dom que Lhe foi concedido no ministério de alguns dos seus fiéis.” (Sagrada Congregação para o Clero. Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, 1)

Entendendo a questão do sacerdote católico como um ícone do Sacerdote Jesus Cristo, não devemos cair no erro de, ao interpretar a máxima de que o presbítero é um alter Christus, confundirmos as pessoas humanas que recebem o sacramento da Ordem com a Pessoa Divina do Salvador, e com Suas duas naturezas, humana e divina. O ícone não é a pessoa representada por ele, apenas uma imagem. Quando o sacerdote age in persona Christi, é Cristo quem age e o padre se torna um alter Christus não por sua vontade, dignidade e santidade próprias, senão pela graça; tampouco a pessoa do sacerdote funde-se na de Cristo como se fossem uma só… Não! A participação do padre no Sacerdócio de Nosso Senhor é de ordem sacramental, não natural. E sacramento é aquilo que significa uma realidade invísvel: a graça. Atentemos para o que nos ensina São Teodoro Estudita, teólogo oriental do século IX: “Estando entre Deus e os homens, o sacerdote, em suas invocações sacerdotais, é uma imitação de Cristo. Pois o Apóstolo diz: ‘Há um só Deus, e um único mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus.’ Então, o sacerdote é um ícone de Cristo.” (Sete Capítulos contra os Iconoclastas, 4; PG 99:493C)

Em sua resposta na famosa revista “Pergunte e Responderemos”, o monge Dom Estêvão Bettencourt, OSB, esclarece, após diferenciar o sacerdócio comum dos fiéis daquele sacerdócio hierárquico dos ordenados, que o padre só é ícone de Jesus Cristo por causa da vontade d’Este! Todos devem ser um outro Cristo, é verdade, mas compete ao padre obedecer a Cristo nessa união mais íntima com Ele, de outra natureza, conferida pelo sacramento da Ordem. “Essa comunhão faz que o padre participe do sacerdócio de Cristo e se torne a mão estendida de Cristo para a salvação do mundo. Foi o próprio Jesus quem o quis, ao dizer aos Apóstolos após a consagração do pão e do vinho na última ceia: ‘Fazei isto em memória de mim’ (Lc 22,19); Jesus mandou converter o pão em seu corpo e o vinho em seu sangue. Em Jo 6,53-56 o Senhor fez do sacramento do seu Corpo e Sangue condição para que os fiéis tenham a vida.” (Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Há um outro Cristo?, in Pergunte e Responderemos, 427) O sacerdote, por disposição do próprio Cristo, é um instrumento de Deus para que os atos de Nosso Senhor (o sacrifício na Cruz e o perdão dos pecados) se perpetuem. É nesse sentido que o padre é um alter Christus.

Só o é, aliás, para significar, simbolizar e apontar para o Cristo mesmo. A função do ícone, ensinam os autores espirituais, é tornar presente a realidade espiritual que ele evoca. Portanto, quando atua, o ícone é um sinal do simbolizado. Se o presbítero só é sacerdote porque, participando do único Sacerdócio de Nosso Redentor, atua in Persona Christi e age como alter Christus, é porque deve, com tais ações, evocar a realidade que ele significa enquanto ícone do Senhor.

No entendimento do II Concílio Ecumênico de Nicéia, em 787, em que foi reconhecida como autêntica, católica e ortodoxa a veneração dos ícones, da qual foi incansável apóstolo São João Damasceno, a função da imagem é despertar em quem a contempla um amor pelo que ela representa. Assim, ao vermos uma imagem da Santíssima Virgem, é natural pensarmos em Nossa Senhora, em suas virtudes, e querermos imitá-la, além de nos colocarmos sob sua maternal proteção.

Isso se dá, antes de tudo, porque reconhecemos uma imagem da Virgem. É impossível que vejamos um quadro de São Pedro, por exemplo, e o associemos ao de Maria!

O símile procede quando damos ao sacerdote, qual ícone de Cristo, um caráter todo próprio. Para melhor apontar para aquele que o ícone representa, a semelhança deve ser visível. Ora, Cristo, enquanto Deus, não tem sexo, pois é puro espírito. Ao se encarnar, porém, entrou num tempo, numa cultura e numa região determinadas. Assumiu uma família, um ofício, um tipo físico e biológico. Há 2000 anos, num povo semita, que vivia na Palestina, dentro de uma família descendente de Davi e que morava em Nazaré da Galiléia, trabalhando como carpinteiro em auxílio a São José, Seu pai adotivo, tendo os traços e caracteres hebraicos, e, além de tudo isso, sendo do sexo masculino.

Como ícone de Nosso Senhor Jesus Cristo, homem, o sacerdote deve também ser homem, para melhor representar quem ele significa e para quem aponta em seus atos sacramentais in Persona Christi. Ao olhar para o padre, devemos ver Cristo, como quem olha para um ícone ou para uma imagem da Virgem, os associa a ela. É imprescindível preservar a correspondência simbólica que há entre Jesus, Sacerdote e Deus encarnado no sexo masculino, com o sacerdote revestido da Ordem, ele mesmo também um homem, sob pena de esvaziarmos não só o ícone como toda a concepção católica de sacerdócio. Quem recebe o sacramento da Ordem, pelo qual alguém se incorpora de um modo mais íntimo no Sumo-sacerdócio de Jesus Cristo, é um homem e não uma mulher; e isto pelo fato de que, Cristo é um homem e não uma mulher. O ícone deve ser um homem, pois Aquele que simboliza e para o qual aponta é também um homem, não uma mulher.

Pelo que vimos parágrafos acima, homens e mulheres são diferentes em seus acidentes, e isso se dá justamente porque detém cada qual sua identidade própria. As diferenças entre homens e mulheres se dão não só no plano físico e sexual, mas também no psicológico e no espiritual. Apesar de Cristo ter vindo salvar a todos, mulheres e homens, Ele se encarnou como homem, como masculino, e isso revela a diferença dos chamados de Deus. Homem algum, nem mesmo padre, poderia desempenhar o papel único que deteve uma mulher na História de nossa Redenção: a Santíssima Virgem Maria. Às mulheres cabe a execução de uma função toda própria, que nunca deve ser subtraída pelos homens. No mesmo raciocínio, aos homens Deus destinou um ministério singular, de representar Cristo e Ele se associar pelo sacramento da Ordem.

Não por um sacramento, mas por uma graça conferida de maneira ordinária (graças de estado) ou carismática (poder para o exercício de um ministério profético, v.g.), as mulheres são vocacionadas por Deus para sua tarefa única na Igreja e na humanidade. É o que veremos no capítulo seguinte.

Ministérios exercidos por santas mulheres ao longo da história

Imitando Nossa Senhora, muitas santas mulheres, ao longo da vida da Igreja quiseram fazer de suas vidas um ato perfeito de amor ao Senhor Jesus. Dessa forma, já no ministério de Cristo, algumas O acompanhavam em sua vida pública. Santa Maria Madelena, Santas Marta e Maria, Santa Maria de Cléofas e outras tantas mulheres dedicaram-se a propagar os ensinamentos de Cristo.

Já no tempo de São Paulo, há uma recomendação sobre uma diaconisa, Santa Febe – que não se deve confundir com a ordem dos diáconos, e sim entender como um ministério leigo exercido por piedosas mulheres. “Recomendo-vos a nossa irmã Febe, que é diaconisa da igreja de Cêncris, para que a recebais no Senhor, dum modo digno dos santos, e a ajudeis em qualquer coisa que vós venha a precisar; porque ela tem ajudado a muitos e a mim também.” (Rm 15,1-2) Outras são as mulheres de destaque no Novo Testamento, que, desde os tempos apostólicos, desempenharem papéis importantíssimos e exclusivos. “Saudai aos irmãos de Laodicéia, como também a Ninfas e a igreja que está em sua casa.” (Cl 4,15) O Apóstolo segue nomeando seus colaboradores, dentre os quais vemos muitas mulheres: “Saudai Prisca e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus; pela minha vida eles expuseram as suas cabeças. E isso lhes agradeço, não só eu, mas também todas as igrejas dos gentios. Saudai também a comunidade que se reúne em sua casa. Saudai o meu querido EpEneto, que foi as primícias da Ásia para Cristo. Saudai Maria, que muito trabalhou para vós. Saudai Andrônico e Júnias, meus parentes e companheiros de prisão, os quais são muito estimados entre os apóstolos e se tornaram discípulos de Cristo antes de mim. Saudai Ampliato, amicíssimo meu no Senhor. Saudai Urbano, nosso colaborador em Cristo Jesus, e o meu amigo Estáquis. Saudai Apeles, provado em Cristo. Saudai aqueles que são da casa de Aristóbulo. Saudai Herodião, meu parente. Saudai os que são da família de Narciso, que estão no Senhor. Saudai Trifena e Trifosa., que trabalham para o Senhor. Saudai a estimada Pérside, que muito trabalhou para o Senhor. Saudai Rufo, escolhido no Senhor, e sua mãe, que considero como minha. Saudai Asíncrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas, Hermas e os irmãos que estão com eles. Saudai Filólogo e Júlia, Nereu e sua irmã, Olímpio e todos os irmãos que estão com eles. Saudai-vos uns aos outros com ósculo santo. Todas as igrejas de Cristo vos saúdam.” (Rm 15,3-16)

Por causa do amor de Cristo, e por também participarem da Igreja Católica por Ele fundada sobre os Apóstolos, mulheres e moças se consagraram a Deus e disso nasceu a espiritualidade que encontramos, um pouco mais tarde, das bodas com Jesus. As religiosas, aquelas que fizeram votos de pobreza, castidade e obediência, são esposas de Cristo, num sentido místico. É uma vocação toda própria, e assim como só a um homem é dado o chamado de ser um ícone de Cristo, só a uma mulher o Mestre presenteia com a possibilidade de ser Sua esposa.

Tão logo Santo Antão se refugia no deserto do Egito, lançando os fundamentos da vida monástica, santas mulheres seguem seu exemplo, dedicando-se a Deus como eremitas ou unindo-se às nascentes formas cenobíticas. Assim, Santa Maria Egipcíaca é modelo de penitente, daquela que abandona tudo para seguir de maneira mais excelente o Cristo por quem se apaixonou. Com os chamados Padres do Deserto, escritores espirituais que são tidos como essenciais para a mística cristã, encontram-se também Mães do Deserto, Mães Espirituais, como Santa Teodora, Santa Sarah e Santa Sinclética.

Começa, aos poucos, a desenvolver-se a espiritualidade do matrimônio místico com Nosso Senhor, e a religiosa, a virgem, a consagrada, torna-se a noiva de Jesus Cristo. Durante a Idade Média, muitas serão as ordens que reservarão um espaço para um ramo feminino. De São Francisco de Assis, brota, sob a direção de Santa Clara, a Ordem das Clarissas. São Domingos, fundador dos Pregadores, organiza o ramo feminino das dominicanas. A Ordem do Carmo, cujas origens remontam ao profeta Santo Elias, terá também sua parcela de mulheres, com monjas enclausuradas. Usando a Regra de Santo Agostinho – santo aliás influenciado grandamente por sua mãe, Santa Mônica -, muitas freiras se incorporam em uma ordem religiosa, fazendo solene profissão como agostinianas, em suas variadas formas: calçadas, descalças, recolectas, observantes. Ordens exclusivamente femininas também são fundadas e aprovadas, como a Ordem da Visitação, de Santa Joana de Chantal, e a Ordem de Santa Úrsula.

Numerosos são os exemplos de mulheres que quiseram ser esposas de Cristo, verdadeiros símbolos da Igreja – eis que esta é, biblicamente, a esposa do Cordeiro. Virgens e viúvas, se consagraram a Deus, assumindo a vida religiosa: Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa Teresa de Ávila, Santa Clara de Assis, Santa Isabel da Hungria, Santa Rita de Cássia, Santa Rosa de Lima, Santa Mariana de Jesus, Santa Teresa Benedita da Cruz (judia convertida, nascida com o nome de Edith Stein), Santa Joana de Chantal, Santa Edwiges, Santa Ângela de Mérici, Santa Escolástica, Santa Francisca Romana, Santa Maria Madalena de Pazzi, Santa Brígida, Santa Gertrudes, Santa Margarida Maria Alacoque, Santa Xênia, Santa Catarina de Bolonha, Santa Catarina de Ricci, Santa Rafaela Maria do Coração de Jesus, Santa Teresa dos Andes, Santa Paula de Toscana, Santa Paula Frasinetti, Santa Bernadete Soubirous, Santa Paula Montal, Santa Luísa de Marillac, Santa Catarina da Suécia. Outras, ainda que não abraçando uma regra, foram verdadeiras apóstolas, provando que todos, homens e mulheres, são chamados a exercerem liderança na Igreja Católica, e têm o dever de evangelizar: Santa Clotilde, rainha dos francos e esposa de Clóvis, evangelizadora da França, chamada “Primogênita da Igreja”; Santa Margarida, rainha da Escócia; Santa Isabel, rainha de Portugal; Santa Olga, rainha dos ucranianos, e esposa de São Vladimir; Santa Macrina, irmã e catequista dos grandes São Basílio e São Gregório de Nissa; Santa Emélia, a mãe desses santos; Santa Nona, mãe de São Gregório de Nazianzo; Santa Melania, religiosa e diaconisa; Santa Teosébia, esposa do bispo São Gregório de Nissa, que recebeu o ministério como diaconisa; Santa Gorgônia, igualmente uma diaconisa e irmã do Nazianzeno; Santa Olímpia, amiga de São João Crisóstomo, que a fez diaconisa; Santa Apolônia, diaconisa em Alexandria. Algumas foram até chamadas de “iguais-aos-apóstolos” pela tradição bizantina: Santa Nina, que converteu os geórgios; Santa Helena, mãe do Imperador São Constantino Magno, de Roma, grandiosa construtora de igrejas; Santa Tecla, mártir do tempo das perseguições. Muitas as que morreram em nome da fé, além das que, acima citadas, também sofreram o martírio: Santa Inês, Santas Perpétua e Felicidade, Santa Anastácia, Santa Águeda, Santa Maria Goretti, Santa Cecília, Santa Bárbara, Santa Catarina de Alexandria, Santa Joana d’Arc, Santa Paula da Nicomédia, Santa Bibiana, Santa Maxência de Beauvais, Santa Eulália de Barcelona, Santa Olívia.

Entre as miríades de santas canonizadas, achamos inclusive algumas agraciadas com o título – dado a poucos! – de “Doutora da Igreja”: Santa Teresa de Ávila, Santa Teresinha do Menino de Jesus, e Santa Catarina de Sena. Muitíssimas, incluindo as mencionadas nos parágrafos acima, receberam a graça de serem fundadoras e reformadoras de variadas ordens e congregações religiosas. Não podemos nos esquecer das profetizas levantadas por Deus para entregar ao mundo Sua mensagem: Santa Hildegarda, uma das maiores santas da Alemanha; Santa Ângela de Foligno, viúva terceirista de São Francisco e mística italiana; Santa Jacinta Mariscotti, religiosa franciscana que, após sua conversão, buscou altos níveis de ascese espiritual; Santa Rosa de Viterbo, pregadora que, com apenas doze anos, levantava a voz publicamente para que todos fizessem penitência e renunciassem às heresias; Santa Matilde, grande operadora de milagres e profetiza, de quem descendem a dinastia capetíngia da França, e as famílias reais de Portugal e Brasil.

Outro carisma tipicamente feminino é a educação cristã da prole. Se bem que ambos os pais estejam chamados a educar os filhos da verdadeira religião, é a mãe que, por seu convívio maior com a casa, e pelo vínculo espiritual e natural que brota da maternidade, é a primeira e mais perfeita apóstola do lar. Santa Valdetrudes e Santa Mônica são os exemplos máximos da encarnação perfeita desse carisma.

“Na história da Igreja, desde os primeiros tempos existiam . ao lado dos homens . numerosas mulheres, para as quais a resposta da Esposa ao amor redentor do Esposo adquiria plena força expressiva. Como primeiras, vemos aquelas mulheres que pessoalmente tinham encontrado Cristo, tinham-no seguido e, depois da sua partida, juntamente com os apóstolos, ‘eram assíduas na oração’ no cenáculo de Jerusalém até ao dia do Pentecostes. Naquele dia, o Espírito Santo falou por meio de « filhos e filhas » do Povo de Deus, cumprindo o anúncio do profeta Joel (cf. At 2, 17). Aquelas mulheres, e a seguir outras mais, tiveram parte ativa e importante na vida da Igreja primitiva, na edificação desde os fundamentos da primeira comunidade cristã . e das comunidades que se seguiram . mediante os próprios carismas e o seu multiforme serviço. Os escritos apostólicos anotam os seus nomes, como Febe, ‘diaconisa da Igreja de Cêncreas’ (cf. Rom 16, 1), Prisca com o marido Áquila (cf. 2 Tim 4, 19), Evódia e Síntique (Flp 4, 2), Maria, Trifena, Perside, Trifosa (Rom 16, 6. 12). O apóstolo fala de suas ‘fadigas’ por Cristo, e estas indicam os vários campos de serviço apostólico da Igreja, a começar pela « igreja doméstica ». Nesta, de fato, a « fé sincera » passa da mãe aos filhos e netos, como realmente se verificou na casa de Timóteo (cf. 2 Tim 1, 5).

O mesmo se repete no decorrer dos séculos, de geração em geração, como demonstra a história da Igreja. A Igreja, com efeito, defendendo a dignidade da mulher e a sua vocação, expressou honra e gratidão por aquelas que . fiéis ao Evangelho . em todo o tempo participaram na missão apostólica de todo o Povo de Deus. Trata-se de santas mártires, de virgens, de mães de família, que corajosamente deram testemunho da sua fé e, educando os próprios filhos no espírito do Evangelho, transmitiram a mesma fé e a tradição da Igreja.

Em cada época e em cada país encontramos numerosas mulheres ‘perfeitas’ (cf. Prov 31, 10), que não obstante perseguições, dificuldades e discriminações . participaram na missão da Igreja. Basta mencionar aqui Mônica, mãe de Agostinho, Macrina, Olga de Kiev, Matilde de Toscana, Edviges da Silésia e Edviges de Cracóvia, Elisabeth de Turíngia, Brígida da Suécia, Joana d’Arc, Rosa de Lima, Elisabeth Seaton e Mary Ward.

O testemunho e as obras de mulheres cristãs tiveram um influxo significativo na vida da Igreja, como também na da sociedade. Mesmo diante de graves discriminações sociais, as mulheres santas agiram de « modo livre », fortalecidas pela sua união com Cristo. Semelhante união e liberdade enraizadas em Deus explicam, por exemplo, a grande obra de Santa Catarina de Sena na vida da Igreja e de Santa Teresa de Jesus na vida monástica.

Também em nossos dias a Igreja não cessa de enriquecer-se com o testemunho das numerosas mulheres que realizam a sua vocação à santidade. As mulheres santas são uma personificação do ideal feminino, mas são também um modelo para todos os cristãos, um modelo de ‘sequela Christi’, um exemplo de como a Esposa deve responder com amor ao amor do Esposo.” (Papa João Paulo II. Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, 27)

De posse de todos esses nomes de santas, que representam uma ínfima parcela de toda uma gama de mulheres que dedicaram suas vidas a Deus e à Igreja, podemos formular algumas conclusões.

A primeira delas é que todos, homens e mulheres, são chamados a ser santos na Igreja Católica. Além disso, são também vocacionados a exercerem posições de liderança e não raro de verdadeiros profetas, não importando o sexo. A instrução religiosa, o apostolado, a fundação de ordens e congregações, o testemunho evangelizador, o martírio, são graças que Deus concede tanto aos homens como também às mulheres. Não há dúvida de que, nesses aspectos, a igualdade essencial e a chamada comum à santidade são preservados.

Entretanto, não há como negar que, embora a lista de santas seja enorme, nunca se verificou uma sacerdotisa cristã. Aliás, nem for a das listas hagiográficas as teríamos encontrado, eis que a História Eclesiástica testemunha que não houve nunca uma mulher que tivesse recebido o sacramento da Ordem.

Se alguns notam um aparente desequilíbrio entre os homens, que poderiam receber todos os carismas, e as mulheres que não poderiam receber a ordenação, oferecemos a seguinte explicação.

Deus é soberano, e pode, conforme Sua vontade, estabelecer as coisas do jeito que quiser, não obstante as feministas esbravejem e gritem que isso é contra os direitos humanos. Se quisesse o Senhor, esse desequilíbrio poderia haver e seria justo, pois decorreria da vontade divina.

Mesmo assim, nem esse pretenso desequilíbrio existe. Se há um carisma específico ao qual as mulheres não podem ascender – a ordenação sacramental -, também existe um que, por sua natureza, não podem receber os homens: o matrimônio espiritual com Cristo. É correto que existem também homens religiosos, membros de ordens que não são sacerdotes – portanto não são ícones de Cristo. Esses homens estão na mesma condição das freiras e monjas, das religiosas que professam nas ordens e congregações existentes e aprovadas pela Igreja. Contudo, um aspecto da espiritualidade das religiosas não é comum aos religiosos homens. Enquanto ambos se caracterizam por um desprendimento radical dos bens, fazendo votos de pobreza, castidade e obediência, e prometendo observar determinada regra de vida, imitando algumas peculiaridades da perfeição de Nosso Senhor, só às mulheres é dada a possibilidade de, misticamente, se associarem a Cristo como a um Divino Esposo. A consagração das virgens, tal como prevista nas rubricas do Pontifical Romano, quer parecer um místico casamento, um sagrado esponsal, entre a noiva, a religiosa, e o Noivo, Jesus Cristo, Nosso Rei e Salvador, que para ela se torna também o Esposo. O homem, pelo sacramento da Ordem, se torna o ícone de Cristo. A mulher, pela profissão religiosa, se torna Sua esposa.

O testemunho da Escritura

Os inimigos da justa disposição anti-igualitária de Deus, e até mesmo alguns sinceros defensores da ordenação feminina que não pretendem travar combate contra a Igreja, levantam a hipótese de Cristo, nas Escrituras, não ter chamado mulheres para o apostolado – e desse ministério é que descende a ordem dos Bispos, dos presbíteros e dos diáconos, bem o sabemos -, por respeitar as convenções da época. Mal respondemos ao primeiro ataque, “Jesus não chamou mulher alguma para estar com Ele como apóstola”, e já rebatem com tal argumento: Nosso Senhor teria sido submisso a uma tradição social, para não chocar a cultura machista da época.

Analisemos a proposição com honestidade.

Em primeiro lugar, Jesus Cristo ainda que completa e perfeitamente humano, é também divino. “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”, reza o Credo. Sendo Deus, Cristo era perfeito, era a verdade. Claro, encarnou-se num dado tempo histórico, como bem afirmamos acima, mas sem abdicar de sua natureza divina – aliás, algo impossível: como Deus deixaria de ser Deus?

Precisamos atentar para o fato de que Jesus não era um mero pregador religioso, ou um simples profeta poderoso, ou um reformador moral, um mestre espiritual. Mais do que isso, Jesus de Nazaré era o próprio Deus feito homem! “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. (…) E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1,1-3.14)

Ele veio ensinar a verdade, mesmo às custas de pactos sociais e normas culturais. A verdade não pode se submeter aos padrões de cada época. Havendo confronto entre o ensino de Cristo e a crença geral dos povos, é o primeiro quem deve prevalecer. O fato de os judeus não tolerarem uma mulher como sacerdotisa não influenciaria em Cristo, para que Ele deixasse de ordená-las, se assim o desejasse.

Por último, muitas provas por Ele mesmo foram dadas, quebrando os padrões daqueles tempos. Contrariando a prática dos fariseus, proclamou-se “Senhor do sábado”; comeu com pecadores públicos e mesmo com publicanos – os temidos coletores de impostos, tão desprezados pela sociedade quanto as mulheres -; conversou com várias mulheres, inclusive com uma samaritana, pertencente a um povo inimigo dos judeus – mais uma evidência de que Jesus não estava preso às convenções sociais e culturais. Cristo “em geral, ignorou muitas regras normalmente observadas por um mestre judeu da época em seu tratamento com o sexo feminino.” (WARE, Bishop Kallitos. “Man, Woman and the Priesthood of Christ”; in “Woman and the Priesthood”, edited by Thomas Hopko, St. Vladimir’s Seminary Press, Crestwood, 1983, p. 16; tradução livre) Em algumas passagens, é comum Nosso Senhor iniciar: “Ouvistes o que foi dito aos antigos…” (Mt 5,21), logo em seguida acrescentando: “Mas eu vos digo…” (v.22), e daí partindo para um ensinamento que rompe com os costumes.

“Cristo não era um pacifista conformista. É evidente que Jesus Cristo quebrou muitas das convenções daquela época. Ele purificou o templo da comercialização profana e revogou a conveniente prática do divórcio, ( o que pode ser visto como regra n.1 do manual: ‘Como se tornar impopular’). Ele falava com samaritanos e mulheres ignorando o costume legal dos fariseus. Portanto, Cristo sendo Deus, não se conformou ao tempo, mas ordenou que o Seu tempo (como todas as eras) se conformasse a Ele. ” (VENNARI, Jonh. “Um Breve Catecismo sobre o Sacerdócio Feminino”; in “Catholic Family News”, fev. 2001, trad. por Gercione Lima)

Por tudo isso, se Jesus quisesse realmente chamar mulheres para o grupo dos apóstolos, e por isso, reconhecer que era da vontade divina a ordenação sacramental feminina, Ele o teria feito. As convenções judaicas contemporâneas de Jesus não foram respeitadas quando eram meros pretextos humanos. Somente esse “machismo” seria? Das que não eram humanas, mas derivavam do direito divino, então, nem falaremos, pois que em Deus não há nem sombra de mudança – ato puro, n’Ele não pode haver potência (que falta faz o estudo de Santo Tomás nesses tempos conturbados pelos quais passamos!).

“E o fato de que Ele não as escolheu como apóstolas deve restar decisivo para nós hoje. Seremos nós a afirmar que o Verbo e a Sabedoria de Deus encarnados estiveram enganados, e que nós, no fim do século XX, iremos entender a verdade melhor do que Ele?” (WARE, Bishop Kallistos. idem)

Outro argumento constantemente utilizado pelos que consideram arcaica essa doutrina contrária à ordenação de mulheres ao ministério, reside em que Jesus não precisaria dar instruções específicas para cada detalhe da vida da Igreja. Concordamos. Mas aproveitamos para questionar se a admissão de mulheres ao sacramento da Ordem constitui mero detalhe. É possível que um tema tão candente, tão polêmico e tão essencial para a própria constituição eclesial católica fosse ignorado por Jesus? Tal temática atinge a própria concepção do sacerdote como ícone de Cristo, a teologia católica do sacerdócio e do sacrifício, e lida com os conceitos psicológicos e naturais das diferenças entre homem e mulher. Será uma questão com a qual Nosso Senhor nem se preocupou, um segundo plano, um pequeno ponto não importante? “Se as mulheres podem e devem ser sacerdotes, então sua exclusão por dois milênios é uma grave injustiça, um erro trágico. Seremos nós a atribuir um engano dessa magnitude aos Padres, aos Concílios Ecumênicos, aos Apóstolos e ao Filho de Deus?” (WARE, Bishop Kallistos. op. cit., p. 17) Cristo, ao não estabelecer mulheres como ministras ordenadas, quis manifestar Sua soberana vontade de que assim fosse na Sua Igreja. Lembremos: a Igreja Católica é de Cristo, e não dos seus membros, sejam eles leigos, padres, teólogos dos mais letrados e cultos, Bispos, cardeais e até papas.

A Igreja Católica é “a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tm 3,15) Não é uma agremiação religiosa apenas, ou um “clube dos seguidores de Jesus”. Mais do que uma associação humana passível de falhas, a Igreja Católica é o próprio Corpo de Cristo, a Esposa do Cordeiro, é o Templo do Espírito Santo, o Povo Eleito de Deus Pai. “A santidade entitativa é própria à Igreja sob vários prismas: enquanto a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, é a Esposa de Cristo, é santa em razão de seu Autor, em razão do Espírito Santo, que é sua quase-alma, em razão de sua doutrina e suas leis, em razão do ministério sagrado, dos sacramentos, máxime da Eucaristia, em razão do caráter sacramental de seus membros. Esta santidade é a propriedade essencial da Igreja” (LERCHER, Pe. Ludovico, S.J. “Institutiones Theologiae Dogmaticae, Vol. I”, editado por Feliciano Rauck, Innsbruck, 1927, p. 453) Muitos dos seus membros podem errar, mas tais erros não são atribuídos à Igreja, pois ela é santa, e não pecadora. Deve ela, isso sim, guiar seus filhos pelas sendas da verdade, pois para isso foi constituída por Jesus Cristo, Nosso Senhor e Redentor. Foi a Pedro, o primeiro Papa, que o Mestre prometeu: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mt 16,18) O erro, pois, não pode prevalecer sobre a Igreja; o erro não faz parte da constituição da Igreja. Os erros não podem ser computados “à constituição jurídica da Igreja, mas àquela lamentável inclinação do homem para o mal, que seu divino fundador às vezes permite até nos membros mais altos do seu Corpo Místico, para provar a virtude das ovelhas e dos Pastores” (Papa Pio XII. Encíclica Mystici Corporis, 67)

Não pode ela errar. Como continuadora de Cristo e de Sua divina missão, o que Ele fez, deve a Igreja fazer. Chamou Jesus mulheres para o apostolado? Tampouco será Sua Igreja a inventar tal absurdo! Foi Jesus quem vocacionou cada apóstolo: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi…” (Jo 15,16) Poderia ter escolhido mulheres, e não o fez. Prova de que não era de Sua vontade – e se não era antes, não é agora tampouco, pois Deus não muda nem se arrepende do que faz, é eterno, perfeito, imutável e infinito. Respeito aos padrões sociais vigentes? Vimos que Ele quebrou todos eles. Não seria um apenas, e que tanto debate vem rendendo, que seria sacralizado sem motivo por Jesus.

Mais coisas nos mostram a análise atenta do dado bíblico. Desde quando iniciou a Revelação, Deus tem constituído sacerdotes para oferecem um culto de preparação para o sacrifício verdadeiro de Cristo no Calvário, e, depois, para continuarem a obra redentora da Cruz. Ambas as classes de sacerdotes, do Antigo e do Novo Testamento, respectivamente, foram constituídas exclusivamente por homens! A Sagrada Escritura nos informa apenas de homens celebrando o sacrifício, realizando o papel de sacerdotes: Abel (cf. Gn 4,4), Noé (cf. 8,15-22), Melquisedeque (cf. 14,17-24), Abraão (cf. 22,1-14). Depois, em Aarão, Deus estabeleceu uma casta de sacerdotes e a Lei mosaica determinava auxiliares, todos da tribo da Levi, e todos do sexo masculino.

Nem no Novo Testamento, a dispensação em que estamos vivendo, foi autorizado por Deus serem as ordens conferidas às mulheres. Desde os tempos apostólicos, isso foi proibido: “Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas assembléias: não lhes é permitido falar, mas devem estar submissas, como também ordena a lei. Se querem aprender alguma coisa, perguntem-na em casa aos seus maridos, porque é inconveniente para uma mulher falar na assembléia.” (1 Co 14,34-35) “Não permito à mulher que ensine nem que se arrogue autoridade sobre o homem, mas permaneça em silêncio.” (1 Tm 2,12)

É bem certo que o mesmo São Paulo que acima proíbe a direção da Santa Missa e das atividades litúrgicas oficiais às pessoas do sexo feminino, numa outra ocasião diz expressamente: “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3,28) Tal passagem, entretanto, não serve para justificar o acesso das mulheres às ordens, pois se está tratando do Batismo, da graça dada por Deus aos crentes, de modo que não há diferença essencial entre os que seguem Jesus. Basta a análise dos versículos anteriores, para não destoarmos do contexto, e entendermos a que tipo de igualdade Paulo está se referindo: “porque todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo.” (vv. 26-27)

A Bíblia não oferece suporte para a doutrina que pretende dizer-se correta ao defender o sacramento da Ordem para as mulheres.

O testemunho da Tradição

Nunca os Padres da Igreja se defrontaram com o debate sobre tal tema de modo tão acirrado. Pertence aos nossos tempos igualitários o clamor pela total subversão da ordem, inclusive quanto às diferenças sexuais.

Nesse pensamento, não encontraremos textos diretos dos antigos e ortodoxos escritores eclesiásticos condenando explicitamente a ordenação feminina. Era um problema que pouco se apresentava.

O que temos de base tradicional é, então, o ensino unânime da patrística acerca da teologia do sacerdócio, na qual a Igreja se baseia para afirmar que não ser possível uma mulher agir como perfeito ícone de Cristo, Sumo-sacerdote. Muitos de tais textos citamos no decorrer deste despretensioso ensaio. Alguns outros iremos transcrever abaixo:

“O Bispo preside como a imagem de Deus” (Santo Inácio de Antioquia. Ad Magnesiam, 6,1)

“O sacerdote deve ser um imitador de seu Bispo, e ele, por seu turno, um imitador de Cristo, o Sumo-sacerdote.” (Antíoco, o Monge. Homilia 123, PG 89:1817C)

“A honra manifestada ao ícone é devida ao que protótipo.” (São Basílio Magno. Sobre o Espírito Santo, 18:45, PG 32:149C) Ícone é o padre, e protótipo é Cristo, a quem a imagem representa.

Sabido é também que Santo Irineu de Lião e mesmo Tertuliano antes de bandear-se para a heresia montanista combateram certas seitas que pretendiam por ortodoxa a ordenação de mulheres.

Em nenhum escrito ou outra fonte da Tradição iremos encontrar base para a ordenação feminina. Nenhum Padre, nenhum livro notadamente ortodoxo, nenhum Concílio, nenhum Papa, nenhum Santo, nenhum ensinamento, confere o suporte necessário para crermos que tal doutrina pertence ao depósito da Fé Católica. Aliás, não há suporte nem mesmo insuficiente: simplesmente ele inexiste!

Ainda que, numa desesperada tentativa de se apelar para a Tradição, aleguem os defensores de tão pérfida heresia a existência, na Antigüidade, das chamadas “diaconisas”, poderemos responder que o termo é verdadeiro mas o significado bem diverso do que se imagina. E a Igreja entendeu por bem eliminá-lo para não dar margem à confusão. As diaconisas foram mulheres santas, piedosas, instituídas diríamos hoje – e não ordenadas sacramentalmente -, para um ministério da Igreja que nada tem a ver com o sacramento da Ordem. O rito de instituição das diaconisas – largamente existente nos tempos antigos da Igreja bizantina e mesmo na Síria e no Egito – faz pressupor não um sacramento, senão a entrega de um mandato para determinado serviço. Era semelhante aos atuais ritos de instituição do acólito, do leitor e do ministro extraordinário da comunhão eucarística, ou às anteriores “ordens menores” (acólito, leitor, ostiário, exorcista) e ao extinto “subdiaconato”.

À pergunta sobre a realidade da existência das diaconisas, responde um autor: “Mas a Igreja Primitiva não teve Diaconisas? Sim, mas é consenso unânime nos documentos da Igreja Primitiva de que o termo ‘diaconisas’ não tem absolutamente nada a ver com o Sacramento das Sagradas Ordens. Santo Epifânio dá um testemunho inquestionável a respeito da não-ordenação de mulheres ‘diaconisas’. Haviam apenas mulheres-anciãs e não sacerdotizas no verdadeiro sentido da palavra, e sua missão era simplesmente desempenhar funções de cuidados com outras mulheres [Haer. 1xxix. cap. iii].” (VENNARI, Jonh. “Um Breve Catecismo sobre o Sacerdócio Feminino”; in “Catholic Family News”, fev. 2001, trad. por Gercione Lima)

Encontraremos farto material sobre as funções das antigas diaconisas, que nenhum paralelo tinham com os homens ordenados a não ser o nome – diácono -, em textos bastante antigos, dentre os quais destacam-se a Didascália Siríaca e as Constituições Apostólicas, respectivamente do terceiro e do quarto séculos.

Conclusão

Não há motivo para considerar injusta a negação da mulher à Ordem.

Pertence ao plano de Deus tal disposição, e foi manifestada diversas vezes, no Antigo Testamento, em Jesus Cristo, e na Igreja por seu Magistério e Tradição. Resta-nos a unidade com o Santo Padre, conclamando a que não se discuta o que já foi definido.

Queira Deus abençoar este pequeno trabalho e, encontrando alguém nele qualquer coisa que não seja digna da santidade da Igreja Católica ou que com sua doutrina não se coadune, exorte-nos a que prontamente retiremos tudo aquilo que a Deus não agrade. Submetemo-nos ao juízo infalível da Santa Igreja, prometendo emenda do que não for ortodoxo e reto.

Dedicamos esse artigo à Santíssima Virgem Maria, prova viva e incontestável de que a Igreja não vê nas mulheres um ser inferior, e que sua negação aos graus do sacramento da Ordem se dá por fidelidade a Deus que ama a todos em suas diferenças.

ADENDOS

  • 1. O fundo da polêmica quanto à ordenação feminina reside na concepção do que seja a Sagrada Ordem. Tendo-a como sacramento, sinal visível de uma graça invisível, a Igreja Católica a entende como algo que confere caráter indelével à alma. Ora, é preciso que haja disposições exteriores e interiores para isso. E entre elas, no específico caso da Ordem, que seja o ordenando do sexo masculino, por dois motivos: a) para melhor personificar Cristo, de quem recebe o sacerdócio e a quem é intimamente unido em virtude da ordenação, tornando-se um alter Christus, e um ícone vivo de Nosso Senhor; b) para ser fiel à unânime Tradição e não contrariar a disposição bíblica, segundo a qual Jesus chamou para o ministério apostólico, de quem descendem os Bispos e seus cooperadores sacramentalmente ordenados, somente homens.

Crendo dessa maneira, está refutada a idéia do sacerdócio feminino, somente concebível na visão protestante, eis que para os reformadores todos os fiéis são igualmente sacerdotes, não diferenciando, em sua teologia, o ordenado do comum fruto do Batismo.

O protestante pode, por isso, assimilar muito mais facilmente a ordenação de mulheres, pois para ele não se trata de um sacramento, e sim de um simples mandato conferido pela igreja local a fim de que um dos seus lidere a comunidade, pregue a doutrina que professam, e administre os ritos de uma maneira oficial. É o que depreendemos de uma simples conferência ao pensamento luterano: “Enquanto todos os cristãos têm parte igual nos tesouros da igreja, incluindo-se os sacramentos, nem todos podem ser pastores, mestres ou conselheiros… Todo cristão é ministro e tem o direito de pregar. Esse direito pode ser livremente exercido se alguém estiver em meio a não-cristãos… Entretanto, numa comunidade cristã, não se deve ‘chamar atenção sobre si mesmo’, assumindo tal ofício por conta própria. Antes, deve-se ‘deixar ser chamado e escolhido para pregar e ensinar no lugar de outros e sob o comando deles’… ‘O que lhe damos hoje, podemos tirar amanhã.’ O rito da ordenação não confere nenhum caráter indelével à pessoa ordenada. É meramente a forma pública pela qual alguém é comissionado mediante a oração, as Escrituras e a imposição de mãos, a fim de servir à congregação… Lutero excluía mulheres, crianças e pessoas incompetentes do ministério oficial da igreja, embora numa época de emergência ele pudesse chamá-las a exercer tal ofício, em virtude de sua parcela no sacerdócio de todos os cristãos.” (GEORGE, Timothy. “Teologia dos Reformadores”, p. 97-98)

Vê-se que a tentativa, inútil é verdade, de introdução de uma classe ordenada de mulheres na Igreja, é mais uma artimanha de protestantização da fé católica. Ordenar pessoas do sexo feminino é romper com o ensino de que o padre é um legítimo sacerdote e que está ligado a Cristo de uma maneira especial, pelo sacramento, a que nós, leigos, muito embora pertencentes a Ele pelo sacerdócio comum dos fiéis, não estamos. Sustentar a ordenação feminina é desacreditar que o padre católico não é um mero representante oficial da Igreja, e sim um ícone de Jesus. Por fim, é julgar-se mais sábio que o próprio Filho de Deus que, podendo escolher mulheres, não o fez.

“Cremos que a Missa, celebrada pelo sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que se torna sacramentalmente presente em nossos altares.” (Paulo VI. Credo do Povo de Deus, 30)

 

  • 2. No Rito da Ordenação, encontram-se vários trechos que explicitamente expõem a doutrina católica do sacrifício da Missa, da íntima união do ministro com Cristo Sumo-sacerdote, e da pertença do ordenado a Ele tal como um ícone.

Eis alguns exemplos, no rito romano:

À pergunta do Bispo ordenante: “Queres unir-te cada vez mais ao Cristo, sumo sacerdote, que se entregou ao Pai por nós, e ser com Ele consagrado a Deus a salvação dos homens?” (Rito da Ordenação Presbiteral; Entrevista do Candidato) -, responde o diácono que será ordenado sacerdote: “Quero, com a graça de Deus.”

Também a oração própria da ordenação liga o sagrado ministério ao sacerdócio do Antigo Testamento, que, segundo São Paulo, oferecia um sacrifício simbólico e preparatório daquele que Jesus iria oferecer no Novo, renovado, conforme o ensino de Trento, em toda Santa Missa validamente celebrada: “Assisti-nos, ó Pai, Deus eterno e todo-poderoso, autor de toda promoção e distribuidor de todas as dignidades, que dais crescimento e vigor a todas as coisas, e fazeis o gênero humano progredir sem cessar, seguindo uma ordem sabiamente estabelecida. Em sinais prefigurativos, surgiu a instituição dos graus sacerdotais e do ministério dos levitas, de modo que, tendo colocado à frente do vosso povo os sumos sacerdotes, lhes destes colaboradores de menor ordem e dignidade. Assim, no deserto, comunicastes a setenta homens prudentes o espírito dado a Moisés que, com o auxílio deles, pôde governar facilmente um povo numeroso. Do mesmo modo derramastes copiosamente sobre os filhos de Aarão da plenitude concedida a seu pai, para que o número de sacerdotes permitisse uma celebração mais freqüente das funções sagradas. Pela mesma providência, Senhor, destes aos apóstolos do vosso filho auxiliares para pregar a fé em todo o mundo. Por isso, ó Pai, concedei também à minha fraqueza a mesma ajuda, para mim mais necessária por ser maior minha fragilidade. Nós vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí este vosso servo na dignidade de presbítero; renovai em meu coração o espírito de santidade; obtenha, ó Deus, o segundo grau da ordem sacerdotal que de vós procede, e a sua vida seja exemplo para todos. Seja ele zeloso cooperador da nossa ordem episcopal para que a palavras do evangelho cheguem aos confins da terra e todas as nações, reunidas em Cristo, se tornem um só povo de Deus. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo.” (Rito da Ordenação Presbiteral; Oração Consecratória)

Mais explícita ainda, no que se refere à disposição para o sacrifício de Cristo tornado novamente presente na Missa, é a exortação do Bispo ao neo-sacerdote: “Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem o Pai ungiu com o Espírito Santo, e revestiu de poder, te guarde para a santificação do povo fiel e para oferecer a Deus o santo sacrifício.” (Rito da Ordenação Presbiteral; Unção Crismal) O trabalho do padre, na Missa, é ser continuador da Cruz: “Recebe a oferenda do povo para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que fazes e põe em prática o que vais celebrar, conformando tua vida ao ministério da cruz do Senhor.” (Rito da Ordenação Presbiteral; Entrega das Oferendas)

Haveria ainda muitos outros, tirados dos ritos orientais e do próprio rito romano, além de textos de liturgias ocidentais celebradas em locais particulares (rito moçárabe, rito ambrosiano, rito bracarense).

  • 3. Procurando preservar a doutrina católica, da qual a Igreja não é dona, senão guardiã, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé lançou uma séria advertência, com ameaça de excomunhão inclusive, para os participantes de uma simulação de ordenação de mulheres ocorrida recentemente. Dizemos “simulação”, pois o sacramento da Ordem não pode ser conferido às mulheres, mesmo que todos os ritos sejam seguidos fielmente. É uma questão de impedimento e não de simples negação arbitrária de Roma.

Abaixo o texto do Monitum do Vaticano sobre o assunto:

“MONITUM” VATICANO SOBRE UMA ORDENAÇÃO SIMULADA DE SACERDOTISAS

No dia 29 de junho passado, Rômulo Antonio Braschi, fundador de uma comunidade cismática, pretendeu conferir a ordenação sacerdotal às seguintes mulheres católicas: Christine Mayr-Lumetzberger, Adelinde Theresia Roitinger, Gisela Forster, Iris Müller, Ida Raming, Pia Brunner e Angela White.

Com o objetivo de orientar a consciência dos fiéis e dissipar qualquer dúvida sobre a matéria, a Congregação para a Doutrina da Fé quer recordar que, segundo a Carta Apostólica “Ordinatio Sacerdotalis”, de João Paulo II, a Igreja “não tem, de modo algum, a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e este ditame deve ser considerado como definitivo por todos os fiéis da Igreja” (nº 4).

A “ordenação sacerdotal” [ali] realizada não é senão a simulação de um sacramento e, por isso, resulta inválida e nula, e constitui um grave delito contra a constituição divina da Igreja. Já que o bispo “ordenante” pertence a uma comunidade cismática, trata-se, ademais, de uma grave ofensa contra a unidade da Igreja. Assim mesmo, o sucedido, ao invés de contribuir, prejudica a uma autêntica promoção da mulher, a qual ocupa um lugar peculiar, específico e insubstituível na Igreja e na sociedade.

Com a presente, considerando as declarações do Bispo de Linz e da Conferência Episcopal Austríaca a esse respeito, adverte-se formalmente, conforme a norma do cânon 1.347, §1º, do Código de Direito Canônico, às mulheres acima mencionadas, que incorrerão na excomunhão reservada à Santa Sé se, antes de 22 de julho de 2002, não reconhecerem, primeiro, a nulidade das “ordens” recebidas de um bispo cismático e em contrariedade com a doutrina definitiva da Igreja, e, segundo, não se declararem arrependidas e pedirem perdão pelo escândalo causado entre os fiéis.

Roma, da sede da Congregação para a Doutrina da Fé, em 10 de julho de 2002.

Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

Tarcisio Bertone, S.D.B.
Arcebispo emérito de Vercelli, Secretário

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