1) Introdução
“Em primeiro lugar, não hesito em dizer que o horizonte para o qual deve tender todo caminho pastoral é a santidade” (João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, n. 30).
A santidade da Igreja, Corpo Místico de Cristo, é dom e trabalho para todos os seus membros, pois “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3). Todos os batizados estão chamados a corresponder a esta vontade expressa de Deus. Porém, tal como continuamente nos recordavam Bento XVI e a Congregação para o Clero, a importância da santidade dos padres para a vida da Igreja é fundamental. É evidente a influência de um sacerdote sobre os seus paroquianos bem como a influência de um bispo sobre a sua diocese.
Na abertura da 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos o Papa Bento XVI proclamou “Doutores da Igreja” dois santos, sendo um deles o sacerdote diocesano espanhol São João d’Ávila. Gostei muito do breve artigo de D. Odilo Scherer (O SÃO PAULO, ed. de 9.10.2012) onde ele explica por que achou “muito significativa e feliz essa decisão”. Após um breve relato da vida do santo faz uma conclusão muito bonita:
Não é difícil perceber semelhanças entre a nossa época e a de São João d’Ávila: a forte descristianização, a necessidade de uma “nova evangelização”, mesmo onde todos eram tidos como “católicos”, a urgência da Catequese para todos e da melhor formação do clero, a pregação abundante, compreensível e coerente, a coragem de tomar iniciativas missionárias novas… Aquela época contou com muitos santos! Não pode ser diferente em nosso tempo: os santos são os melhores evangelizadores!
Os que amam a Santa Igreja sentem o desejo de vê-la cada vez mais bonita, mais santa, com uma santidade que transpareça em todos os seus membros. Frente aos inúmeros desafios de nosso tempo, como a necessidade de uma nova evangelização mundial, a proliferação de seitas em muitos lugares, sacerdotes com sérias dificuldades e tantas outras preocupações, se percebe como é urgente este testemunho mais luminoso de Cristo.
Os fiéis têm direito à santidade dos padres. Beijam as mãos do sacerdote porque sabem que são as mãos de Cristo. A Igreja tem a obrigação de procurar, com todas as suas forças, a santificação de seus ministros ordenados. “Um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina” (S. Cura d’Ars).
A proposta do texto que segue é ajudar a redescobrir o valor da Direção Espiritual na vida dos sacerdotes e dos seminaristas, como modo eficaz de auxílio neste caminho da santidade e como elemento de grande importância para o contínuo processo de renovação espiritual da Igreja.
2) Direção Espiritual é caminho de santidade
Fala-se muito de vida de fé e esperança, de oração, de piedade eucarística, da centralidade da Santa Missa, da unidade na Igreja, dos valores cristãos etc… Os documentos da Igreja costumam recomendar tudo isso aos padres. Mas sabemos que, na prática, não é tão fácil viver estes bons hábitos, nem para os clérigos e nem para os seminaristas. Na minha experiência como diretor espiritual posso afirmar, sem receio de estar errado, que muitos padres, na maior parte das dioceses, não alcançam o que poderíamos chamar de “patamar básico” de santidade, necessário para o digno desempenho de seu ministério.
Ressalto que não estou me referindo a escândalos públicos nem a grandes pecadores e sim a padres que têm um bom coração, amam o sacerdócio, mas, mesmo assim, provavelmente por falta da ajuda necessária, não alcançam este “patamar básico de santidade, necessário para o digno desempenho de seu ministério”. Um bom orientador espiritual pode ajudar muito, pois conhece estas dificuldades e presta auxílio com a sua experiência e oração.
Entenda-se aqui a “direção espiritual” em seu sentido clássico, isto é, a ajuda de um bom orientador nas questões espirituais, alguém com boa doutrina que busque a santidade de seus dirigidos e aconselhe com sabedoria. O diretor espiritual se esforçará por conhecer bem a pessoa e acompanhá-la, se possível ao longo de vários anos. Deste modo ajudará a discernir e realizar a Vontade de Deus para esta pessoa concreta, considerando o seu temperamento, as suas circunstâncias e a sua liberdade.
Muitos padres procuram o aconselhamento nos momentos de dificuldade. Enxergam a direção espiritual como “Pronto Socorro”, como “Hospital”, a que se acode nas doenças, nos casos extremos, na hora de “crise”. Deveria ser encarada como “Academia”, via constante de fortalecimento, de superação, caminho de santidade. Tão natural para um padre quanto os exercícios para um atleta. Em todas as circunstâncias, prósperas ou adversas, encontramos na Direção Espiritual um novo ânimo!
3) A Santa Igreja sempre recomendou a Direção Espiritual
A Igreja sempre recomendou a Direção Espiritual, desde os primeiros séculos, como meio de grande eficácia para progredir na vida cristã. O fundamento da direção espiritual cristã se encontra na vida do próprio Jesus e na vida dos santos.
Se a vida de Jesus foi de humildade e obediência ao Pai, também assim deve ser a vida dos cristãos e, de maneira especial, dos sacerdotes. Com sua obediência ao Pai, Cristo realiza a Redenção da humanidade: “Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos” (Rm 5,1). Deus faz da obediência e da humildade condição para derramar as graças que cada um necessita para sua salvação e edificação: “Todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humildade; porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (1 Pd 5,5).
Nas palavras do Papa Leão XIII: “Deus dispôs que, de forma ordinária, os homens se salvem com a ajuda de outros homens; e assim, aos que Ele chama a um grau mais alto de santidade lhes proporciona também quem lhes guie até esta meta” (Testem benevolentem, 22-I-1899).
“Um homem é imparcial em causa alheia, mas se perturba na própria” (São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. III, p. 132). Direção Espiritual é pura humildade, é fugir da “má autossuficiência”, é lutar contra o orgulho e abrir-se à Vontade de Deus, que enxergamos melhor quando ajudados por um pai espiritual.
Ao falar da formação dos clérigos, o Código de Direito Canônico diz o seguinte: “Acostumem-se os alunos a acudir com frequência ao sacramento da penitência, e se recomenda que cada um tenha um diretor espiritual, eleito livremente, a quem possa abrir sua alma com toda a confiança” (c. 246 § 4).
O Beato João Paulo II, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis, ao tratar da formação permanente dos sacerdotes, no número 81 argumenta nos seguintes termos:
Também a prática da direção espiritual contribui muito para favorecer a formação permanente dos sacerdotes. É um meio clássico, que nada perdeu do seu precioso valor, não só para assegurar a formação espiritual mas ainda para promover e sustentar uma contínua fidelidade e generosidade no exercício do ministério sacerdotal. Como então escrevia o futuro Papa Paulo VI, “a direção espiritual tem uma função belíssima e pode dizer-se indispensável para a educação moral e espiritual da juventude que queira interpretar e seguir com absoluta lealdade a vocação da própria vida, seja ela qual for, e conserva sempre uma importância benéfica para todas as idades da vida, quando à luz e à caridade de um conselho piedoso e prudente se pede a comprovação da própria retidão e a ajuda para o cumprimento generoso dos próprios deveres. É meio pedagógico muito delicado, mas de grandíssimo valor; é arte pedagógica e psicológica de grande responsabilidade para quem a exerce; é exercício espiritual de humildade e de confiança para quem a recebe”.
4) Formação permanente e Direção Espiritual na vida dos padres – outras citações interessantes
É oportuno observar que a sociedade de hoje – especialmente nos ambientes das grandes corporações – percebe muito bem a conveniência de “personalizar” a formação com o intuito de atingir objetivos e melhorar resultados; daí o surgimento de profissionais como personal adviser (conselheiro pessoal), personal trainer (treinador pessoal), entre tantos outros tipos de serviços pessoais oferecidos por autônomos e empresas.
A Igreja também manifesta a necessidade de personalizar a formação permanente dos sacerdotes: “Embora seja para todos, a formação permanente tem como objetivo direto o serviço a cada um dos que a recebem. Assim, ao lado dos meios coletivos ou comuns, devem existir todos aqueles outros meios que tendem a personalizar a formação de cada um” (Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, n. 80)
Lemos em outro documento: “Também os irmãos no presbiterato devem ser objetivo privilegiado da caridade pastoral do sacerdote. Ajudar-lhes espiritual e materialmente, facilitar-lhes delicadamente a confissão e a direção espiritual, tornar amável o caminho de serviço, ser-lhes próximos nas suas dificuldades, acompanhá-los com atenção fraterna em qualquer dificuldade, na velhice e na doença. Eis um campo realmente precioso para a prática das virtudes sacerdotais.” (O presbítero, mestre da palavra, ministro dos sacramentos e guia da comunidade, em vista do terceiro milênio, 19 de março de 1999, cap. III, nº 3, logo após a nota 78).
A fraternidade entre os sacerdotes é parte necessária da sua vocação e pode ser exercida de tantas maneiras quanto a caridade inspirar. O cansaço físico e psicológico devido ao excesso de trabalho e às preocupações pastorais, solidão, doença, são algumas das dificuldades pelas quais pode passar um sacerdote ao longo do seu ministério. Tais obstáculos são transpostos com mais ânimo e fortaleza quando o padre se vê acompanhado, porque: “um irmão apoiado por outro irmão é como uma cidade fortificada” (Pr 18,19). Sobre a fraternidade sacerdotal temos este bonito texto de Bento XVI na carta de proclamação do Ano Sacerdotal:
Queria ainda acrescentar, apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis do Papa João Paulo II, que o ministério ordenado tem uma radical «forma comunitária» e pode ser cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu Bispo. É preciso que esta comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo Bispo, baseada no sacramento da Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva. Só deste modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da primeira pregação do Evangelho.
5) “O SACERDOTE MINISTRO DA MISERICÓRDIA DIVINA, subsídio para confessores e diretores espirituais”
Como sabemos, este excelente subsídio da CONGREGAÇÃO PARA O CLERO de 9 de março de 2011 trata com bastante profundidade da Direção Espiritual. De todo o documento selecionei alguns trechos que podem ajudar em nossa reflexão.
Já na APRESENTAÇÃO encontramos: “(…) com o presente subsídio, fruto ulterior do Ano Sacerdotal, deseja-se oferecer um instrumento útil à formação permanente do Clero e uma ajuda à redescoberta do valor imprescindível da celebração do sacramento da reconciliação e da direção espiritual.
A nova evangelização e a renovação permanente da Igreja, semper reformanda, recebem a sua dinâmica vital da real santificação de cada membro, que precede, postula e é condição de toda eficácia apostólica e da almejada reforma do clero.”
Nº 68. A formação inicial ao sacerdócio, desde os primeiros momentos de vida no Seminário, abrange efetivamente esta ajuda: “os alunos sejam formados com uma peculiar educação religiosa, e sobretudo por uma apta direção espiritual, de maneira a seguir Cristo Redentor de alma generosa e coração puro” (CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Optatam totius, 3).
Nº 74. Os próprios ministros necessitam da prática da direção espiritual, que está sempre intrinsecamente ligada à intimidade com Cristo: “para desempenhar com fidelidade o seu ministério, tenham a peito o colóquio quotidiano com Cristo Senhor, na visita e culto pessoal à Sagrada Eucaristia; entreguem-se de bom grado ao retiro espiritual, e tenham em grande apreço a direção espiritual” (CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Presbyterorum Ordinis, 18).
Nº 75. A realidade ministerial exige que o ministro receba pessoalmente a direção espiritual, procurando-a e recebendo-a com fidelidade, para poder dirigir melhor os outros: “para contribuir para o melhoramento da sua espiritualidade é necessário que os presbíteros recebam eles mesmos a direção espiritual. Colocando nas mãos dum sábio colega a formação da sua alma, a partir dos primeiros anos de ministério, crescerão na consciência da importância de não caminhar sozinhos pelos caminhos da vida espiritual e do empenho pastoral. Recorrendo a este meio eficaz de formação, tão experimentado na Igreja, os presbíteros terão plena liberdade na escolha da pessoa a quem confiar a direção da sua vida espiritual” (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros Dives Ecclesiæ, 54).
Sobre o discernimento do Espírito Santo na direção espiritual (ou seja, para saber o que Deus quer de grandioso para esta pessoa) vale a pena ler os números 98 e 99 que estão abaixo. Retoquei um pouco o texto do segundo parágrafo desta citação para torná-lo mais inteligível, baseando-me nas traduções castelhana e italiana:
Com a ajuda do acompanhamento ou conselho espiritual, à luz desta vivência da fé, é mais fácil discernir a ação do Espírito Santo na vida de cada indivíduo, que leva sempre à oração, à humildade, ao sacrifício, à vida ordinária de Nazaré, ao serviço, à esperança, seguindo o modelo que nos é oferecido por São Lucas na vida de Jesus, sempre guiada pelo Espírito Santo: para o “deserto” (Lc 4,1), os “pobres” (Lc 4,18), a “alegria” pascal no Espírito (Lc 10,21).
A ação do espírito maligno é acompanhada pela soberba, auto suficiência, tristeza, desencorajamento, inveja, confusão, ódio, falsidade, desprezo pelos outros e preferências egoístas. Sem o aconselhamento ou acompanhamento espiritual, é muito difícil iluminar certos âmbitos (da vida espiritual) (…).
Nº 139. A perene reforma da vida da Igreja precisa do tom inequívoco da esperança. O crescimento das vocações sacerdotais, da vida consagrada e do compromisso eclesial dos leigos no caminho da santidade e do apostolado, exige a renovação do ministério da reconciliação e da direção espiritual, exercitados com um entusiasmo motivado e com uma generosa entrega de si mesmo. É esta a “nova primavera” desejada por João Paulo II (…) (Cf. Carta Enc. Redemptoris missio, 92).
Também me parece de grande interesse o capítulo que trata das “Qualidades do diretor espiritual”, a partir do número 101. A escolha de um bom diretor espiritual para si mesmo já é sinal de um coração que deseja ser generoso para com Deus e o próximo.
6) Direção Espiritual como fonte de inumeráveis graças
Fala-se tanto de um presbitério unido em torno do bispo. Penso que as vezes se esquece que a busca da santidade é necessária para que haja esta unidade e comunhão na Igreja. A unidade exige a humildade e a conversão. Ela é um dom de Deus, sinal da presença do Espírito Santo como em Pentecostes, um dom que foi alcançado para nós por Cristo Nosso Senhor em sua Kenosis (“humilhou-se a si mesmo tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” – Fl 2,8). No outro extremo temos o egoísmo e o orgulho que dividem e separam as pessoas. Aquele que busca a perfeição espiritual beneficia não só a sua alma, mas toda a Igreja. Promovendo a Direção Espiritual estaremos contribuindo para uma Igreja mais unida e também para o ecumenismo. Se os próprios sacerdotes muitas vezes não estão unidos, nem entre si, nem com o bispo e nem com o papa, como aspirar a uma única Igreja de Jesus Cristo? Sem o Espírito Santo não existe verdadeira caridade e a unidade será falsa, como a de Judas, antes da traição final. O ecumenismo começa no próprio coração de cada cristão. A unidade só se constrói em torno da verdade; assim, buscar a unidade e buscar a santidade são duas faces de uma mesma realidade.
Aquele que se empenha em ser sincero, dando-se a conhecer e abrindo a alma ao seu diretor espiritual periodicamente, salvaguarda sua integridade cristã, retificando o caminho diante de Deus quantas vezes se faça necessário. “Ai daqueles que querem esconder do Senhor seus desígnios, que fazem intrigas nas trevas e dizem: Quem nos vê e quem nos conhece? Que perversidade a vossa!” (Is 29,15-16).
Falta de vocações, cristãos descomprometidos com a doutrina e até graves escândalos dentro da Igreja são simples consequências da falta de empenho na busca da santidade. Deus não precisa de homens fortes ou perfeitos, mas de homens humildes; a estes certamente constituirá na sabedoria, na fortaleza e na perfeição. Com padres assim podemos acreditar em uma renovação da Igreja, e que esta poderá desempenhar melhor o seu papel de ser luz e fermento para a sociedade humana. (Cf. com a proposta de número 49, sobre os padres e os bispos, na lista final de propostas da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, a nova evangelização para a transmissão da fé cristã, de 27 de outubro de 2012, disponível em inglês no site do Vaticano em versão não oficial).
Ainda sobre esta influencia na sociedade: os assassinatos, o tráfico de drogas, de armas e de gente, e outros males semelhantes, penso que tudo isso, em boa medida, é apenas reflexo, efeito. O verdadeiro mal deste mundo é a falta de Deus na vida dos homens, é a falta de santos que mostrem a direção. Quando aqueles que deveriam ser luz se tornam trevas, e quando aqueles que deveriam ser fermento bom se tornam germe corrompido, que podemos esperar do resto? Penso que nós, padres, antes de julgarmos os outros, deveríamos recordar estas palavras do Senhor: “a quem muito foi dado, muito será exigido” (cf. Lc 12, 47-48).
7) Como os padres formadores de seminaristas podem ajudar na conscientização da absoluta necessidade da Direção Espiritual na vida dos seminaristas e dos sacerdotes
“Na verdade, a formação dos futuros sacerdotes, (…) e o assíduo cuidado, mantido ao longo de toda a vida, em vista da sua santificação pessoal no ministério e da atualização constante no seu empenho pastoral, é considerado pela Igreja como uma das tarefas de maior delicadeza e importância para o futuro da evangelização da humanidade” (Pastores Dabo Vobis, n. 2). Na diocese, o mais importante é cuidar dos padres e dos seminaristas!
Tudo começa pelo seminário. Vejamos um fato recente bastante significativo. No Motu proprio Ministrorum institutio, de 16 de janeiro de 2013, Bento XVI transfere a competência sobre os seminários da Congregação para a Educação Católica para a Congregação para o Clero. Nesta Carta Apostólica Bento XVI cita o nº 71 da Pastores Dabo Vobis onde João Paulo II expõe que a formação permanente dos sacerdotes é a continuação natural e absolutamente necessária daquele processo de estruturação da personalidade presbiteral que foi iniciado e desenvolvido no seminário.
Parece-me evidente: se desejamos que nossos padres recém-ordenados procurem sempre este valioso auxílio da Direção Espiritual, este empenho deverá iniciar-se em nossos seminários. Não apenas oferecendo aos seminaristas esta experiência, mas também através do bom exemplo dos formadores. Que os padres formadores sejam mais incentivados e cobrados a dar este bom exemplo para os seminaristas.
Se todos os formadores fizessem um bom acompanhamento espiritual com diretores espirituais preparados para esta nobre missão, isso ajudaria muitíssimo aos seminaristas, que, na atual conjuntura, frequentemente não valorizam a Direção Espiritual! Lógico, se o próprio formador não valoriza, por que o fariam os seminaristas? E também, como alguns formadores não tiveram a experiência de uma Direção Espiritual bem feita nos tempos de seminário, não conseguem perceber a importância dela para a atual formação sacerdotal. Na medida em que fizerem a experiência de uma verdadeira Direção Espiritual, saberão incentivar os seminaristas a fazerem o mesmo. Insistimos que, infelizmente, em muitas dioceses, os padres formadores não estão dando bom exemplo neste aspecto concreto da direção espiritual de que estamos tratando.
Não podemos confundir Direção Espiritual com “ter um confessor”. É certo que ter um confessor fixo já é um sinal de retidão de intenção. Incorreta é a atitude de fugir do sacerdote que nos acompanha, para não ter que confessar a ele talvez “os mesmos pecados de sempre”. No caso da Direção Espiritual damos um passo a mais na direção da humildade. Embora nem sempre esteja no contexto de uma confissão, para ser bem feita a Direção Espiritual pede a mesma sinceridade. E aparece um elemento novo: não queremos apenas uma absolvição e talvez um “conselhinho piedoso e animador”, mas sim um verdadeiro auxílio para entender e pôr em prática a Vontade de Deus em nossa vida. Isto é um processo que pode levar muitos meses ou até vários anos.
Direção Espiritual não pode ser substituída por psicoterapia, pois se trata de algo diferente. Na Direção Espiritual não se busca apenas a saúde psicológica, mas também e principalmente a saúde espiritual. Embora muito relacionadas não são a mesma coisa. Para ser mais claro, não nos interessa se o formador faz algum tipo de psicoterapia ou não, mas em todos os casos ele deverá ter o seu Diretor Espiritual, e que os seminaristas percebam isso. Desta forma se sentirão motivados a procurar um acompanhamento espiritual depois que saírem do seminário. Em outras palavras: psicoterapia é apenas para quem precisa ou deseja, por motivos pessoais ou em razão de seu ministério, já a Direção Espiritual é para todos os seminaristas e padres. Além disso, acho que ninguém melhor do que um sacerdote para compreender a vida e o coração de outro sacerdote.
Penso que apenas o formador que se empenha verdadeiramente por alcançar o elevado cume da Vontade de Deus sabe como é difícil e importante formar padres santos. Acredito que somente os formadores e os bispos que lutam por ser santos compreenderão, na teoria e principalmente na prática, que o seminário é o coração, é a alma da diocese.
8) Como os bispos podem ajudar neste processo
Os padres e os seminaristas são a grande riqueza de uma diocese. Assim, é natural que se espere dos nossos bispos que tomem conta deles com especial atenção. Se cosuma dizer que o bispo precisa estar muito perto de seus padres, como amigo e como pai, como um pastor atento. Mas, concretamente, sobre o nosso assunto da Direção Espiritual, o que poderíamos mencionar?
Não podemos mascarar a realidade: a maioria dos padres não faz direção espiritual, não tem um diretor espiritual. Nós, sacerdotes, precisamos muito do bom exemplo de nossos bispos. O bom exemplo de ter um Diretor Espiritual e de procurá-lo com a devida frequência. Lembro-me de uma menina de minha paróquia que questionava sua mãe deste modo: “Por que eu tenho que fazer a catequese de Crisma se a senhora não foi crismada?” Hoje esta mãe, já crismada, está se preparando para ser catequista. O exemplo pessoal é o melhor modo de ensinar uma virtude ou transmitir um valor.
Portanto, além de orientar aos sacerdotes que continuem procurando o acompanhamento espiritual depois de saírem do seminário, se o próprio bispo diocesano marca este caminho com os seus passos será muito melhor! O bispo daria assim um excelente testemunho de humildade. Pode mandar ao melhor diretor espiritual da diocese que lhe faça uma visita mensal, por exemplo, e certamente será o tempo mais bem empregado do mês para os dois: a primazia da Graça!
Tendo em conta a situação atual do clero, estamos convencidos de que se trata de uma verdadeira obrigação dos bispos motivar o acompanhamento espiritual dos seus padres com a palavra e principalmente com o próprio exemplo, como se afirma no “Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros”:
Provendo a formação dos seus sacerdotes, é necessário que o Bispo se comprometa mediante a sua própria formação permanente pessoal. A experiência ensina que quanto mais o Bispo, começando por ele, estiver convencido e empenhado na sua formação, tanto mais saberá estimular e sustentar a do seu presbitério (n. 89).
Também a própria santificação do bispo diocesano, cujo processo se vê acelerado e fortalecido pela Direção Espiritual, tem uma repercussão direta sobre padres, paróquias, seminários, formadores, vocações sacerdotais, faculdades de teologia, professores, colégios católicos, dioceses, e sobre toda a Igreja e Sociedade!
Em certo sentido poderíamos dizer que a vitalidade da Igreja se resume à vida interior dos bispos. A lógica é simples e verdadeira: a vida espiritual dos bispos se reflete na vida espiritual dos padres, que se reflete na vida espiritual dos fiéis, que se reflete em toda a sociedade. Portanto, não seria egoísmo, e sim um grande dom para todos, que o bispo procurasse para si um bom diretor espiritual e dedicasse para os cuidados de sua própria alma o tempo e as forças necessárias.
Um bispo assim certamente colocará os melhores padres como formadores, não ordenará seminaristas indignos e tratará com o devido cuidado e atenção o caso dos padres com vida irregular, não cometendo o grave pecado da omissão. Pois não estará preocupado com o que os outros vão dizer ou pensar, e sim em realizar os planos de Deus. Seu objetivo não será uma diocese bonita aos olhos dos outros, mas aos olhos de Deus. Procedendo assim serão recompensados com uma diocese exuberante de vida espiritual em todos os sentidos.
“Deus nunca abandona de tal maneira a sua Igreja que não se achem ministros idôneos em número suficiente para as necessidades dos fiéis se se promovem os que são dignos e se rejeitam os indignos” (Suma Teológica, Suplemento, q.36, a.4, ad.1).
Que se perceba nos padres e principalmente nos bispos o “bonus odor Christi” (cf. 2 Cor 2, 15-17). Esta amizade com Cristo não se conquista pela autossuficiência, mas sim através da estrada da humildade. Uma busca sincera que será sempre acompanhada de dor e momentos de escuridão, repetindo em nossa vida a vida de Cristo e dos santos. Trata-se de um mundo onde quem acha que vê é cego, e quem sabe que é cego (todos somos), esse vê. “Jesus então disse: Vim a este mundo para fazer um discernimento: para que os que não veem vejam e os que veem tornem-se cegos” (Jo 9, 39).
Rezemos pela santificação de nós padres e de nossos bispos e estaremos atuando nas raízes mais profundas. O problema seguinte a ser resolvido será a construção de igrejas maiores, onde caibam todos os que serão atraídos pela força e pela beleza da mensagem cristã vivida cabalmente, fonte da felicidade verdadeira a que aspira todo ser humano.
9) A Falsa Direção Espiritual
Nesta questão partimos do seguinte principio: infelizmente, nem todos os rapazes que procuram o seminário o fazem por motivos nobres. Também, por vezes, este “motivo nobre” existia, mas se perverte no decorrer do processo formativo. Sempre foi assim e, em nossos tempos, podemos dizer que isso envolve novas circunstâncias, tais como o livre acesso à internet em muitos seminários, a falta de formação dos jovens nas virtudes, seminaristas que procedem de famílias desestruturadas, a erotização da sociedade e a consequente banalização do sexo, visto até como forma de lazer.
Também se constata a questão do homossexualismo de uma forma muito mais frequente do que antes. Para recordar a gravidade deste aspecto, que se tornou mais visível nos últimos anos, menciono o artigo “Igreja – informação versus campanha” do conceituado jornalista Carlos Alberto Di Franco, onde cita um autor de Oxford segundo o qual mais de 90% dos padres católicos envolvidos com abusos sexuais são homossexuais (Publicado em 05/04/2010 – Jornal Gazeta do Povo – Curitiba). Outro artigo digno de se fazer referência é este do Pe. Prof. Dr. Peter Mettler, MSF: “Homossexualidade e ministério ordenado, Critérios de análise e correlações incômodas”. O autor fornece e se baseia em uma ampla bibliografia.
Neste contexto das mudanças das últimas décadas, os formadores de seminaristas deverão estar muito atentos ao que poderíamos chamar “falsa direção espiritual”. Trata-se de quando um seminarista procura a direção espiritual apenas para causar boa impressão nos formadores. É falsa porque falta a boa intenção de procurar verdadeiramente a vontade de Deus e a santidade e porque não é sincero com o diretor espiritual. Não abre o coração de verdade e assim perde o tempo e faz o diretor espiritual perder o tempo também.
Os seminaristas falsos costumam ser mais ou menos assim: por fora têm aparência normal. Humanamente falando podem ser excelentes: estudiosos, obedientes… mas um Diretor Espiritual com experiência facilmente os reconhece. Costumam ser fechados no diálogo com o Diretor Espiritual, não tocam em temas delicados ou humilhantes para eles. São orgulhosos e fingidos. Não procuram a Igreja para servir a Deus. O que desejam é um cabide para pendurar suas vidas e seus objetivos não são corretos. Serão padres de vida interior raquítica e praticamente não farão mais Direção Espiritual depois de saírem do seminário. Estes padres falsos, com vida dupla, atrapalham não apenas a salvação da própria alma, mas também a vida da Igreja. Nos casos que se tornam públicos, corrompem a imagem da Igreja perante a sociedade. Daremos a seguir alguns exemplos de situações que ocorrem na prática dentre as muitas que podem existir.
Um primeiro exemplo de falsidade é o do seminarista que, com esta intenção de aparentar retidão, procura um dos melhores diretores espirituais, cuja simples menção do nome serve como um certificado de idoneidade para ele. Desta forma, o que ele deseja é garantir as aparências, abrindo assim caminho para sua ordenação sacerdotal.
Também é verdade que muitos procuram um bom diretor espiritual com reta intenção. “Ora, este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más. Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas aquele que pratica a verdade vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3, 19-21).
Ao pedirmos a alguém que nos ajude em nossa caminhada espiritual, é como se disséssemos a Deus: “Gostaria de ter a mesma temperatura espiritual desta pessoa que escolhi como meu Diretor Espiritual”. É evidente que aquele que deseja de verdade realizar a Vontade de Deus em sua vida vai buscar auxílio em alguém com “odor de santidade”. Já aquele que prefere repousar tranquilamente na poltrona de seu egoísmo vai procurar “ajuda” em uma alma igualmente tíbia. Assim se “ajudarão” mutuamente a manter a consciência bem relaxada no banho-maria da inércia e da mediocridade.
Percebemos assim um segundo tipo de falsidade. Quando ao seminarista é dada a possibilidade de escolher o seu diretor espiritual e ele escolhe um padre que espiritualmente é fraco. Tal padre não lhe exigirá nada, e ele, seminarista, sabe perfeitamente disso e, justamente por este motivo, escolhe este padre. Não irá lhe cobrar oração, nem virtudes, nem sacramentos e nem a própria direção espiritual, já que tal padre tampouco vive nenhuma destas exigências da vida interior. Como poderá apontar para a santidade alguém que notoriamente não a tem por meta? Não será como um cego guiando outro cego?
Os documentos falam das qualidades necessárias para ser um bom diretor espiritual. Todos os sacerdotes deveriam possuir estas qualidades, mas na prática isto não ocorre. Assim gostaríamos de incentivar filialmente aos nossos bispos e exortar fraternalmente aos colegas formadores que procurem ser muito zelosos na escolha dos diretores espirituais que atuam nos seminários.
Nesta citação que faço do número 19 do documento “Recomendações pastorais da Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina – A FORMAÇÃO SACERDOTAL NOS SEMINÁRIOS” (20 de fevereiro de 2009) peço uma especial atenção para as palavras que ressaltei em negrito:
Para que o formando possa discernir com clareza a sua vocação ao sacerdócio ministerial, o Seminário e as casas religiosas de formação devem favorecer e exigir para todos uma segura e constante direção espiritual, fundada sobre a transparência e articulada com uma frequente celebração do sacramento da Reconciliação.
Como último exemplo coloco a situação do seminarista mal intencionado que procura uma falsa ajuda espiritual em um padre bom, mas que não tem experiência como orientador espiritual de seminaristas. Penso que irão conversar sobre muitos assuntos, menos sobre o que realmente importa. Este orientador sem experiência será facilmente enganado. Dou aqui meu testemunho de que, às vezes, é bem difícil ser Diretor Espiritual de seminaristas. O fator experiência conta bastante. Alguns destes seminaristas seriam excelentes vocações para atuar como artistas em Hollywood, com direito a prêmio Oscar em todas as modalidades!
10) Os inimigos da Direção Espiritual
O grande inimigo da Direção Espiritual é o orgulho. Este poderá manifestar-se de diferentes maneiras. Como primeiro exemplo cito a má autossuficiência (sem dúvida que existe uma boa e correta autossuficiência). Sem a disposição interior da humildade (peçamos para todos este grande dom!) não podemos sequer compreender a Direção Espiritual. Uma humildade que por sua vez se manifesta como sinceridade absoluta para com a pessoa que serve a Deus ao prestar-nos esta ajuda e também como docilidade e empenho por colocar em prática os conselhos recebidos. Como o barro nas mãos do oleiro.
Penso que o ativismo é também manifestação de orgulho. Extasiado com as “maravilhas” que consegue fazer “sozinho” este padre deixará de buscar a graça na sua fonte e, como é lógico, mais cedo ou mais tarde vai cair dolorosamente. O padre ativista nunca encontrará tempo para a Direção Espiritual e, mesmo possuindo uma índole boa, como todos os padres, continuará sendo escravo de seus vícios e muito dificilmente conseguirá desenvolver as suas potencialidades humanas e sobrenaturais.
Sobre o ativismo acho muito bonitas as palavras de São Carlos Borromeu citadas no nº 72 de Pastores Dabo Vobis no contexto da formação permanente do clero:
(…) Esta formação mostra-se também necessária à autenticidade e fecundidade do ministério sacerdotal. “Exercitas a cura de almas?”, perguntava São Carlos Borromeu no seu discurso dirigido aos sacerdotes, e respondia deste modo: “Não descuides por causa disso o cuidado de ti mesmo, e não te dês aos outros até ao ponto de não restar nada de ti, para ti próprio. Certamente, deves ter presente a recordação das almas de quem és pastor, mas não te esqueças de ti mesmo. Compreendei, irmãos, que nada é tão necessário a todas as pessoas eclesiásticas como a meditação que precede, acompanha e segue todas as nossas ações: cantarei, diz o profeta, e meditarei (cf. Sal 100, 1). Se administras os sacramentos, ó irmão, medita no que fazes. Se celebras a Missa, medita no que ofereces. Se recitas os salmos em coro, medita a quem e de que coisa falas. Se guias as almas, medita com que sangue foram lavadas; e tudo se faça entre vós na caridade (1 Cor 16, 14). Assim poderemos superar as dificuldades que encontramos, e são inumeráveis, cada dia. De resto, isto é-nos pedido pela tarefa que nos foi confiada. Se assim fizermos, teremos a força para gerar Cristo em nós e nos outros”
O orgulho pode também manifestar-se como desânimo e falta de idealismo. Lutando apenas com as próprias forças o padre vai desanimando e vai se cansando da vida cada vez mais. Acaba se acomodando e os sonhos de santidade de perdem em um passado longínquo. Queridos irmãos no sacerdócio, a direção espiritual é uma ajuda valiosa, para ter forças de ficar de pé e gritar bem alto: não! Com o auxílio de um bom diretor espiritual poderemos reverter este triste processo do orgulho, pois nos recordará os motivos da verdadeira glória na qual fomos elevados: a grandeza do Amor de Deus por nós! O otimismo como consequência desta certeza é uma exigência da autêntica vida cristã!
A direção espiritual será uma eficaz ajuda em nossa vida de piedade e sacramental. Com o fortalecimento da oração, o aumento da fé, da esperança e da caridade será um efeito imediato. Assim revigorados poderemos voar muito alto. E, lá em cima, com a alma ajoelhada diante do Santíssimo Sacramento, seremos capazes de compreender que, apesar de nossas muitas misérias e pecados, somos filhos amados de Deus e filhos prediletos de Nossa Senhora, e assim podemos aspirar a uma grande santidade, que será instrumento para a salvação de muitos!
Se fomos capazes de renunciar ao que existe de mais maravilhoso na vida humana, que é o amor de uma mulher e a formação de uma família, não podemos nos conformar com uma vida espiritual desnutrida e caquética (quando não cancerosa, infectada e moribunda). O nosso coração pede, e é natural que assim seja, um Grande Amor, que possa dar sentido a nossa vida celibatária: amor a Jesus Cristo e à sua Santa Igreja! Assim, a direção espiritual, por nos indicar o caminho, se nela perseveramos com humildade, é fonte da paz e da alegria verdadeiras, as únicas que existem: a paz e a alegria que procedem de Deus. Insistimos em que isto é um processo que dura muitos anos, a vida inteira.
De tal forma que poderíamos rezar assim: “Pai, que eu possa ambicionar para mim e para todos a felicidade de um Santo, nesta vida e na outra! Deus Todo-poderoso dai-me o colírio da humildade para que eu possa enxergar a grandeza, à qual me elevas no batismo, de ser teu filho. Dai-me a graça de procurar para mim um bom orientador espiritual que me anime a realizar em minha vida a Tua Vontade! Que me ajude a sentir sempre a alegria de ser Sacerdote de teu Filho Jesus. Que me entusiasme a acreditar, mesmo sendo fraco e pecador, no infinito poder transformador da Graça do teu Espírito Santo”.
11) Conclusão e últimas sugestões
Gostaria de esclarecer que em todas as menções que faço neste artigo à situação atual da Igreja estou me referindo ao seu estado como um todo e não a algum lugar em especial. Tenhamos em conta também a natural diferença de cidade para cidade, de diocese para diocese.
Como dizíamos no início desta reflexão, “fala-se muito de vida de fé, de oração, de piedade eucarística, da centralidade da Santa Missa, dos valores cristãos etc… Os documentos da Igreja costumam recomendar tudo isso aos padres”. Porém, estamos convencidos de que sem acompanhamento espiritual é impossível! Gostaríamos muito de ver toda a Igreja empenhada em que Padres e Bispos procurassem uma verdadeira Direção Espiritual como caminho realista de transformação e santidade. Outro caminho, na grande maioria dos casos, não existe ou é ilusório.
O Ano Sacerdotal, encerrado a 11 de junho de 2010 (Solenidade do Sagrado Coração de Jesus), teve como objetivo recordar e favorecer esta “tensão” dos sacerdotes para a perfeição espiritual da qual sobretudo depende a eficácia do seu ministério. Falava-se também de “recuperar a imagem da Igreja”, de “curar as feridas e reconquistar a confiança traída”, de “fidelidade do sacerdote, como Cristo fiel”. Ao rememorar estes anseios da Igreja e resgatando todo este legado do Ano Sacerdotal queremos recordar a Direção Espiritual como um elo muito importante deste processo de renovação contínua do Povo de Deus.
Expressões como “nova evangelização” ou “missão continental” seriam reduzidas a simples slogans vazios e mentirosos se não tomarmos todos os cuidados necessários para formar sacerdotes que estejam à altura das exigências do nosso mundo atual. Certamente que o encerramento do Ano Sacerdotal não foi propriamente um encerramento, mas um novo início. Mas para isso, se queremos mesmo recomeçar, serão necessárias mudanças. Ainda há muito por fazer!
Pois bem, esta é a nossa sugestão, nossa proposta e esperança: que seja tratado com mais frequência e profundidade este tema da Direção Espiritual, o que graças ao bom Deus já está acontecendo, como neste maravilhoso subsídio da Congregação para o Clero citado acima. Em todos os níveis, desde a teologia espiritual até o Magistério Pontifício, e de todos os modos, desde encontros de formação sacerdotal até documentos e livros específicos sobre este assunto.
O objetivo é formar a consciência da necessidade. A começar pelos bispos, formadores de seminários e promotores vocacionais, que vivam esta regra básica da humildade: que cada um tenha o seu Diretor Espiritual e procure o seu auxílio com a devida frequência. Darão assim um bom testemunho e exemplo aos demais padres e aos seminaristas.
E se alguém pensasse: “já tenho idade, tenho experiência, muitos estudos e títulos, tenho autoridade e ocupo cargos importantes na Igreja, sou cardeal etc…”, a este devemos responder que, precisamente por estes motivos, necessita, mais do que os outros sacerdotes, de um Diretor para sua alma.
Que, em cada diocese, os bons diretores espirituais sejam valorizados e “protegidos”. Que não se dê tanto trabalho ao diretor espiritual, em reuniões intermináveis para decidir coisas óbvias, que não tenha tempo para continuar progredindo na vida de oração e no conhecimento da doutrina espiritual dos santos. Que possa dedicar-se com mais paz à orientação espiritual de outros sacerdotes e de seminaristas e a pregar retiros.
Recomendo o artigo Direção espiritual (o sacerdote: pastor, pai, médico, mestre, juiz), do pe. Francisco Faus, que se encontra com facilidade no seu site (www.padrefaus.org).
Gostaria de indicar três livros. O primeiro, com 296 páginas, é o excelente “Para llegar a puerto, el sentido de la ayuda espiritual” – Ediciones Palabra – Mundo y Cristianismo, Francisco Fernández-Carvajal ( www.palabra.es ). Pelo que me consta em breve o teremos em português.
Deste mesmo autor temos já em português o livreto “A quem pedir conselho?”, muito bom e prático. Da editora Quadrante, com 61 páginas.
E por último a recente obra “La salud mental y sus cuidados”, muito boa para quem deseja aprofundar em tudo o que se refere à relação entre vida espiritual e problemas de saúde mental e física. ( Ediciones Universidad de Navarra, S. A. Pamplona, de 2010, em castelhano – www.eunsa.es ). Não esqueçamos que situações de stress e cansaço estão muito presentes na vida dos sacerdotes.
Uma sugestão oportuna é estarmos atentos à programação do “Centro di Formazione Sacerdotale” entidade vinculada à “Pontificia Università della Santa Croce”, em Roma (www.pusc.it). Eles oferecem cursos para formadores.
“A mesma santidade dos presbíteros (…) contribui muitíssimo para o desempenho eficaz do seu ministério: com efeito, se é verdade que a graça de Deus pode realizar a obra de salvação mesmo por meio de ministros indignos, apesar de tudo, Deus prefere ordinariamente manifestar as suas grandezas por meio daqueles que, mostrando-se mais dóceis aos impulsos e direção do Espírito Santo, possam dizer com o Apóstolo, graças à sua íntima união com Cristo e à santidade de vida: ‘Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim’ (Gl 2, 20)”. (João Paulo II, em Pastores Dabo Vobis nº 25, cita este trecho de Presbyterorum Ordinis nº 12).
Recordando todas as fontes usadas para fazer esta breve apologia da Direção Espiritual, quero louvar a Deus que através de seus santos vai iluminando a vida dos cristãos. Acho que nós, padres diocesanos, deveríamos nos deixar contagiar por esta busca vibrante e ardente da santidade que vemos em alguns grupos da Igreja. Quero também agradecer a Deus pela vida e o ministério de nosso querido Papa Emérito Bento XVI e pela escolha do Papa Francisco, uma especial alegria para todos os latino-americanos!
“Tenho um alimento para comer que vós não conheceis. (…) Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra.”
Já atuei como médico do corpo e como era bom sentir a gratidão dos pacientes após serem medicados! Hoje só cuido de almas e a minha maior alegria é quando posso atender espiritualmente outro sacerdote ou um seminarista, pois sei que, através de cada um deles, estarei curando e orientando a uma imensa multidão de pessoas. Obrigado Senhor Jesus!
28 de março de 2013, Quinta-Feira Santa
Pe. Octávio Aládio Vaz Filho
Formado em Medicina em 1988 pela Universidade Federal do Paraná
Sacerdote Diocesano da Arquidiocese de Curitiba, Paraná, Brasil
Reitor do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, Curitiba
Diretor Espiritual do Seminário Maior Arquidiocesano Rainha dos Apóstolos.
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