A beleza da Imaculada

A beleza da Imaculada

Imaculada Conceição – Advento – C

Leituras: Gn 3,9-20; Sl 97; Ef 1,3-12; Lc 1,26-38

Conta-se que o Beato escocês João Duns Scoto (1266-1308), estando diante de uma imagem de Nossa senhora, rezou da seguinte maneira: “Virgem Santa, fazei com que eu fale bem de vós!” Em seguida, o franciscano fez as seguintes perguntas: – A Deus lhe convinha que a sua Mãe nascesse sem a mancha do pecado original? Sim. A Deus lhe convinha que a sua Mãe nascesse sem nenhuma mancha, pois é mais honroso para ele. – Deus podia fazer que a sua Mãe nascesse sem o pecado original? Sim. Deus pode tudo e, portanto, podia fazer com que a sua Mãe fosse imaculada, sem mancha. – Aquilo que é conveniente a Deus, ele o faz ou não? Se Deus vê que uma coisa é conveniente, que é melhor, ele a realiza. – Logo – exclamou Scoto –, já que para Deus era melhor que a sua Mãe fosse imaculada e podia fazer que assim o fosse, ele – de fato – a fez imaculada. Convinha e Deus podia, Deus o fez!

Certamente, a inimizade total entre a mulher e o diabo (Gn 3,15) faz com que nela nada haja da serpente, nem na serpente nada haja da mulher. Em seu sentido mais profundo, essa mulher não podia ser Eva, uma vez que na primeira mulher havia pecado, algo tipicamente diabólico. Mais ainda, por mais que Adão tenha chamado sua mulher de Eva, “mãe de todos os viventes” (Gn 3,20), na verdade ela era a mãe de todos os que morrem. As palavras da Escritura, portanto, referiam-se a outra Eva, a Santíssima Virgem Maria, na qual não há pecado algum e, consequentemente, nela há vida abundante. Dela nascemos espiritualmente e por isso ela é nossa mãe na ordem da graça.

Os raciocínios do Beato da Imaculada em torno da Imaculada Conceição não foram os primeiros. Muitos estudiosos da ciência teológica haviam pensado nessa verdade de fé e, não obstante, encontravam dificuldades à hora de afirmá-la, basicamente duas: a universalidade do pecado depois de Adão e a universalidade da redenção efetuada por Cristo. Se todos nascem com a mancha do pecado original, como retirar a Mãe de Jesus do meio do comum dos mortais? Essa era a primeira objeção. Ademais, Cristo salvou a todos. Afirmado o anterior, será que a defesa da imaculada conceição não vai contra essa universalidade da redenção de Cristo que atinge a todos? De fato, esses argumentos fizeram com que alguns teólogos – como Santo Anselmo, São Bernardo, Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino e São Boaventura – negassem que Maria fosse imaculada desde a sua conceição. Logicamente, naquele tempo não havia o dogma da imaculada conceição e, portanto, nenhum deles pode ser acusado de heresia.

Ao contrário desses grandes teólogos, Eadmero (+1124), monge beneditino e discípulo de Santo Anselmo, mais atento à fé do Povo de Deus que se sentia atingido em sua piedade quando se afirmava que Maria teve o pecado original, ofereceu uma boa base argumentativa para defender a imaculada conceição de Nossa Senhora. A sua maneira de pensar ajudou especialmente a resolver a primeira dificuldade, aquela que se referia à universalidade do pecado. Eadmero se apoiou, por um lado na análise que pode ser feita sobre a geração do ser humano e, por outro, na onipotência de Deus. Esse autor diz que em toda concepção há que considerar duas coisas, os pais que geram (dimensão ativa) e o filho que é gerado (dimensão passiva). Na concepção ativa (geração) há continuidade e, nesse sentido, transmissão do pecado; mas na concepção passiva (a criatura que é gerada) há uma descontinuidade porque começa um novo ser e, nesse sentido, pode dar-se a ruptura com o pecado na humanidade. Estabelecida a possibilidade, o monge beneditino inglês apoiou-se na onipotência de Deus para que aquilo que é possível venha a ser real. Eadmero deixou escrito em seu “Tratado sobre a Conceição de Santa Maria”: como Deus pode e quis (romper a cadeia do pecado e fazer imaculada a Virgem Maria), fez aquilo que quis.

Com Guilherme de Ware (+1300), a teologia franciscana sobre a imaculada conceição de Maria começa a andar a passos largos. Esse frei inglês foi professor em Oxford; filósofo e teólogo, ao parecer foi mestre de João Duns Scoto em Oxford. Guilherme oferece o argumento para resolver a segunda dificuldade, aquela que se referia à “incompatibilidade” entre a universalidade da redenção e a imaculada conceição de Maria. Para esse autor, Maria não teve o pecado original porque ela foi redimida por Cristo antecipadamente, de maneira preventiva: ela foi preservada, pelos méritos de Cristo, de contrair o pecado original.

Todos esses argumentos teológicos nada mais são do que glosas àquelas palavras do arcanjo São Gabriel quando afirmou que Santa Maria é “cheia de graça” (Lc 1,28), isto é, tão plena da vida de Deus que nela não coube pecado algum. Ela foi a mulher que encontrou graça diante de Deus antes mesmo de nascer (Lc 1,30). Maria já existia no coração de Deus bela, imaculada e, numa espécie de comércio admirável entre o tempo e a eternidade, ela aparece naquela pequena cidade, Nazaré, como imaculada, sem mancha, toda pura, resplandecente de beleza, em virtude da redenção a ser realizada por Jesus Cristo na cruz.

Depois de um longo caminho de piedade mariana imaculista e de reflexão teológica, Pio IX, no dia 08 de dezembro de 1854, rodeado por 92 bispos, 54 arcebispos, 43 cardeais e de muitíssimas outras pessoas definiu como dogma de fé a Imaculada Conceição da Virgem e Mãe de Deus, Maria Santíssima: “declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria foi preservada imune de toda mancha da culpa original no primeiro instante da sua conceição por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em atenção aos méritos de Cristo Jesus Salvador do gênero humano, está revelada por Deus e deve ser, portanto, firme e constantemente acreditada por todos os fiéis” (Bula Ineffabilis Deus).

Ao elevar a mente à Imaculada Conceição, eu também gosto de pensar na pureza de vida que o Senhor pede que tenhamos e que pode resumir-se naquela bem-aventurança que diz “Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Mt 5,8). Quando falamos de pureza de coração não nos referimos somente à castidade, mas àquela disposição interior que nos deixa livres para acolher o olhar penetrante de Deus nas nossas vidas e para que também nós, com uma felicidade antecipada, possamos ver – agora na fé e depois na visão – o Pai e o Filho e o Espírito Santo. A pureza do coração nos faz sensíveis às coisas do alto; um coração sujo, ao contrário, não percebe as coisas de Deus.

Padre Françoá Costa
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