O encontro de Jesus com Zaqueu
Lc 19, 1-10
Caros irmãos e irmãs,
Para este domingo, logo na primeira leitura, tirada do Livro da Sabedoria (cf. Sb 11,22-12,2), encontramos o motivo para justificar a benevolência de Deus em relação ao homem: a misericórdia e o perdão (cf. Sb 11,23). Deus não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva; mas, ao mesmo tempo, convida o pecador ao arrependimento. É exatamente isto o que vemos no relato do evangelho, onde temos o encontro de Jesus com Zaqueu, o chefe dos publicanos, um homem que o judaísmo oficial considerava um pecador público, por ser cobrador de impostos para os romanos e, por isto, era odiado pelos judeus. Um publicano era visto como um explorador dos pobres e considerado um pecador público, estando, portanto, excluído da comunidade da salvação, sem hipóteses de perdão.
Um publicano, segundo os costumes da época, era um amaldiçoado por Deus e desprezado pelos homens. A referência à “pequena estatura” de Zaqueu, mais do que uma indicação de caráter físico, pode significar a sua pequenez e insignificância, do ponto de vista moral. Este homem procurava ver Jesus. O “ver” pode indicar mais do que uma curiosidade, mas uma procura intensa, uma vontade firme de encontrar algo novo, um desejo de fazer parte dessa comunidade de salvação que Jesus anunciava.
Por ser de baixa estatura, Zaqueu não conseguia ver Jesus. Na verdade, pela sua má reputação, não podia sequer aproximar-se de Jesus. Sendo uma figura conhecida, venceu a vergonha e subiu em uma árvore para poder ver Jesus. O texto evangélico diz que Zaqueu “correndo à frente, subiu” e depois, quando Jesus o chamou, “desceu imediatamente” (v. 6).
Zaqueu certamente ouvira falar de Jesus, de sua misericórdia, de sua bondade, de sua mansidão. Jesus o chama pelo nome. Enquanto todos o rejeitavam, Jesus, o chama pelo nome, como a um amigo, como a um conhecido, e se oferece para ficar hospedado na sua casa: “Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria” (v. 6).
Em conformidade com as normas judaicas da época, Jesus não devia entrar na casa Zaqueu, pois era um conhecido pecador público, como era julgado, mas Jesus levantou o seu olhar para ele (v. 5). O olhar de Jesus ultrapassa os defeitos e vê a pessoa; não se detém no mal do passado, mas entrevê o bem no futuro.
Jesus chama Zaqueu pelo nome, sinal do seu amor e da sua atenção para com aquele homem. É o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo, que ama todos os seus filhos, sem excluir ninguém, nem sequer os pecadores e os marginais. Jesus chama pelo nome um homem desprezado por todos. Na boca de muitos, este nome certamente era pronunciado com grande desprezo. Agora é proferido de outra maneira, indicando familiaridade e de algum modo urgência de uma amizade.
Cristo não só fez notar que vira Zaqueu, o chefe dos publicanos, portanto, um homem de certa posição, em cima da árvore, mas além disso declarou diante de todos querer “ficar em sua casa” (v. 5). Esta iniciativa de Jesus provoca em Zaqueu toda uma mudança. Nota-se aqui uma relação de olhares. Há o olhar de Zaqueu, que procurava ver quem era Jesus. E há o olhar de Jesus que, ao chegar a esse lugar, ergueu os olhos para Zaqueu.
Nesta altura toma-se claro que não só Zaqueu viu o Cristo, mas realizou o efeito, produziu o verdadeiro fruto de “ver” a Cristo, do encontro com Ele na plena verdade, realiza-se a abertura do coração, realiza-se a conversão. É que “o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (v. 10).
O ódio dirigido a Zaqueu e a sinalização do povo que murmura, não serviram para transformar esse homem, mas bastou um olhar diferente em sua vida, foi suficiente que alguém o chamasse pelo seu nome com amor e entrasse em sua casa sem interesses lucrativos, para que Zaqueu se transformasse, para que voltasse a começar corrigindo seus erros. A luz misericordiosa de Jesus provocou nele a mudança.
Jesus levou a sua luz à casa de Zaqueu e, de modo particular, levou alegria e salvação à sua casa. Graças à proximidade de Jesus, das suas palavras e do seu ensinamento começa a ter cumprimento a transformação do coração de Zaqueu. E ele confessa: “Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres; e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes mais” (v. 8).
Sob o olhar amoroso de Cristo, o coração de Zaqueu se abre ao amor para com o próximo. Saiu de uma posição de insensibilidade, que o levara a enriquecer sem se importar com o sofrimento alheio e passa a uma atitude de partilha, que se traduz em uma verdadeira divisão do seu patrimônio: a “metade dos bens” para os pobres. A injustiça, que causou dano aos irmãos com a fraude, é reparada, restituindo-lhes o quádruplo: “Se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes mais” (v. 8). Só quando chegou a este ponto é que o amor de Deus alcançou o seu objetivo e se operou a salvação: “Veio hoje a salvação a esta casa” (v. 9).
Também chama a nossa atenção o “hoje” dito por Jesus: “Hoje tenho que ficar em sua casa” (v.5). Sim, precisamente agora é para ele o momento da salvação. Este “hoje” é importante. Constitui uma solicitação. Na vida há questões de tal forma importantes e urgentes que não podem ser adiadas. Já nos diz o Salmista: “Se ouvires hoje a sua voz: ‘não endureçais os vossos corações’” (Sl 94, 8). Também esta expressão: “Tenho que ficar”, manifesta que o Pai, rico em misericórdia, quer que Jesus vá “procurar e salvar quem estava perdido” (v. 10), pois “Deus não quer a morte do pecador, mas sim, que ele se converta e viva” (Ez 18,25).
Esta passagem evangélica faz evidenciar, uma vez mais, a atenção de Jesus pelos humildes, os rejeitados e desprezados. Seus concidadãos desprezavam Zaqueu, porque praticava a injustiça com o dinheiro e com o poder, e possivelmente também porque para eles, Zaqueu não é mais que um pecador. Mas Deus apareceu visivelmente em Jesus Cristo que “veio buscar e salvar o que estava perdido”, como Ele mesmo disse (v. 10).
O resultado desta visita de Jesus à casa de Zaqueu foi a sua conversão. Nem sempre ele respeitava as exigências da justiça em sua função, mas encontro com Jesus toca o seu coração, muda a vida deste homem outrora pecador, a ponto de dizer: “Senhor, eu dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais!” (v.8). Zaqueu fizera experiência do amor de Deus, ele soube acolher esse amor e, transformado, transborda em arrependimento, ternura e misericórdia para com os outros.
Zaqueu subiu em uma árvore para ver o Senhor, porque uma multidão o impedia de melhor enxergar o Cristo. Hoje a multidão que nos impede de ver o Cristo pode ser os nossos muitos afazeres e as muitas preocupações que impedem o nosso encontro com o Senhor. E que possamos também nós ter a coragem de superar as dificuldades pessoais para vencermos o medo e o constrangimento e irmos ao encontro do Senhor que passa e lança o seu olhar para cada um de nós.
As palavras de Jesus dirigidas a Zaqueu devem encontrar eco em cada um de nós. Cristo, como outrora, se apresenta diante do homem do nosso século e faz a cada um a mesma proposta: “Hoje preciso ficar em tua casa” (v. 5). E qual será a nossa resposta?
Peçamos à Virgem Maria, que possamos também nós experimentar a alegria de receber a visita do Filho de Deus também em nossa casa, que Ele possa entrar em nossa vida e nos acompanhar em nosso itinerário e, renovados por seu amor, saibamos ser transmissores da sua verdade. E, a exemplo de Zaqueu, saibamos reparar todas as nossas faltas. Assim Seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ