Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano C

A cura dos dez leprosos

Lc 17,11-19

Caros irmãos e irmãs

A leitura do Evangelho deste domingo nos traz o episódio da cura operada por Jesus a favor dos dez leprosos, dos quais somente um volta para agradecer. Em ligação a este texto, está a primeira leitura tirada do segundo Livro dos Reis (cf. 2Rs 5,1-14), onde temos o relato da cura de Naamã, comandante do exército do rei da Síria, também leproso e, para se curar da lepra, vai ter com o profeta Eliseu, que lhe pede apenas para confiar em Deus e mergulhar sete vezes nas águas do rio Jordão.  Ao ser curado, Naamã volta a procurar o profeta e reconhece nele o mediador o Senhor, a quem passa a professar a fé.

Os dez leprosos são curados por Jesus, quando caminhavam para se apresentar aos sacerdotes, como Jesus ordenara: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes” (v. 14).  Esta ordem de Jesus está relacionada ao cumprimento de uma prescrição legal.  O leproso excluído da comunidade de Israel como impuro, só poderia ser reintegrado, após a declaração do sacerdote (cf. Lv 14,2-3).  Na obediência à prescrição de Jesus aqueles homens encontram a cura. Neste breve Evangelho aparece uma dezena de verbos de movimento. Mas o mais impressionante é, sobretudo, o fato de os leprosos serem curados, não quando estão diante de Jesus, mas depois, enquanto caminham, como diz o Evangelho: “Enquanto iam a caminho, ficaram purificados” (v. 14). O mesmo deve acontecer conosco, caminhar em conformidade com a ordem do Senhor. A cura física, expressão da salvação mais profunda, revela deste modo a importância que o homem, na sua integridade de alma e corpo, tem para com Deus.

Os dez leprosos vão ao encontro de Jesus e à distância, gritam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17,13). De modo direto e espontâneo eles chamam Jesus pelo seu nome. Chamar pelo nome é sinal de confidência e confiança. E o nome “Jesus” significa “Deus salva”. Os dez leprosos procuram alguém que os cure. Segundo a teologia da época, a doença, em especial a letra, era considerada como um castigo de Deus. E um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, e com o rosto por terra lhe agradeceu (v. 15).  Ele ouviu de Jesus o que os outros não ouviram: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (Lc 17,19). Trata-se de um samaritano, um estrangeiro tido como marginalizado do povo eleito, visto como um pagão. Ele não se contenta em ter obtido a cura através da sua fé, mas faz com que uma tal cura atinja a sua plenitude voltando atrás para expressar a sua gratidão pelo dom recebido, reconhecendo em Jesus o verdadeiro Sacerdote que, depois de o ter erguido e salvado, pode fazê-lo caminhar novamente para a vida. É a fé que salva o homem, restabelecendo-o na sua relação com Deus, consigo mesmo e com os outros.

O samaritano curado, ao agradecer, demonstra que considera a sua cura como um dom que provém de Deus, pois ele se prostra aos pés de Jesus (v. 16), sinal de que a fé o fez abrir à graça do Senhor e reconhecer que tudo é dom, tudo é graça. Vendo-se purificado, ao contrário dos demais, vai imediatamente até Jesus para lhe manifestar o próprio reconhecimento, percebe que a saúde readquirida é algo precioso, pois constitui um sinal da salvação que Deus nos concede através do Cristo, que o exorta: “A tua fé te salvou!” (v.19).

A reflexão deste texto evangélico pode ser também para nós uma ocasião propícia e preciosa para redescobrir a força e a beleza da fé diante da dor e do sofrimento. Podemos encontrar sempre uma âncora segura na fé, alimentada pela escuta da Palavra de Deus, da oração pessoal e dos Sacramentos, para vencermos as provações e dificuldades de cada dia.  O sofrimento pode constituir um tempo de graça, e pode proporcionar ao doente um voltar a si mesmo.

Se no passado a lepra era tida como uma terrível doença, uma impureza contagiosa que exigia uma purificação ritual (cf. Lv 14, 1-37). Nos tempos atuais, a lepra que deturpa a humanidade parece ser o pecado, o ódio, a violência, a guerra… Também nós necessitamos de cura, como aqueles dez leprosos. Precisamos de ser curados da pouca confiança em nós mesmos, na vida, no futuro; curados de muitos medos, dos vícios de que somos escravos; do excessivo apego ao dinheiro, uso indevido das redes sociais…

Mantendo-se à distância, os leprosos gritaram, dizendo: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (v.13).  Esses homens mantinham-se à distância porque não ousavam, levando em conta o seu estado, avançar para mais perto de Jesus. O mesmo pode acontecer conosco. Enquanto permanecemos nos nossos pecados, ficamos afastados. Portanto, para recuperarmos a saúde e nos curarmos devemos suplicar com voz forte: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (v. 13). Os dez leprosos invocam Jesus “gritando” (v.13) em voz alta. Isto indica que eles não se deixam paralisar pelas exclusões dos homens e gritam a Deus, que ouve o grito de quem está abandonado.

Este texto evangélico ainda nos faz perceber como Jesus reservou sempre uma atenção particular para com os enfermos. Ele não só convidou os seus discípulos a curar as feridas dos doentes (cf. Mt 10,8; Lc 9,2; 10,9), mas também instituiu para eles um Sacramento específico: a Unção dos Enfermos. A Carta de São Tiago oferece um testemunho da presença deste gesto sacramental já na primeira comunidade cristã (cf. Tg 5,14-16). Mediante a Unção dos Enfermos, acompanhada pela oração dos presbíteros, a Igreja inteira recomenda os doentes ao Senhor, a fim de que alivie as suas penas e os salve. A Igreja também oferece aos seus filhos o sacramento da penitência, pelo qual retornamos à casa do Pai, da qual o pecador se afastou pelo pecado.  A confissão dos pecados perante o sacerdote é um elemento essencial deste sacramento e pela absolvição sacramental do sacerdote, Deus concede ao penitente o perdão e a paz.

Podemos ainda observar que Jesus não cura apenas um leproso, mas dez. Este número na Sagrada Escritura tem um significado simbólico: indica totalidade.  Os dez leprosos, portanto, representam todo um povo. Com isto, a lição do texto evangélico é também esta: Todos nós precisamos ter um encontro com Jesus. Todos nós precisamos da salvação do Senhor. Um outro detalhe é que os dez leprosos não buscam a salvação individualmente, mas em conjunto. Eles fazem uma oração comunitária: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (v. 13).  Isto indica que houve integração entre eles.  O próprio texto evangélico refere-se a eles sempre no plural: “iam a caminho” e “ficaram purificados” (v.14): a fé é também caminhar juntos, jamais sozinhos.

Que também tenhamos a coragem de gritar por socorro ao Senhor para que ele cure a nossa lepra, especialmente, aquela espiritual, a fim de que, reconhecendo as maravilhas que ele opera na nossa vida, possamos cada vez mais ter uma fé mais fortalecida.

Quantos benefícios nós já recebemos de Deus, mas muitas vezes somos indiferentes.  No momento em que somos agradecidos a Deus nossa vida se transforma.  Devemos louvar e agradecer sempre aquilo que o Senhor nos dá constantemente. Só o fato de sermos chamados à existência já bastaria para transformarmos a nossa vida em um perene louvor. É preciso saber agradecer a Deus sempre.

Sequenciando a nossa Celebração Eucarística, invocamos a intercessão de Maria, Mãe de Misericórdia, a ela elevemos o nosso olhar para que, com a sua maternal compaixão, acompanhe e sustente a nossa fé e a nossa esperança. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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