Quem se humilha, será elevado
Lc 14,1.7-14
Caros irmãos e irmãs,
Para este domingo a Liturgia da Palavra nos propõe uma reflexão sobre alguns valores importantes para o nosso quotidiano: a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado… Na primeira leitura, tirada do Livro do Eclesiástico (cf. Eclo 3,19-21.30-31), a humildade é enfatizada como um caminho agradável a Deus, que proporciona ao homem êxito e felicidade. O texto nos apresenta uma instrução de um pai ao seu filho, na qual mostra a humildade como uma das qualidades fundamentais que todos nós devemos cultivar. É na humildade e na simplicidade que reside o segredo da sabedoria e do bem.
O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto e despreza os outros, sente-se superior aos demais e pratica, com frequência, gestos de prepotência, que o torna temido, mas nunca admirado ou amado. Precisamos reconhecer que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas somente de Deus.
Na página do Evangelho encontramos Jesus como hóspede na casa de um chefe dos fariseus. Os fariseus formavam um dos principais grupos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todas as atividades religiosas dos israelitas. A preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torá, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizar a Lei, esquecia das pessoas e não praticava o amor e a misericórdia. Os fariseus se consideravam puros, porque viviam de acordo com a Lei e desprezavam os que não cumpriam os seus preceitos integralmente; não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique a luta pelos lugares de honra que o Evangelho faz referência.
O relato evangélico nos situa no contexto de um banquete, que no mundo semita, era o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece muitas vezes em banquetes, para mostrar o sentido da comunhão, do encontro e da familiaridade, sinais que caracterizam o reino de Deus.
Observando que os convidados escolhiam os primeiros lugares à mesa, Jesus contou uma parábola, ambientada num banquete nupcial, dizendo: “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 14,8-10). Alguém que ocupa logo o primeiro lugar, já não pode ser convidado pelo anfitrião para subir a um lugar melhor; só pode ser rebaixado, isto quando aparece alguma pessoa mais importante. Por isto, é melhor ocupar o último lugar, para poder receber o convite de ocupar um lugar de maior destaque.
No final da parábola Jesus sugere ao chefe dos fariseus que convide à sua mesa não os amigos, os parentes ou os vizinhos ricos, mas as pessoas mais pobres e marginalizadas, que não têm como retribuir esse gesto (cf. Lc 14,13-14). Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados. Nas suas refeições, não convinha comparecer alguém de nível menos elevado, pois nesta refeição, não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com pessoas tidas como desclassificadas. Os fariseus também tinham a tendência, própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas, de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma. A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.
Jesus reprova esta prática e ressalta ser preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (v.13), considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus e, por isso, estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2Sm 5,8) para não profanar o lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, para Jesus, são esses que devem ser os convidados para o banquete. Com isto, Jesus fala do banquete celeste, quando todos estarão unidos por laços de familiaridade e comunhão, para o qual todos são convidados, inclusive os que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui. O acesso a este banquete escatológico não ocorre pelo jogo de interesse, mas pela gratuidade e pelo amor. Na verdade, a verdadeira recompensa, só Deus nos dará. Para participar deste banquete é necessário ser humilde, simples e estar a serviço do outro. E Jesus conclui a parábola dizendo: “Aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11). A humildade é uma grande virtude humana, porque, em primeiro lugar, representa o modo de agir do próprio Deus. É o caminho escolhido por Cristo que “identificado como homem, se humilhou a si mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2,7-8).
Nesta parábola podemos encontrar uma mensagem importante e atual. Cristo nos convida a seguir o itinerário da humildade. Hoje somos chamados a um compromisso honesto e a um profundo interesse pelo bem comum. A humildade é, portanto, o resultado de uma vitória do amor sobre o egoísmo e da graça sobre o pecado. Esta parábola faz pensar também na nossa posição em relação a Deus. O “último lugar” pode representar a condição da humanidade atingida pelo pecado. A primeira leitura nos diz: “Quanto maior fores, tanto mais te deves humilhar, e assim encontrarás benevolência diante de Deus” (Eclo 3,18).
Humildade vem do latim “humilis”, que por sua vez deriva de “humus”, que quer dizer “terra”. Humilde é, pois, quem está ao nível do solo e se move perto da terra. Algo que corresponde exatamente à nossa pequenez e condição de criatura, parte insignificante do cosmos. Humilde é aquele que, com sabedoria e realismo, reconhece a distância que o separa do seu Criador. Por isso, Santa Teresa diz que “humildade é caminhar na verdade”.
A humildade é também muito cara para São Bento, que escreveu em sua Regra um longo capítulo dedicado a ela, ressaltando o seu valor e a sua importância para chegarmos ao reino celeste (cf. RB 7). Possamos nós seguir o modelo dos santos, que souberam praticar a humildade; e também o exemplo do próprio Cristo, que se revelou como “manso e humilde de coração” (cf. Mt 11,29). A humildade que o Senhor nos ensinou e que os Santos puderam testemunhar, cada qual segundo a originalidade da sua própria vocação, constitui um estilo de vida, um modelo para cada um de nós.
No cântico do “Magnificat” Maria nos diz que Deus “olhou para a humildade da sua serva” (Lc 1,48). A humildade de Maria é aquilo que Deus mais aprecia. Peçamos a ela, modelo de uma vida humilde e santa, que interceda sempre por nós e nos faça direcionar nossos passos pelo caminho da humildade, para podermos, um dia, sermos dignos da recompensa divina. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ