Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – V Domingo do Tempo Comum – Ano C

Caros irmãos e irmãs! 

Para este domingo a Igreja nos apresenta um texto evangélico onde encontramos a vocação dos primeiros discípulos de Jesus, no contexto da pesca milagrosa.  Na vocação dos discípulos está retratado a missão da Igreja e dentro dela a dos apóstolos, particularmente, a de Pedro.  Por isso, entre os dois barcos que havia visto, Jesus, o Mestre, escolhe precisamente a barca de Simão, nela se senta, e de onde passa a ensinar às multidões.  Com este gesto, indica por quem a Palavra de Deus deve ser anunciada, por Ele mesmo, o Cristo Jesus, que fala através da cátedra de Pedro. 

A pesca milagrosa ocorre junto ao mar. Neste sentido, para melhor entender o texto, precisamos recordar o que significava o “mar” no ideário judaico: era o lugar dos monstros, onde residiam os espíritos e as forças demoníacas que procuravam roubar a vida e a felicidade do homem. Dizer que os seus discípulos vão ser “pescadores de homens” significa que a missão do cristão é continuar a obra de Jesus em favor do homem, procurando libertá-lo de tudo aquilo que lhe rouba a vida e a felicidade. Trata-se de salvar o homem de morrer afogado no mar da opressão, do egoísmo, do sofrimento, do medo, das forças demoníacas que impedem a sua felicidade. 

Sendo o mar o lugar simbólico das forças hostis a Deus (cf. Gn 7, 17-24; Sl 74,13-14; Jó 38,16-17), é provável que o lago de Genesaré simbolize o campo de batalha onde os discípulos devem lutar para exercer, com a força da graça, o ministério dado por Jesus.  Este campo de combate, representado pela dificuldade da pesca e o reconhecimento de Simão como pecador, demonstra as adversidades contínuas, pois o pecado e a influência do mal se manifestam por toda a parte. 

Para o peixe, criado para a água, é mortal ser tirado para fora do mar. Ele é privado do seu elemento vital para servir de alimento ao homem.  Os peixes retirados da água, morrem, ao passo que os homens vivem.  Jesus se serve deste simbolismo para explicar que na missão do pescador de homens acontece o contrário. Quantas pessoas vivem alienadas, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; em um mar de obscuridade sem luz, marcadas pelo pecado, pelo egoísmo, pelo ódio e pela violência e pelo erro.  As ondas impetuosas podem submergir e arrastar o homem para o fundo do abismo.  Muitos podem ser tragados pelas forças do mal. Cabe aos discípulos de Cristo a missão de salvar a todos, tirando-os, através da rede do Evangelho, para fora das águas da morte para os conduzir ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. 

Nota-se ainda que a pesca é feita durante a noite. A noite é o tempo das trevas, da escuridão: significa a ausência de Jesus: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 9,4-5). O resultado da ação dos discípulos, à noite, sem Jesus, é um fracasso: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5).  A chegada da manhã, da luz, coincide com a presença de Jesus, que é a luz do mundo (cf. Jo 8,12). Jesus não está com eles no barco, mas sim em terra. Ele não acompanha os discípulos na pesca; a sua ação no mundo exerce-se por meio dos discípulos.  O grupo está desorientado e decepcionado pelo fracasso. Mas Jesus lhes dá indicações; e as redes enchem-se de peixes. O fruto da pesca se deve à obediência com que os discípulos seguem as indicações de Jesus. 

Estes pescadores tinham, certamente, ouvido falar de Jesus. O seu ensinamento parecia ter autoridade, mas não era um homem do Lago. Não era Ele que ia dar lições a estes pescadores experientes.  Pedro era um pescador profissional. Conhecia o seu ofício. Aquele dia era um dia de pesca infrutífera. E chega Jesus, carpinteiro, a dizer-lhe o que fazer, para lançar as redes. A primeira atitude de Simão é, naturalmente, de hesitação. Apesar de tudo, manifesta uma atitude de confiança, ao lançar as redes. A palavra e a personalidade de Jesus inspiraram-lhe alguma confiança.

A pesca é verdadeiramente milagrosa, por isso, Simão Pedro vê a glória de Deus em Jesus, chamando-o com o título de Senhor, e, simultaneamente, ele se conscientiza de sua precária condição de pecador.  Curioso é que o seu gesto não corresponde às suas palavras; pois ele se joga aos pés de Jesus enquanto pede o seu afastamento (v.8).  As palavras de Jesus, no entanto, vão ao encontro deste gesto de confiança e de fé, associando-o à sua missão, elevando-o à condição de pescador de homens (v.10).  Vencendo o temor (v.10), Simão deixa tudo e começa a aventura do seguimento de Cristo, juntamente com os demais companheiros (v.11). 

Pedro ao cair de joelhos aos pés de Jesus, suplica: “Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (Lc 5,9). É que tanto ele quanto quem o acompanhava na barca ficaram fortemente impressionados com a extraordinária pesca que acabavam de realizar pela palavra de Jesus.  Por isso, Pedro não o chama agora de Mestre, mas de Senhor (v.10).  Ou seja, para Pedro, Jesus era o seu mestre. Mas, diante da pesca milagrosa que não se explica por causas naturais, Pedro descobre que Jesus não é um simples mestre ou profeta comum. Já o vê como seu Senhor, nome reservado exclusivamente a Deus. Foi um grande passo na descoberta da verdadeira identidade de Jesus. 

A admiração atrai Pedro a Jesus, mas a consciência de seu estado de pecador o afasta dele.  Nos versículos anteriores, o Evangelista São Lucas, usa o nome “Simão”, referindo-se a Pedro, contudo, no momento de relatar a sua reação diante da pesca prodigiosa, diz “Simão Pedro”.  Por que razão? Certamente, porque diante do milagre presenciado, a fé de Simão começou a tornar-se uma rocha, ou seja, uma pedra.  Pela fé, Simão é transformado em pedra, e já se põe o fundamento para a sua vocação em “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18). 

Assim como Pedro, nós também somos chamados a reconhecer Jesus como “o Senhor” (v. 8): é o que faz Pedro, ao perceber como a proposta de Jesus gera vida e fecundidade para todos. O título “Senhor”, em grego, “kyrios”, é o título que a comunidade cristã primitiva dá a Jesus ressuscitado, reconhecendo nele o “Senhor” que preside o mundo e a história. 

Sob a imagem da pesca, os evangelhos sinóticos apresentam a missão que Jesus confia aos discípulos (cf. Mc 1,17; Mt 4,19; Lc 5,10): libertar todos os homens que vivem mergulhados no mar do sofrimento e da escravidão.   O peixe tornou-se símbolo dos primeiros cristãos, porque nas águas do batismo eles nascem para a fé e, nela vivendo, se salvam. 

A imagem da pesca refere-se também à missão da Igreja e sobre a vocação à qual fomos chamados para uma tarefa no mundo.  Por isto, devemos assiduamente pedir ao Senhor que envie trabalhadores para a sua messe e que mediante o seu convite, saibamos segui-lo respondendo com generosidade o seu chamado.  E que também cada sacerdote saiba reavivar a sua disponibilidade em responder todos os dias o convite do Senhor com a mesma humildade dos primeiros apóstolos, renovando o seu “sim” ao Senhor com alegria e plena dedicação. Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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