Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano B

O verdadeiro pão do céu

Jo 6,24-35

Caros irmãos e irmãs

A liturgia da Palavra deste domingo nos apresenta como primeira leitura um texto do Livro do Êxodo, onde temos uma das grandes questões do Pentateuco: a marcha pelo deserto, e faz lembrar que Deus acompanha o seu povo rumo à Terra Prometida e o alimenta com o pão necessário à vida (cf. Ex 16,2-4.12-15). O episódio começa com a murmuração do povo “contra Moisés e contra Aarão” (v. 2), que lembra do tempo em que passou no Egito e que comia “pão com fartura” (v. 3). A resposta de Deus é “fazer chover pão do céu” (v. 4) e dar ao seu povo o alimento em abundância (v. 12). O objetivo não é só satisfazer as necessidades materiais do povo, mas se revelar a eles como o Deus da bondade e do amor, que cuida e caminha com todos.

Na segunda leitura continuamos a ler a Carta de São Paulo aos Efésios, onde o apóstolo convida todos a viverem na unidade do amor (cf. Ef 17,20-24). São Paulo indica a realidade do homem antes e depois do encontro com Cristo. Para São Paulo aquele que ainda não aderiu a Cristo é o homem velho, cuja vida é marcada pela escravidão dos “desejos enganadores” (v. 22). Por sua vez, o homem que já encontrou Cristo é o “homem novo”, que vive na verdade (v. 21), na justiça e na santidade (v. 24).

O Apóstolo Paulo ressalta ainda que o Batismo é o momento decisivo para esta transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito batismal de imersão na água significa a morte do homem velho, marcado pelo erro e pelo pecado e, ao mesmo tempo, indica o nascimento de um outro homem, puro, transformado e inserido em Cristo. Mas, diante das fraquezas e das tentações que podem surgir, a cada dia somos chamados a renovar esta adesão a Cristo, construindo a nossa existência de forma coerente com os compromissos assumidos no dia do nosso Batismo. Por isso, temos necessidade de continuamente renovar a nossa adesão a ele, como homens novos.

O texto evangélico nos faz lançar um olhar retrospectivo para as leituras do último domingo, quando Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na outra margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). O texto bíblico nos diz que, ao cair da tarde desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21). O episódio evangélico deste domingo sequencia o mesmo tema e nos situa no dia seguinte ao da multiplicação dos pães e dos peixes. A multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes ainda estava do outro lado do lago e ao notar que Jesus tinha regressado a Cafarnaum, dirigiu-se ao seu encontro. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso onde explica o sentido do gesto precedente que havia realizado: a multiplicação dos pães e dos peixes; e nos ensina que é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas, sobretudo, o alimento que sacia a fome de vida. Ao preocupar-se apenas com o alimento material, esquecem o essencial: o alimento que dá a vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (v. 27).

Nesta passagem evangélica Jesus diz: “O meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu” (v. 32).  A Eucaristia é, então, dom do Pai, um dom que prolonga o da encarnação: Deus tanto amou o mundo, que deu a nós na encarnação, e continua a dar na Eucaristia, o seu Filho unigênito (cf. Jo 3,16).  A Eucaristia vem, pois, do Pai.  Mas o mais importante é que a Eucaristia nos conduz ao Pai.  Quem se alimenta do pão que é Jesus, ou seja, quem nele crê, tem a vida eterna, porque se predispõe a fazer sempre a vontade de Deus.

A vida que vem a nós na Eucaristia é a vida que tem como fonte e princípio o Pai e que, através de Jesus Cristo, se derramou sobre o mundo:  “Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim” (Jo 6,57). No momento da apresentação das oferendas, dirigindo-se a Deus Pai, diz o Sacerdote:  “Bendito sejais, Senhor, Deus do Universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade. Fruto da terra e do trabalho humano que agora Vos apresentamos e para nós vai se tornar o Pão vida”.  É significativo constatarmos que o pão que recebemos é fruto da bondade de Deus. Mas o pão que oferecemos é também o pão que recebemos, a Eucaristia.  

Na liturgia da missa, isso é posto em evidência pelo fato de que tudo se dirige ao Pai.  A Oração Eucarística, pronunciada pelo sacerdote, é um diálogo em que a Igreja, corroborada pelo Espírito Santo, por meio de Jesus, está voltada para Deus.  O fato de que esse Sacramento tenha assumido o nome “Eucaristia”, que quer dizer Ação de Graças, expressa precisamente isto: que a transformação da substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um amor mais forte do que a morte. Por esta razão a Eucaristia é o alimento de vida eterna, Pão da vida. Tudo procede de Deus, da onipotência do seu amor Uno e Trino.

A palavra “comunhão”, que usamos também para designar a Eucaristia, resume em si as dimensões vertical e horizontal do dom de Cristo. Quando recebemos a comunhão, expressão referida ao gesto de comer o Pão eucarístico, entramos em comunhão com a própria vida de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e por nós.  Santo Agostinho nos ajuda a compreender a dinâmica da comunhão eucarística quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: “Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e receber-me-ás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em mim” (S. AGOSTINHO, Confissões VII, 10, 18).

Portanto, enquanto o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o seu sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós que o assimilamos, mas é ele que nos assimila a si, de tal modo que nos tornamos membros do corpo de Jesus Cristo, um só com ele. É o próprio Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em si. Assim a Eucaristia, enquanto nos une a Cristo, nos abre também aos outros, tornando-nos membros uns dos outros (cf. BENTO PP XVI, Homilia, quinta-feira, 23 de junho de 2011). 

O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade. Temos fome de vida, de amor, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de muitos modos, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando nos nossos erros, em tentativas falhas de realização, em propostas que parecem sedutoras, mas que só geram escravidão e dependência.  Precisamos ter consciência de que só em Cristo Jesus podemos encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida. Só em Cristo podemos ser homens novos, como nos diz São Paulo no segunda leitura (cf. Ef 17,224). Ele é o “pão” enviado por Deus para dar a vida ao mundo. É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. 

Mas para termos acesso a esse “pão” que desce do céu para dar a vida ao mundo precisamos aderir a Jesus e escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-lo. A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o “pão” que nos dá a vida.

O ápice da passagem do evangelho deste domingo está nesta frase: “Moisés não vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o verdadeiro pão do céu” (v. 32).  Jesus é um pão sobre o qual o Pai imprimiu o seu sinal.  Com isto, ao recordarmos a peregrinação de Israel durante os quarenta anos no deserto, quando o Senhor fez cair do céu o pão como alimento, como vimos na primeira leitura, devemos ter sempre consciência de que a Hóstia Sagrada é, hoje, o nosso maná com o qual o Senhor nos alimenta; é verdadeiramente o pão do céu, mediante o qual ele se doa a si mesmo por cada um de nós.

Saibamos redescobrir a beleza e o significado do Sacramento da Eucaristia, onde recebemos o próprio Cristo que deseja estar sempre conosco. Peçamos a intercessão da Virgem Maria por cada um de nós, ela que ofereceu ao mundo o Pão da vida, nos ensine a viver sempre em profunda união com ele.  Assim seja. 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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