Homilia do Mons. José Maria – Finados

Rezar pelos mortos

A comemoração de Todos os Fiéis Defuntos coloca toda a Igreja diante do mistério da morte. É um dia dominado pela saudade afetuosa das pessoas falecidas que nós amávamos quando vivas. No dia 02 de novembro a Igreja convida-nos, com maior insistência, a rezar e a oferecer sufrágios pelos fiéis defuntos do Purgatório. Com esses nossos irmãos, que “ também, participaram da fragilidade própria de todo o ser humano, sentimos o dever- que é ao mesmo tempo uma necessidade do coração – de oferecer-lhes a ajuda afetuosa da nossa oração, a fim de que qualquer eventual resíduo de debilidade humana, que ainda possa adiar o seu encontro feliz com Deus, seja definitivamente apagado” ( S. João Paulo II, no Cemitério em Madri, 02/11/1982).

Nós cristãos, devemos crer que nossos mortos vivem num sentido bem verdadeiro e pleno: vivem “em Deus”.

“As almas dos justos estão na mão de Deus , diz a Escritura, nenhum tormento os tocará” ( Sb 3,1). A coisa mais útil que podemos fazer enquanto meditamos a Palavra de Deus não é, portanto, falar dos mortos, mas falar da morte. A morte, ao invés, nos toca de perto a todos. Diante dela somos radicalmente iguais, todos indefesos, como crianças que na escuridão da noite, sozinhas na grande cama dos pais, medrosas se apertam entre si.

O que perpassa todos os textos bíblicos da comemoração dos Fiéis Defuntos é a esperança da vida que nasce da morte, a partir do mistério pascal de Cristo Jesus. Em Cristo Jesus abre-se uma nova perspectiva, onde a morte já não é mais o fim fatídico e desesperador, mas a passagem para uma realidade nova de plenitude de vida em Deus.

A fé no Cristo resuscitado transforma a vida do cristão. A morte já não é mais o fim de todas as coisas. Ela é, antes, uma porta, uma passagem para uma realidade nova. O Cristo vivo garante a vida para sempre ( cf.  Jó 19,1.23-27; Rm 5, 5-11; Jo 6, 37-40). A morte será eliminada definitivamente em Cristo Jesus ( cf. Is 25, 6-9; Rm 8, 14-23; Mt 25, 31-46). A Igreja vive a esperança da glória em Cristo Jesus ( cf. Sb 3, 1-9; Ap 21, 1-7; Mt 5, 1-12).

Ao perpassar os textos bíblicos vemos que a morte do Cristo transforma-se num despertar para a vida eterna feliz em Deus.

Para quem acreditou em Deus e O serviu, a morte não é um salto no vazio, mas para os braços de Deus: é o encontro pessoal com Ele, para habitar com Ele no amor e na alegria da sua amizade. O cristão autêntico não teme, por isso, a morte; pelo contrário: considerando que, enquanto vivemos na terra “vivemos longe do Senhor” , repete São Paulo: “ desejamos sair deste corpo para habitar com o Senhor” (2Cor 5, 6.8). Não se trata de exaltar a morte, mas considerá-la como realmente é no projeto de Deus: o nascimento para a vida eterna.

Esta visão serena e otimista da morte fundamenta-se na fé em Cristo e na nossa pertença a Ele.

Todos os homens foram entregues a Cristo e Ele os redimiu com o preço do Seu sangue. Se aceitarem pertencer-Lhe e viverem na fé e na prática das boas obras, em conformidade com o Evangelho, podem ter a certeza de serem contados entre os “Seus” e, como tais, ninguém os poderá arrancar da Sua mão, nem sequer a morte. “Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” ( Rm 14,8). Somos do Senhor porque nos redimiu e incorporou em Si, porque vivemos n’Ele e para Ele pela graça e pelo amor; se somos Seus na vida, continuaremos a sê-lo na morte. “ Ele transformará o nosso corpo mortal à imagem de seu corpo glorioso” ( Cânon III).

Sem a ressurreição, a mesma fé seria vã ( 1Cor 15,14) e nós não poderíamos fazer outra coisa, diante da morte, do que “ afligir-se como os outros que não tem esperança” ( 1Ts 4,3). Na leitura bíblica ( Jó 19,25-27), ouvimos a voz de Jó que dizia: “ Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus. Aquele que eu vir será para mim, aquele que os meus olhos contemplarem não será um estranho”.  Depois de Cristo algo mudou para melhor: nós dizemos: Com minha carne- e não sem ela- verei o meu Deus.

Desde sempre a Igreja rezou pelos mortos ( Cf.2 Mac 12, 43-44).

Mons. José Maria Pereira

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