Dt 30,10-14
Sl 68 ou Sl 18B
Cl 1,15-20
Lc 10,25-37
A Palavra de Deus proposta neste Domingo é surpreendente. Tudo começa com uma pergunta que, apesar de mal intencionada, é válida, necessária, sempre urgente; pergunta que brota do mais profundo da nossa angústia: “Que devo fazer para receber a vida? Como devo viver para viver de verdade, para que minha vida valha a pena e não seja uma paixão inútil?” Apesar de um mundo que procura nos distrair dessa pergunta, não há como sufocá-la, como fazer de conta que ela não perturba nosso coração! Pelo amor de Deus, responda o mundo tão animado e cheio de distrações: onde está a felicidade duradoura? Onde está a vida, a realização da existência? Que caminho seguir, para ser feliz de verdade?
Jesus indica o caminho: “O que está escrito na Torah? Como lês?” – Aqui, há algo importantíssimo. Jesus está falando com um escriba judeu; por isso, manda-o à Lei de Moisés. Uma coisa ele quer deixar clara: a vida não está no homem, mas na vontade de Deus! O homem somente será feliz, somente encontrará a vida se procurar lealmente a vontade de Deus. Por isso, no Salmo 118, o Salmista pede, de modo comovente: “Sou apenas peregrino sobre a terra; de mim não oculteis vossos preceitos!” Perder de vista o projeto de Deus para nós, é perder de vista a própria vida, o sentido da existência! Não esqueçamos, para não sermos enganados: fechados para a vontade do Senhor, não encontraremos a realização verdadeira! E este é o drama do mundo atual, que se julga maior de idade e, portanto, independente de Deus. Na verdade, é um mundo ateu, porque é um mundo auto-suficiente, que só confia de verdade na sua filosofia, na sua tecnologia, na sua racionalidade pagã e na sua moral fechada para o Infinito!
Ao invés, Jesus nos força a abrir o coração para o Alto, para o Altíssimo; convida-nos a respirar fundo o ar novo e puro, que brota das narinas de Deus e dá novo alento ao ser humano cansado e envelhecido pelo pecado! “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência”. Esta abertura para Deus dilata e realiza o coração humano, que foi criado para dar e receber amor, amor na relação com Deus, que desemboca, generoso, no amor em relação aos outros: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. – “Faze isto e viverás!” Os filósofos ateus dos séculos XIX e XX – de Feuerbach a Sartre – gostavam de insistir que Deus escraviza o homem, desumaniza a humanidade, impedindo-a de ser ela própria, de ser feliz. É mentira! É um triste mal-entendido! A verdadeira abertura para Deus nos faz crescer, nos faz superar nossos estreitos limites, nos lança de verdade em relação a Deus e nos compromete com os outros! Os mandamentos de Deus realizam o mais profundo anseio do nosso coração, que é a vida: “Converte-te ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma! Na verdade, o mandamento que hoje te dou não é difícil demais, nem está fora do teu alcance!” O próprio Deus – acreditem – nos deu o desejo e a capacidade de amar ao nos criar à sua imagem!
Jesus insiste ainda em algo muito importante: nossa relação com Deus, se é verdadeira, deve abrir-nos aos irmãos: “Quem é o meu próximo?” – A resposta de Jesus é clara: nosso próximo são aqueles que a vida fez próximos de nós. Nosso próximo são os próximos! Ou os amamos de verdade, ou não há próximo para amar. O próximo viraria uma idéia abstrata e sem valor algum. Não esqueçamos: o próximo tem rosto, tem cheiro, tem problemas e, às vezes, nos incomoda, nos atrapalha, nos desafia, nos causa raiva e contradição. É a este próximo, concreto como uma rocha, que eu devo amar! Mas, atenção: um judeu deve amar o próximo como a si mesmo: é isto que está escrito na Lei. Um cristão, não! Ele deve amar o próximo como Jesus: até dar a vida: “Amai-vos como eu vos amei. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, façais vós também!” (Jo 13,34.15).
Recordemos que o próprio Senhor nos deu o exemplo; ele mesmo se fez próximo de nós: sendo Deus se fez homem, veio viver a nossa aventura, partilhar a nossa sorte, para nos dar a sua vida: “Cristo é a imagem do Deus invisível… porque Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude”. Ele não viu nossa miséria de longe, não nos amou à distância: desceu e veio viver a nossa vida, fazendo-se Deus-conosco! Por isso, ele é o verdadeiro Bom Samaritano, o verdadeiro modelo daquele que “se faz próximo” do próximo: viu-nos à margem do caminho da vida; viu-nos roubados e despojados de nossa dignidade de imagem de Deus; viu-nos totalmente perdidos… Ele se compadeceu de nós, desceu à nossa miséria, fez-se homem, para nos curar e elevar. Nele, se revela a plenitude do amor a Deus e aos outros: “Deus quis por ele reconciliar consigo todos os seres que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz”. Então, somente em Cristo, encontramos a vida verdadeira e a realização pela qual tanto almejamos. Só ele nos reconcilia com Deus e no abre uns para os outros, aproximando-nos no seu amor!
Quando os cristãos não conseguem viver isso, quando não conseguem deixar que essa realidade maravilhosa transpareça, é porque estão sendo infiéis, estão sendo uma caricatura de discípulos do Senhor Jesus. Que responsabilidade a nossa! Saiamos daqui, hoje, com essa pergunta: quem são os meus próximos? Que tenho feito com eles? Pensemos em Jesus que veio ser próximo, e ainda se faz próximo hoje, em cada Eucaristia. Pensemos nele: “Vai, tu também, e faze o mesmo!” Amém.
D. Henrique Soares da Costa