Homilia do Mons. José Maria – XXI Domingo do Tempo Comum – Ano B

A Quem iremos, Senhor? Crer ou não Crer!  

No capítulo 6 do Evangelho de São João, encontramos o discurso do “Pão da Vida”, que Jesus pronunciou na Sinagoga de Cafarnaum, depois de ter dado de comer a milhares de pessoas com cinco pães e dois peixes. Hoje, o trecho do Evangelho (Jo 6, 60 – 69) apresenta a reação dos discípulos àquele discurso, uma reação que o próprio Cristo, conscientemente, provocou. Antes de tudo, o evangelista João – que estava presente com os outros apóstolos – diz que “a partir daquele momento, muitos discípulos se afastaram e não mais andavam com Ele” (Jo 6, 66). Por quê? Porque não acreditaram nas palavras de Jesus, que dizia: “Eu sou o Pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão, viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, para a vida do mundo”. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 51.54). Deveras, palavras que neste momento dificilmente são aceitas, compreensíveis. Essa Revelação – como disse – era para eles incompreensível, porque a entendiam em sentido material, mas naquelas palavras estava prenunciado o Mistério Pascal de Jesus, no qual Ele se teria oferecido a si mesmo pela salvação do mundo: a nova Presença na Sagrada Eucaristia.

Diante de Jesus e de suas palavras, os discípulos são levados a fazer uma escolha! Cristo havia feito o milagre da multiplicação dos pães; o povo, entusiasmado, quer proclamá-Lo rei! Cristo pede um gesto de fé: crer ou não nele… aceitar ou não a sua proposta…

Buscar apenas o pão material ou acolher o Dom do Pão do Céu, Pão da Vida!

O povo foi alimentado pelo pão material… assim também Ele daria um outro pão que seria o próprio corpo (a Eucaristia).

Muitos se retiram e O abandonam. Porém, Jesus não muda o discurso, exige fé.

A fé pode ser aceita ou recusada, mas não negociada. Sem a fé não entenderiam aquelas palavras e aqueles sinais… “Ora, sem a fé é impossível agradar a Deus…” (Hb 11,6).

Jesus questiona os Doze: “Vós também quereis ir embora?” Diante desse desafio, aparece o belo testemunho de Pedro: ”A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Como noutras situações, é Pedro quem responde em nome dos Doze: “ A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos firmemente que Tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69). Temos sobre esse trecho um bonito comentário de Santo Agostinho, que diz, numa das suas pregações sobre João 6: “Vede como Pedro, por graça de Deus, por inspiração do Espírito Santo, compreendeu? Por que compreendeu? Porque acreditou. Tu tens palavras de vida eterna. Tu nos dás a vida eterna, oferecendo-nos o teu Corpo (ressuscitado) e o teu Sangue (a ti mesmo). E nós acreditamos e conhecemos. Não diz: conhecemos e depois acreditamos, mas acreditamos e depois conhecemos. Acreditamos para poder conhecer; de fato, se tivéssemos querido conhecer antes de crer, não teríamos conseguido nem conhecer nem crer. O que acreditamos e o que conhecemos? Que Tu és o Cristo Filho de Deus, ou seja, que Tu és a própria Vida Eterna, e na carne e no sangue nos dás aquilo que Tu mesmo és” (Comentário ao Evangelho de João, 27,9).

A atitude forte de Pedro dissipa as dúvidas dos demais apóstolos, e todos permanecem fiéis junto ao seu Mestre.

Pedro exprimiu os sentimentos dos Apóstolos, que, ao perseverarem junto do Mestre, O iam conhecendo mais profundamente e iam unindo as suas vidas à dele. Disse São João Paulo II: “Buscai a Jesus esforçando-vos por conseguir uma fé pessoal profunda que informe e oriente toda a vossa vida; mas sobretudo que seja o vosso compromisso e o vosso programa amar Jesus, com um amor sincero, autêntico e pessoal. Ele deve ser vosso amigo e vosso apoio no caminho da vida. Só Ele tem palavras de vida eterna” (Discurso aos estudantes).

O mistério de Cristo é indivisível: ou se aceita integralmente, ou recusando um aspecto, tudo se rejeita. Nem mesmo a compaixão pelos incrédulos ou o desejo de atrair os irmãos afastados pode legitimar uma mutilação daquilo que Jesus disse sobre a Eucaristia.

Quem se decidiu por Cristo só tem que dizer com Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que Tu és o Santo de Deus.”

“Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. A resposta de Pedro é um exemplo para todos nós. Jesus não quer ser entendido como se fosse um conteúdo que aprendemos na escola. É preciso encontrar-se com Ele e permitir que ele nos transforme. Pedro mostra que sua fé é firme e que seu encontro com Cristo dá segurança para seguir sabendo que está no melhor caminho. Não é um conhecimento racional, mas um reconhecimento existencial de que Jesus é o Cristo, enviado de Deus, que completa todas as expectativas do Antigo Testamento.

A fé no mistério eucarístico continuará distinguindo, através dos séculos, os verdadeiros seguidores de Cristo. Também nós podemos e queremos repetir a resposta de Pedro neste momento, conscientes da nossa fragilidade humana, dos nossos problemas e dificuldades, mas confiantes no poder do Espírito Santo, que se exprime e se manifesta na comunhão com Jesus. A fé é dom de Deus ao homem e é, ao mesmo tempo, entrega livre e total do homem a Deus; a fé é escuta dócil da Palavra do Senhor, que é “farol” para os nossos passos e “luz” para o nosso caminho (Sl 119, 105).  Se abrirmos com confiança o Coração a Cristo, se nos deixarmos conquistar por Ele, podemos experimentar também nós, como, por exemplo, o santo Cura d’ Ars, que “a nossa única felicidade nesta terra é amar a Deus e saber que Ele nos ama”.

A promessa da Eucaristia, que tinha provocado naqueles ouvintes de Cafarnaum discussões (v. 52) e escândalo (v. 61), acaba por produzir o abandono de muitos que O tinham seguido. Jesus tinha exposto uma verdade maravilhosa e salvífica, mas aqueles discípulos fechavam-se à graça divina, não estavam dispostos a aceitar algo que superava a sua mentalidade estreita. O mistério da Eucaristia exige um especial ato de fé! Por isso, já São João Crisóstomo aconselhava: “ Inclinemo-nos diante de Deus; não O contradigamos, mesmo quando o que Ele diz possa parecer contrário à nossa razão e à nossa inteligência. Observemos esta mesma conduta relativamente ao mistério (eucarístico), não considerando somente o que cai debaixo dos sentidos, mas atendendo às Suas palavras. Porque a Sua palavra não pode enganar.”

Enquanto cada um dos dias em que seguimos o Senhor nos faz experimentar com mais força a alegria da nossa escolha e a expansão da nossa liberdade, vemos ao nosso redor como vivem na escravidão os que um dia voltaram as costas a Deus e não quiseram conhecê-Lo. Há momentos em que devemos fazer a nossa escolha! Cristão é quem escolhe Cristo e O segue…

Tenhamos a convicção firme de Josué: “Nem que todos te abandonem, eu e minha família, não…” (Js 24,15); ou a firmeza de Pedro: “A quem iremos, Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna.”

Reafirmemos, hoje, o nosso seguimento de Cristo, com muito amor, confiantes na sua ajuda cheia de misericórdia! Dizer sim ao Senhor em todas as circunstâncias significa também dizer não a outros caminhos, a outras possibilidades. Ele é o Amigo; só Ele tem palavras de vida eterna!

“Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6,67). Todo o futuro da vida depende da nossa resposta nítida e sincera, sem atrasos, sem hipocrisia, sem subterfúgios. Uma resposta que certamente compromete nossa vida e que, por isso, precisamente por sermos discípulos de Cristo, far-nos-á algo diferentes, talvez até seremos ofendidos e maltratados. “Escolhei a quem quereis servir”. Há que esforçar-se por conseguir uma fé pessoal profunda que dê forma e oriente toda a vida, mas, sobretudo, que seja o nosso compromisso, com um amor a Deus sincero, autêntico e prático.

“Vós também quereis ir embora”? É decisão sobre quem seguir. A decisão que salva e que deixa feliz é: “Senhor, a quem iríamos nós, só tu tens palavras de vida eterna”. Esta escolha é dom de Deus, mas é também livre resposta, 

No quarto e último domingo do mês de agosto, recordamo-nos da vocação leiga: homens e mulheres que contribuem diretamente na vida de nossas comunidades de fé. Ganham destaque aqueles que exercem o ministério de catequista, acompanhando, anunciando e testemunhando para as nossas crianças, jovens, adultos e famílias a Boa-Nova de salvação. 

Peçamos à Virgem Maria que mantenha sempre despertada em nós esta fé impregnada de amor, que a tornou, humilde jovem de Nazaré, Mãe de Deus e mãe e modelo de todos os crentes. Que Ela nos ajude a crer em Jesus, como São Pedro, e a ser sempre sinceros com Ele e com todos.

 Mons. José Maria Pereira

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