2Cr 36,14-16.19-23
Sl 136
Ef 2,4-10
Jo 3,14-21
“Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66,10s). Caríssimos em Cristo, estas palavras de Isaías dão o tom da liturgia deste Domingo, chamado pela liturgia de Domingo Laetare – Domingo “Alegra-te!” No meio da Quaresma, na metade do caminho para a celebração da Ressurreição do Senhor, a Igreja nos convida à alegria pela aproximação da Santa Páscoa. Daí hoje a cor rosa e as flores na igreja. “Alegra-te, Jerusalém!” – Jerusalém é a Igreja, é o Povo santo de Deus, o novo Israel, é cada um de nós… Alegremo-nos, apesar das tristezas da vida, apesar da consciência dos nossos pecados! Alegremo-nos, porque a misericórdia do Senhor é maior que nossa miséria humana!
Como o povo da Antiga Aliança, também nós tantas vezes somos infiéis – já devíamos ter visto isso claramente a essa altura da Quaresma! É trágico, na primeira leitura, o resumo que o Livro das Crônicas traçou da história de Israel: “Todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs. O Senhor Deus dirigia-lhes a palavra por meio de seus mensageiros, porque tinha compaixão do seu povo. Mas, eles zombavam dos enviados de Deus, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não teve mais jeito”. Com estas palavras dramáticas, o Autor sagrado nos explica o motivo do terrível e doloroso exílio da Babilônia: Israel fez pouco de Deus, virou-lhe as costas; por isso mesmo, foi expulso do aconchego do Senhor na Terra que lhe fora prometida, perdeu a liberdade, o Templo, a Cidade Santa, e tornou-se escravo no Exílio de Babilônia. Aqui aparece toda a gravidade do pecado, que provoca a ira de Deus! É sempre essa a consequência do pecado: o exílio do coração, a escravidão da vida! A Escritura nos ensina, caríssimos, que Deus nunca faz pouco do nosso pecado, nunca passa a mão na nossa cabeça, jamais faz de conta que não pecamos! Jamais despensa de modo leviano as nossas infidelidades! E por quê? Porque realmente nos ama, nos leva a sério, faz conta de nós! Ora, o pecado, afastando-nos de Deus, nos desfigura e nos faz perder o rumo e o sentido da existência. Por isso mesmo, causa a ira de Deus! Pois bem, o Senhor levou, então, seu povo para o terrível deserto do Exílio para corrigi-lo e fazê-lo voltar de todo o coração para Aquele que é seu único bem, sua verdadeira riqueza – aquele que é o seu Deus! É por misericórdia que ele corrige Israel, por misericórdia que nos corrige: “Pois o Senhor não rejeita para sempre: se ele aflige, ele se compadece, segundo sua grande bondade. Pois não é de bom grado que ele humilha e que aflige os filhos do homem” (Lm 3,31-33). Deus é amor e misericórdia. A leitura do Livro das Crônicas nos mostrou que, uma vez Israel convertido, corrigido, o Senhor fá-lo voltar para a Terra sempre prometida. Sim, efetivamente, “não é de bom grado que ele humilha e que aflige os filhos do homem”.
Caríssimos, esta mesma ideia que tantas vezes aparece no Antigo Testamento, cumpre-se de modo definitivo em Cristo Jesus. Hoje, o Senhor, com palavras comoventes, explica a Nicodemos a sua missão: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho unigênito, para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. Porque “estávamos mortos por causa de nossos pecados”, Deus, na sua imensa misericórdia, nos deu a vida no seu Filho único. Vede, irmãos: há duas realidades que são bem concretas na nossa existência. Primeiro, a realidade do nosso pecado. Nesta metade de caminho quaresmal, é preciso que tenhamos a coragem de reconhecer que somos pecadores, que temos profundas quebraduras interiores, paixões desordenadas, desejos desencontrados que combatem em nós… Quantas incoerências, quantos fechamentos para Deus e para os outros, quantas resistências à graça, quantas máscaras! A humanidade é isso! Não somos bonzinhos! Somos todos feridos, todos doentes, todos pecadores, todos necessitados da salvação! Mas, ao lado dessa realidade tão triste, há uma outra: Deus não se cansa de nós; estende-nos a mão para nos tirar do nosso atoleiro e nos salvar! Essa mão estendida é o seu Filho Jesus! Deus amou tanto o mundo, levou-nos tão a sério, que entregou o seu Filho, o Amado, o Único, o Santo! Grande o nosso pecado, imensa a misericórdia de Deus em Cristo; grande a nossa treva, imensa a Luz de Deus que nela brilhou em Cristo; grande o nosso egoísmo; imenso o amor de Deus manifestado em Cristo; grande a nossa morte; imensa a Vida que nos foi dada em Cristo Jesus, nosso Senhor!
Amados em Cristo, a grande tentação de nossa época é fazer pouco de Deus e, cinicamente, mascarar nosso pecado. Quantos cristãos adulteram, roubam, fornicam, abortam, negligenciam seus deveres para com Deus e com a Igreja, desobedecem aos mandamentos, e não estão nem aí. É um espírito de descrença, de falta de atenção e delicadeza para com o Senhor. Vemos isso em tanta gente de Igreja… Aqueles que nos corrigem são chamados logo de reacionários, fechados, sem misericórdia, duros, insensíveis para o mundo atual… E no entanto, a Palavra do Senhor é clara: é necessário que fixemos o olhar em Cristo que se entregou por nós e reconheçamos a gravidade e a concretude do nosso pecado! Volta, Israel! Volta, Igreja de Cristo! Volta, povo do Senhor! Voltemos, irmãos e irmãs! Em Cristo Jesus, nosso Salvador, “Deus quis mostrar a incomparável riqueza da sua graça!” Não brinquemos com o amor de Deus, não recebamos em vão a sua correção!
Recordemos que hoje, no Evangelho, após mostrar o imenso amor de Deus pelo mundo, a ponto de entregar o Filho amado, Jesus nos previne duramente: Quem nele crê, não é condenado, mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito”. Ora, caríssimos, acreditar no nome de Jesus não é aderir a uma teoria, mas levá-lo a sério na vida pelo esforço contínuo de conversão à sua Pessoa divina e à sua Palavra santa! Crede, irmãos, crede, irmãs! Crede não com palavras vãs! Crede com o afeto, crede com o coração, crede com os lábios, mas, sobretudo, crede com as mãos, com os vossos atos, com a prática da vossa vida! De verdade creremos na medida em que de verdade nos abrirmos para a sua luz; pois “o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz”.
Que o Senhor nos dê a graça de ver realisticamente nossos pecados, reconhecê-los humildemente e confessá-los sinceramente, para celebrarmos verdadeiramente a Páscoa que se aproxima e dela participar eternamente na glória do céu. Amém.
- Henrique Soares da Costa