Roteiro Homilético – II Domingo da Quaresma – Ano B

RITOS INICIAIS

Salmo 26, 8-9

ANTÍFONA DE ENTRADA: Diz-me o coração: «Procurai a face do Senhor». A vossa face, Senhor, eu procuro; não escondais de mim o vosso rosto.

Ou

cf. Salmo 24, 6.3.22

Lembrai-vos, Senhor, das vossas misericórdias e das vossas graças que são eternas. Não triunfe sobre nós o inimigo. Senhor, livrai-nos de todo o mal.

Não se diz o Glória.

Introdução ao espírito da Celebração

Hoje, neste segundo Domingo da Quaresma, continua a ecoar nos nossos ouvidos aquela voz vinda do Céu, no alto da montanha da Transfiguração, que dizia aos primeiros discípulos de Jesus: «Escutai-O!».

Disponhamos os nossos corações, através do arrependimento dos nossos pecados, para poder discernir a voz de Deus no meio da confusão de tantas mensagens desencontradas. (pausa)

Arrependidos, confessemos que somos pecadores.

ORAÇÃO COLECTA: Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LITURGIA DA PALAVRA

Monição à Liturgia da Palavra:

Como Abraão (1ª leitura), também nós confiamos na Palavra de Deus; e como São Paulo (2ª leitura), nós também queremos tomar a sério o chamamento de Deus à santidade de vida, deixando-nos transfigurar à imagem de Jesus, que hoje mostra a sua glória divina no mistério da Transfiguração.

Primeira Leitura

Génesis 12, 1-4a

1Naqueles dias, o Senhor disse a Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar. 2Farei de ti uma grande nação e te abençoarei; engrandecerei o teu nome e serás uma bênção. 3Abençoarei a quem te abençoar, amaldiçoarei a quem te amaldiçoar; por ti serão abençoadas todas as nações da terra». 4aAbraão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado.

1 «O Senhor disse a Abraão». Estamos nas origens do antigo povo de Deus, como preparação do caminho do Evangelho: «no devido tempo Deus chamou Abraão para fazer dele um grande povo» (Dei Verbum, 3). A aliança com Deus implica uma série de exigências: deixar terra, família, casa e lançar-se para o desconhecido, «a terra que Eu te indicar…», fiando-se apenas na palavra de Deus. É assim que S. Paulo há-de insistir no exemplo de fé e de obediência ao Deus de Abraão: Rom 4; cf.Hebr 11, 8-19.

Salmo Responsorial

Sl 32 (33), 4-5.18-19.20.22 (R. 22)

Refrão: ESPERAMOS, SENHOR, NA VOSSA MISERICÓRDIA.

Ou:               DESÇA SOBRE NÓS A VOSSA MISERICÓRDIA,

PORQUE EM VÓS ESPERAMOS, SENHOR.

A palavra do Senhor é recta,

da fidelidade nascem as suas obras.

Ele ama a justiça e a rectidão:

a terra está cheia da bondade do Senhor.

 

Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,

para os que esperam na sua bondade,

para libertar da morte as suas almas

e os alimentar no tempo da fome.

 

A nossa alma espera o Senhor:

Ele é o nosso amparo e protector.

Venha sobre nós a vossa bondade,

porque em Vós esperamos, Senhor.

Segunda Leitura

Timóteo 1, 8b-10

Caríssimo: 8bSofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. 9Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça. Esta graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a eternidade, 10manifestou-se agora pelo aparecimento de Cristo Jesus, nosso Salvador, que destruiu a morte e fez brilhar a vida e a imortalidade, por meio do Evangelho.

8 S. Paulo, nas vésperas da sua execução pelo ano 67, no seu segundo cativeiro romano, aparece a animar o seu discípulo a sofrer também pelo Evangelho.

9-10 Estes versículos, num contexto exortatório, constituem mais uma das belas sínteses paulinas da salvação, em forma de hino, em prosa ritmada; esta «salvação» tem, como ponto de partida, um desígnio divino gratuito e (à letra) «chamou-nos com um chamamento santo», santo, não só por ser de Deus, mas por levar a Deus; daí a tradução litúrgica, menos formal: «chamou-nos à santidade».

Aclamação ao Evangelho

No meio da nuvem luminosa, ouviu-se a voz do Pai:

«Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».

Evangelho

São Mateus 17, 1-9

1Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João seu irmão e levou-os, em particular, a um alto monte 2e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. 3E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. 4Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». 5Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». 6Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. 7Então Jesus aproximou-se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». 8Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. 9Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».

O facto de esta cena nos ser apresentado todos os anos no 2º Domingo da Quaresma tem um sentido para a nossa vida a ter em conta. Assim como para aqueles discípulos a Transfiguração de Jesus serviu de preparação para se confrontarem com a sua desfiguração na agonia do Getxemani, assim também nós temos de nos dispor com olhos de fé para a celebração do tríduo pascal.

1 «A um alto monte. Os Evangelhos não dizem o nome do monte que habitualmente se julga ser o Tabor, segundo uma tradição procedente do séc. IV, um monte situado a 10 km a Leste de Nazaré. Como este monte não é muito alto (apenas 560 m), há exegetas modernos que falam antes do Monte Hermon (2.759 m), junto a Cesareia de Filipe, região onde Jesus tinha estado, segundo os três sinópticos, uma semana antes.

Pedro, Tiago e João, são os três predilectos de Jesus, destinados a ser «colunas da Igreja» (Gál 2, 9) particularmente firmes, igualmente testemunhas da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5, 37) e da agonia de Jesus no horto (Mt 26, 37), diríamos, uma espécie de núcleo duro. Jesus sabia que a sua Paixão e Morte lhes iria provocar um violentíssimo choque, por isso quer prepará-los para enfrentarem com fé e coragem tamanha provação. Pedro acabara de confessar Jesus como «o Messias, o Filho de Deus vivo» (Mt 16, 16); Jesus tinha-o declarado «bem-aventurado» por essa confissão de fé, que afinal era muito frágil, pois, logo a seguir, perante o primeiro anúncio da Paixão, Jesus havia de o repreender pela sua visão humana (cf. Mt 16, 23).

3 «Moisés e Elias». São os dois maiores expoentes de toda a revelação do Antigo Testamento: representam a Lei e os Profetas a convergirem em Cristo.

9 «Não conteis a ninguém». Esta ordem enquadra-se na chamada «disciplina do segredo messiânico», que tinha por fim evitar uma exagerada exaltação do espírito dos Apóstolos; assim Jesus obviava a possíveis agitações populares que só viriam prejudicar e perturbar a sua missão. Em Marcos esta imposição do silêncio adquire um significado teológico muito particular.

Sugestões para a homilia

Introdução

Continuamos hoje as homilias de carácter mais doutrinal, que começámos a oferecer para os Domingos do Advento.

Como em todos os anos, no 2º Domingo da Quaresma faz-se a leitura do Evangelho da Transfiguração, hoje segundo a narrativa de S. Mateus, o evangelista do ano. Este é um texto paralelo ao da narração do Baptismo de Jesus, em que, pela primeira vez, aparece a revelação explícita do mistério da vida no interior de Deus, a Santíssima Trindade.

Deus tem vida; se não tivesse vida, não seria Deus. E, como é Deus, a sua vida é infinita e incompreensível e misteriosa. Nós nunca saberíamos nada da vida de Deus, se não fosse Ele a manifestar-se como Ele é, o que aconteceu com a vinda do Filho de Deus à terra.

O único Deus é Pai, Filho e Espírito Santo

Que Deus é Pai é uma verdade comum a muitas religiões, ao reconhecerem-no como o Criador do Universo, que cuida da sua obra; por isso dizia Tertuliano que «ninguém é tão pai como Deus». Mas a grande novidade é a que temos no Evangelho de hoje: Deus aparece como o Pai que apresenta o seu «Filho muito amado», um Filho num sentido absolutamente original – «o Unigénito» (Jo 1, 14.18; 3, 16.18) – que desde sempre estava em Deus, sendo Deus (cf. Jo 1, 1), a «imagem do Deus invisível» (Col 1, 15), «o resplendor da sua glória e a imagem da sua substância» (Hebr 1, 3). O Evangelho de S. João usa mesmo uma palavra para designar este Filho Unigénito (Υἱός) diferente da palavra que emprega para indicar os homens como filhos de Deus (τέκνα) A fé que professamos no Credo, que a seguir vamos proclamar, diz que este Filho é «consubstancial ao Pai», isto é, da mesma natureza que o Pai, sendo um só com Ele: «Filho Único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado…».

Mas a vida em Deus não se esgota na relação Pai-Filho, pois o circuito da vida íntima de Deus engloba também o Espírito Santo, «que procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado». Jesus falou do Espírito Santo, dizendo que «procede do Pai e que Eu vos hei-de enviar da parte do Pai» (Jo 15, 26). Jesus enviou os Apóstolos a todos os povos para baptizarem «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», indicado assim que deste modo ficamos a participar da vida do único Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

É na Igreja que entramos em comunhão com a vida íntima de Deus

Uma saudação que hoje se costuma usar no início da celebração eucarística corresponde àquela já usada por S. Paulo nas cartas que escrevia às suas comunidades: «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai, e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós» (2 Cor 13, 13; cf. 1 Cor 12, 4-6; Ef 4, 4-6).

É pelo Baptismo que passamos a fazer parte da Igreja; e o Concílio Vaticano II começa por apresentar a Igreja na sua ligação intrínseca com a Santíssima Trindade, ao concluir os primeiros números da Constituição Dogmática sobre a Igreja: «Assim a Igreja toda aparece como um “povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”» (LG 4). A Igreja não tem uma origem humana, mas procede dum plano eterno do amor de Deus, que destina o ser humano à comunhão na riqueza da sua vida trinitária.

Como é que Deus pode ser um e três ao mesmo tempo?

A fé na Santíssima Trindade não implica uma contradição, pois não é como se disséssemos 1+1+1=1; com efeito o Pai não se soma ao Filho e ao Espírito Santo, pois são o único e mesmo Deus e compenetram-se numa mesma torrente de vida eterna, num mesmo abismo de sabedoria e amor; recorrendo à linguagem matemática, diríamos antes: 1x1x1=1.

O transcendente mistério da Santíssima Trindade não é algo que afasta o crente de Deus – tão incompreensível Ele é –, mas, pelo contrário, é um mistério fascinante, que exerce nas almas enamoradas de Deus uma espécie de santa vertigem, uma antecipação do Céu: a atracção do abismo da grandeza e misericórdia divinas. Se Deus é quem é – o Ser infinito – tem que ser sumamente amável, ainda que incompreensível.

Como se exprime em linguagem humana um mistério tão grande da vida íntima de Deus: uno e trino?

Sucede que a Igreja, desde os primeiros séculos, se preocupou com formular a sua fé recebida de Jesus e do ensino dos Apóstolos, de maneira a tornar inteligível o que poderia parecer um absurdo paradoxo. Ao mesmo tempo, a Igreja procurava preservar a sua fé da contaminação de erros que a tentavam deformar. Para isso, socorreu-se duma série de termos que não aparecem nas Escrituras, mas que pertencem à linguagem filosófica da cultura grega ambiente. Foi assim que adoptou o termosubstância (correspondente a essência ou natureza) para designar o ser divino na sua unidade; por outro lado, empregou o termo pessoa, ou hipóstase, para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo na sua distinção real entre si. O termo relação serviu para designar o facto de que a distinção das pessoas consiste numa referencia vital de uns aos outros. Dizemos que em Deus há três pessoas, mas com isto não queremos dizer que em Deus haja três indivíduos, como quando se fala de três pessoas humanas; o que queremos é dizer que em Deus há três sujeitos que são uma só coisa. Mas como se pode entender isto?

A reflexão teológica tem procurado esclarecer ao máximo este tão grande mistério do que é a vida de Deus na «trindade de uma só natureza», tomando como ponto de partida as palavras de Jesus e o ensino dos Apóstolos. As três Pessoas são iguais – uma mesma e única divindade – e são distintas: o Pai não é o Filho, o Filho não é o Espírito Santo, o Espírito Santo não é o Pai, mas apenas se distinguem no que a Teologia classificou de “relações opostas de origem”, relações estas que derivam de o Filho proceder do Pai e o Espírito Santo do Pai e do Filho (ou pelo Filho).

Em tudo o mais não há a mínima distinção, a tal ponto que tudo o que Deus faz fora de si é comum às três Pessoas divinas, embora nós possamos apropriar de alguma delas em particular uma determinada acção ou atributo divino: para o Pai, a omnipotência e a criação; para o Filho, a sabedoria e todas as obras da sabedoria divina; para o Espírito Santo, o amor, a santificação do homem, a inspiração das Escrituras, etc.

Como diz o Catecismo da Igreja Católica , nº 267: «Inseparáveis no que são, as Pessoas divinas são também inseparáveis no que fazem. Mas, embora sendo a actuação divina uma única coisa em que intervêm as três Pessoas, a verdade é que cada uma manifesta o que Lhe é próprio na Trindade, sobretudo nas missões divinas da Incarnação e do dom do Espírito Santo».

E que tem que ver a vida íntima de Deus com a nossa vida? Poderemos relacionar-nos com cada uma das Pessoas divinas?

São João diz que Deus é amor (1 Jo 4, 8.16). O Pai, «ao enviar-nos o seu Filho Único e o Espírito de Amor, revela o seu segredo mais íntimo: Ele próprio é eternamente comunhão de amor: Pai, Filho e Espírito Santo; e destinou-nos a tomar parte nessa comunhão». Se Deus é uma eterna comunicação de Amor, é compreensível que esse Amor transborde para fora d’Ele na sua actuação.

«“Na Trindade encontra-se o modelo original da família humana” (João Paulo II) e a sua vida íntima é a aspiração verdadeira de todo o amor humano… Cada pessoa foi criada à imagem e semelhança da Trindade (cf. Gn 1, 27) e está feita para viver em comunhão com os outros homens e, sobretudo, com o Pai Celestial. Aqui se encontra o fundamento último do valor da vida de cada pessoa humana, independentemente das suas capacidades ou das suas riquezas» (Giulio Maspero).

Deus destina-nos ao Céu. E o Céu consiste em ver a Deus «tal como Ele é» (1 Jo 3, 2), contemplar, louvar, amar e gozar por toda a eternidade da vida infinita da Trindade Santíssima; é entrar nesse circuito infinito de Amor sem fim que une as Pessoas divinas. Viver aqui na graça de Deus já é o começo dessa felicidade do Céu. (cf. Jo 14, 23). É assim que os santos são as pessoas mais felizes do mundo, mesmo no meio dos maiores sofrimentos, pois vivem desta certeza de que Deus habita dentro deles.

As orações da Liturgia, em especial a oração eucarística, são habitualmente dirigidas à pessoa do Pai, por meio do Filho, em união com o Espírito Santo, a alma da nossa alma, a alma da Igreja. Há uma festa dedicada à SS. Trindade, no domingo imediato ao do Pentecostes, mas todos os domingos são dedicado a Ela. Aprendamos a saborear a dimensão trinitária de Missa: «Por Cristo, com Cristo, em Cristo…» e façamos do nosso dia um «Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo», repetindo muitas vezes esta jaculatória.

Todos os cristãos começamos o dia benzendo-nos: «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»; assim queremos dedicar todos os nossos pensamentos, palavras e acções a honrar a Deus, Trindade Santíssima, actualizando assim a nossa consagração baptismal, pois fomos baptizados, isto é, mergulhados, consagrados para Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

Também nos benzemos ao entrar numa igreja, para nos recordarmos de que é na Igreja de Cristo que nós estamos capacitados para viver como filhos de Deus e que é nela que aurimos a graça de Deus nas fontes de vida divina que são os Sacramentos. Traçamos o sinal da Cruz ao benzermo-nos para recordar a ligação que há entre a Cruz de Jesus a o mistério da vida de Deus, que é um abismo infinito de amor, de doação mútua, de que a máxima expressão visível é a entrega que o Pai nos faz do seu Filho na Cruz para nos dar o Espírito Santo a habitar dentro de nós como num templo. Ao fazermos nesta Quaresma o exercício da Via Sacra, procuremos vivê-la enquadrada na sua dimensão trinitária original.

Fala o Santo Padre

«Jesus manifesta aos Apóstolos a sua glória, para que tenham a força de enfrentar o escândalo da cruz.»

Queridos irmãos e irmãs!

[…] Hoje, segundo domingo da Quaresma, prosseguindo o caminho penitencial, a liturgia, depois de nos ter apresentado no domingo passado o Evangelho das tentações de Jesus no deserto, convida-nos a reflectir sobre o acontecimento extraordinário da Transfiguração na montanha. Considerados juntos, os dois episódios antecipam o mistério pascal: a luta de Jesus com o tentador introduz o grande duelo final da Paixão, enquanto a luz do seu Corpo transfigurado antecipa a glória da Ressurreição. Por um lado vemos Jesus plenamente homem, que partilha connosco até a tentação, por outro, contemplamo-lo como Filho de Deus, que diviniza a nossa humanidade. Deste modo, poderíamos dizer que estes dois domingos servem de pilares sobre os quais se baseia todo o edifício da Quaresma até à Páscoa, e aliás, toda a estrutura da vida cristã, que consiste essencialmente no dinamismo pascal: da morte à vida.

A montanha – o Tabor como o Sinai –  é o lugar da proximidade com Deus. É o espaço elevado, em relação à existência quotidiana, onde respirar o ar puro da criação. É o lugar da oração, no qual estar na presença do Senhor, como Moisés e como Elias, que aparecem ao lado de Jesus transfigurado e falam com Ele acerca do “êxodo” que o espera em Jerusalém, isto é, da sua Páscoa. A Transfiguração é um acontecimento de oração: rezando, Jesus imerge-se em Deus, une-se intimamente a Ele, adere com a própria vontade humana à vontade de amor do Pai, e assim a luz invade-o e torna-se visível a verdade do seu ser: Ele é Deus, Luz da Luz. Também a veste de Jesus se torna branca e resplandecente. Isto faz pensar no Baptismo, na veste branca que os neófitos traziam. Quem renasce no Baptismo é revestido de luz antecipando a existência celeste, que o Apocalipse representa com o símbolo das vestes brancas (cf. Ap 7, 9.13). Encontra-se aqui o ponto central: a transfiguração é antecipação da ressurreição, mas esta pressupõe a morte. Jesus manifesta aos Apóstolos a sua glória, para que tenham a força de enfrentar o escândalo da cruz e compreendam que é preciso passar através de muitas tribulações para alcançar o Reino de Deus. A voz do Pai, que ressoa do alto, proclama Jesus seu Filho predilecto como no Baptismo no Jordão, acrescentando: “Ouvi-O” (Mt 17, 5). Para entrar na vida eterna é preciso ouvir Jesus, segui-lo pelo caminho da cruz, levando no coração como Ele a esperança da ressurreição. “Spe salvi”, salvos na esperança. Hoje podemos dizer: “Transfigurados na esperança”.

Dirigindo-nos agora em oração a Maria, reconheçamos n’Ela a criatura humana transfigurada interiormente pela graça de Cristo, e confiemos na sua orientação para percorrer com fé e generosidade o percurso da Quaresma.

Papa Bento XVI, Angelus, Domingo, 17 de Fevereiro de 2008

LITURGIA EUCARÍSTICA

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Esta oblação, Senhor, lave os nossos pecados e santifique o corpo e o espírito dos vossos fiéis, para celebrarmos dignamente as festas pascais. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

SANTO

Monição da Comunhão

Se nos sentimos com as devidas disposições de corpo e alma, jejum eucarístico, estado de graça e recta intenção de progredir no amor de Deus e do próximo, é o momento de nos aproximarmos da mesa eucarística. Não vemos Jesus transfigurado em glória como aquele núcleo duro do Colégio Apostólico – Pedro, Tiago e João – lá no alto da montanha, mas temos diante de nós o mesmo Jesus oculto nas humildes espécies do pão consagrado. Ele é o alimento, o sustento da nossa fé, da nossa esperança e do nosso amor.

Mt 17, 5

ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Este é o meu Filho muito amado, no qual pus as minhas complacências. Escutai-O.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Alimentados nestes gloriosos mistérios, nós Vos damos graças, Senhor, porque, vivendo ainda na terra, nos fazeis participantes dos bens do Céu. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

RITOS FINAIS

Monição final

Vamos avançar pelos caminhos da conversão da nossa Quaresma e mostrar, com a nossa vida, a todos quantos nos rodeiam, o rosto sereno e alegre de Jesus vivo em cada um de nós.

HOMILIAS FERIAIS

2ª SEMANA

2ª Feira, 5-III: Aprender a viver a misericórdia.

Dan 9, 4-10 / Lc 6, 36-38

Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.

Pedimos a Deus a sua misericórdia: «Corra ao nosso encontro a vossa misericórdia, porque somos tão miseráveis» (S. Resp).

E Ele pede-nos que sejamos igualmente misericordiosos. Para isso, precisamos reconhecer os nossos pecados: «Nós pecámos, deixámos os vossos mandamentos e as vossas leis» (Leit). Só assim seremos mais compreensivos. Depois, recebendo com frequência o sacramento da misericórdia: Recebendo com frequência este sacramento, somos levados a ser misericordiosos como Ele (Ev). E também, vivendo bem as obras de misericórdia.

3ª Feira, 6-III: Conversão interior e obras boas.

Is 1, 10. 16-20 / Mt 23, 1-12

Lavai-vos, purificai-vos, afastai os meus olhos a malícia das vossas acções, deixai de praticar o mal. Aprendei a fazer o bem.

Jesus queixa-se dos escribas e fariseus (Ev). E pede-nos a conversão do coração: «procurai um coração novo e um espírito novo» (S. Resp).

A conversão interior conduz às boas obras: «O apelo de Jesus à conversão e à penitência não visa primariamente as obras exteriores, os jejuns e as mortificações, mas a conversão do coração, a penitência interior. Sem ela, as obras de penitência são estéreis e enganadoras; pelo contrário, a conversão interior impele à expressão dessa atitude em sinais visíveis, gestos e obras de penitência (Leit)» (CIC, 1430).

4ª Feira, 7-III: Dar a vida como resgate pelos outros.

Jer 18, 18-20 / Mt 20, 17-28

O Filho do homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos escribas. Eles hão-de entregá-lo aos pagãos, para que o escarneçam, açoitem e crucifiquem.

Jeremias queixa-se de que, apesar do bem que tinha feito, o querem maltratar (Leit). O mesmo aconteceu a Jesus (Ev).

Quando aparecerem as contrariedades, ou tivermos dificuldades no cumprimento dos nossos deveres e na vivência da caridade, procuremos recorrer à sua ajuda: «Salvai-me, Senhor, na vossa misericórdia» (S. Resp). E imitarmos o Senhor, oferecendo esses sacrifícios pela salvação de todos: «O Filho do homem não veio para ser servido, veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Leit).

5ª Feira, 8-III: Solidariedade no uso dos bens materiais.

Jer 17, 5-10 / Lc 16, 19-31

Abraão respondeu-lhe (ao homem rico): Filho, lembra-te que recebeste os benefícios durante a vida, tal como Lázaro os infortúnios.

Como usamos os bens materiais que o Senhor pôs à nossa disposição?

Em primeiro lugar, termos um maior sentido de responsabilidade: «O drama da fome no mundo chama os cristãos, que oram com sinceridade, a assumir uma responsabilidade efectiva em relação aos irmãos, tanto nos seus comportamentos pessoais como na solidariedade para com a família humana. A petição da oração do Pai-nosso não pode ser isolada da parábola do pobre Lázaro (Ev)» (CIC, 2831). E, depois, depositando muita confiança no Senhor (Leit e S. Resp.).

Celebração, Homilia e:Nota Exegética:     GERALDO MORUJÃO

Homilias Feriais:                  NUNO ROMÃO

Sugestão Musical:                DUARTE NUNO ROCHA

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