Uma síntese da Dies Domini
O Concílio Vaticano II (SC nº 6), fiel à tradição cristã e apostólica, afirma que o domingo, “Dia do Senhor”, é o fundamento do Ano Litúrgico, pois nele a Igreja celebra o mistério central de nossa fé, na páscoa semanal que, devido à tradição apostólica, se celebra a cada oitavo dia.
O domingo é justamente o primeiro dia da semana, dia da ressurreição do Senhor, que nos lembra o primeiro dia da criação, no qual Deus criou a luz (Cf. Gn 1,3-5). Aqui, o Cristo ressuscitado aparece então como a verdadeira luz, dos homens e das nações. Todo o Novo Testamento está impregnado dessa verdade substancial, quando enfatiza a ressurreição no primeiro dia da semana (Cf. Mt 28,1; Mc 16,2; Lc 24,1; Jo 20,1; como também At 20,7 e Ap 1,10).
Como o Tríduo Pascal da Morte e Ressurreição do Senhor derrama para todo o Ano Litúrgico a eficácia redentora de Cristo, assim também, igualmente, o domingo derrama para toda a semana a mesma vitalidade do Cristo Ressuscitado. O domingo é, na tradição da Igreja, na prática cristã e na liturgia, o “dia que o Senhor fez para nós” (Cf. Sl 117(118),24), dia, pois, da jubilosa alegria pascal.
Cap I – Dies Domini
- A Celebração da obra do Criador
1-“tudo começou a existir por meio dele” (1Jo1,3)
Em Jesus Cristo vemos a participação ativa da obra da criação, pois, Ele é o fundamento e a primícia de nossa salvação. Ele inaugura a nova criação, esta que um dia fora corrompida com os nossos primeiros pais por meio do pecado.
2- “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn1,1)
Este versículo no faz perceber que Deus é o Criador, ou seja, criou os céus e a terra. E este ato criador de Deus é exemplo de trabalho para o homem. Deus deu ao homem o poder de governar o mundo na justiça e na santidade, fazendo assim, que o seu nome seja glorificado em toda a terra.
3- O “Shabbat”: o repouso jubiloso do Criador
A Sagrada Escritura nos relata que após ter terminada a obra da criação, Deus descansou no sétimo dia. Este descanso não representa o desinteresse e a passividade de Deus, mas, representa a sua complacência diante da criação, pois, Ele viu que a obra era “muito boa” (Gn1,31).
4- Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o” (Gn2,3)
O sétimo dia, chamado de “dia do Senhor”, fora abençoado e santificado porque este se trata de um dia separado dos demais. É o dia reservado para um diálogo mais intenso do homem com Deus. Neste diálogo de aliança e de amor, “o homem eleva a Deus o seu canto, tornando-se eco da inteira criação” (n.15).
5- “Recordar” para “santificar”
O recordar aqui implica um certo olhar para a obra de Deus que é a criação. Este ato deve animar toda a vida religiosa do homem ,pois, o repouso possui um significado sagrado. Assim, o crente é convocado a não simplesmente repousar como Deus repousou, mas, ele é chamado a repousar no próprio Deus.
6- Passagem do sábado para o domingo
Com o Evento pascal de Jesus Cristo, existe uma mudança no que diz respeito ao “dia do Senhor”, pois, antes de Cristo guardava-se o sábado, depois da Ressurreição passou-se a ter o domingo como dia por excelência e dia da revelação plena dos mistérios das origens. Parafraseando São Gregório Magno, o nosso Redentor é o verdadeiro sábado. “Do sábado passa-se ao primeiro dia depois do sábado, do sétimo dia passa-se ao primeiro dia: o Dies Domini torna-se o Dies Christi!” (n.18).
Cap II- Dies Christi
- O dia do Senhor Ressuscitado e do dom do Espírito
1- A Páscoa semanal
A cada Domingo que celebramos vivenciamos o Evento da Ressurreição. Por isso, o Domingo possui para nós cristãos um grande significado, ou seja, a passagem de morte para a vida e de trevas para a luz. Para isto, São Basílio fala do domingo como “santo domingo, honrado pela ressurreição do Senhor, primícia de todos os dias” (n.19). E Santo Agostinho refere-se ao domingo como “Sacramento da Páscoa” (n.19). O domingo possui este caráter te Páscoa semanal, pois, de domingo á domingo nos preparamos para o “Grande Domingo” que será a parusia.
2- O primeiro dia da semana
Este termo atribuído para expressar o “dia do Senhor” já aparece nos escritos paulinos, nas primeiras comunidades e no livro do Apocalipse: “o primeiro dia depois do sábado”, primeiro da semana, que começou a caracterizar o próprio ritmo da vida dos discípulos de Cristo (cf. 1Cor 16,2). “Primeiro dia depois do sábado” era também aquele em que os fiéis de Trôade estavam reunidos “para partir o pão”, quando São Paulo lhes dirigiu o discurso de despedida e realizou um milagre para devolver a vida ao jovem Eutico (Cf.At 20,7-12). O Apocalipse nos diz que se tem o costume de dar a este primeiro dia da semana o nome de “dia do Senhor” (1,10).
3- Progressiva distinção do Sábado
Com o passar do tempo vai se distinguindo a diferença do sábado para o domingo. O sábado é o dia em que os judeus reúnem-se nas sinagogas para fazer as suas práticas religiosas. Os Apóstolos, de modo especial São Paulo, continuaram no início ainda a freqüentar as sinagogas, mas, pouco tempo depois começou a diferenciar os dois dias, sobretudo para esclarecer a diferença para aqueles cristãos que provinham do judaísmo. Desta forma, o sábado é guardado pelos judeus e o domingo “dia por excelência do Senhor” é venerado pelos cristãos.
4- O dia da nova criação
Existe uma profunda relação entre criação e ressurreição. Com a Ressurreição, Cristo nos dá a alegria de sermos noivas criaturas e com isso, ele restaura toda a obra da criação. Por isso, para nós o domingo é o dia em que nós devemos lembrar do nosso batismo, pois, o batismo nos faz homens novos em Cristo.
5- O Oitavo dia, imagem da eternidade
O domingo, além de ser o primeiro dia, é o “oitavo dia”, ou seja, ele não só dá início ao tempo, mas também do seu fim (escatologia). Assim, o domingo é o prenúncio daquilo que vai acontecer conosco. É o dia em que anima e estimula os cristãos como peregrinos neste mundo a caminharem rumo a pátria celeste.
6- O dia de Cristo-luz
Este termo foi como uma espécie de inculturação, pois, “o dia do sol”, possui uma conotação diferente para os romanos. Desta forma, a Igreja atribui como Jesus o verdadeiro “sol”. São Justino, escrevendo aos pagãos diz que os cristãos faziam as suas reuniões “no dia chamado sol” e isto torna própria a admiração de Zacarias que atribui a Jesus como “o sol nascente que vem para iluminar os que jazem entre as trevas” (Lc1, 78-79).
7- O dia do dom do Espírito
Podemos também chamar o domingo como o dia do “fogo”, fazendo assim uma alusão ao Espírito Santo. É num domingo, após cinqüenta dia da Páscoa que vem sobre a terra e a Igreja o Espírito Santo de Deus. Assim, a “Páscoa da semana” torna-se “Pentecostes da semana”.
8- O dia da fé
O domingo é o dia da fé por excelência. Para isto, nós salientamos como um dia muito especial onde presentificamos a Páscoa do Senhor e por isso, é o dia em que professamos a fé e recordamos o nosso batismo.
9- Um dia irrenunciável
Mesmo com a dificuldades impostas pelo mundo moderno, o domingo deve ser guardado com respeito e com isto este deve ser de fato o “dia do Senhor” e não o “dia do homens”.
Cap III- Dies Ecclesiae
- A Assembléia Eucarística, alma do domingo
1- A presença do Ressuscitado
O domingo é a celebração da presença viva do Ressuscitado entre nós. Para isto, é de suma importância que as pessoas se reúnam como comunidade, para exprimir em grandeza a identidade da Igreja, ou seja, de comunidade que é convocado pelo Senhor ressuscitado.
2- A assembléia eucarística
A dimensão eclesial está intrínseca ao sacramento da eucaristia, pois, realiza-se todas as vezes em que celebramos a Santa Missa, de modo especial quando a comunidade se reúne para celebrar o “dia do Senhor”, dia se vivência e memória da Páscoa.
2- A Eucaristia dominical
A Eucaristia dominical é marcada pela presença da comunidade que se une para celebrar o mistério da Ressurreição do Senhor e por isso, ela é chamada de a grande “epifania da Igreja”.
3- O dia da Igreja
O domingo sendo “dia do Senhor” é também o “dia da Igreja”, pois, a paróquia sendo uma comunidade eucarística, deve motivar para que os fiéis participem com afinco da celebração. Assim, fica mais evidente o caráter de unidade da assembléia dominical.
4- Povo Peregrino
Ao reunirmos para a celebração, a assembléia eucarística, realiza uma espécie de “exercício divino” na expectativa do “Esposo”, no qual saboreamos antecipadamente a alegria dos novos céus e uma nova terra, ou seja, a nova Jerusalém. Por isso, de “domingo a domingo”, a Igreja vai avançando para o último dia.
5- Dia da esperança
Se temos o domingo como dia de fé ele também pode ser definido como o dia da esperança, porque a participação da “ceia do Senhor” é a antecipação do banquete escatológico das “núpcias do Cordeiro” (Ap19,9).
6- A mesa da Palavra
Em toda a Celebração Eucarística, “o encontro com o Ressuscitado dá-se através da participação na dupla mesa da Palavra e do Pão da Vida” (n.39). Para isto é necessário que a escuta da Palavra de Deus seja bem proclamada e preparada, para um maior conhecimento bíblico e espiritual dos fiéis.
7- A mesa do Corpo de Cristo
A Missa é a atualização viva do sacrifício do calvário. “ Debaixo do pão e do vinho, sobre as quais foi invocada a efusão do Espírito que opera com uma eficácia completamente singular nas palavras da consagração, Cristo oferece-se ao Pai com o mesmo gesto de imolação com que se ofereceu na cruz” (n.43).
8- Banquete pascal e encontro fraterno
O aspecto comunitário exprime-se de modo especial no caráter de banquete pascal, que é típico da Eucaristia, onde o próprio Cristo se faz alimento. A assembléia eucarística dominical é um acontecimento de fraternidade.
9- Da Missa à “missão”
Terminada a Celebração do Corpo e Sangue do Senhor, os fiéis voltam para o seu ambiente cotidiano com a tarefa de serem missionários, ou seja, de “anunciar a toda a criatura”. É-nos dito no final da Missa: “ite, missa est e nós respondemos Deo grátias”.
10- O preceito dominical
O Código de Direito Canônico, nos diz: ”no domingo e nos outros dias festivos de preceito, os fiéis têm obrigação de participar da Missa” (Cân. 1247). Esta obrigação é baseada numa necessidade interior que os cristãos dos primeiros séculos sentiam tão intensamente e que é válida para os nossos tempos.
11- Celebração Jubilosa e animada pelo canto
É de suma importância dar a devida atenção ao canto na assembléia, haja vista que eles servem para exprimir a alegria do coração e fazem ressaltar a solenidade.
12- Celebração cativante e participada
É necessário fazer o máximo de esforço para que a celebração seja cativante e celebrativa, fazendo que os presentes- jovens e adultos- se envolvam com a liturgia.
13- Outros momentos do domingo cristão
O domingo é o “dia do Senhor”, dia em que temos com a celebração da Eucaristia o cume do domingo, mas, este dia pode ser marcado com outros eventos que nos levem a santificação do mesmo. Desta forma, participando da Eucaristia levaremos para o nosso contexto social a alegria do Ressuscitado.
14- Assembléias dominicais, na ausência do sacerdote
As paróquias que não podem usufruir do ministério de um sacerdote que celebre a Eucaristia dominical, recomenda que esta celebre repartindo o pão da palavra e o da Eucaristia. Mas, não pode perder de vista que a Missa é a única verdadeira atualização da Páscoa do Senhor.
15- Transmissões radiofônicas e televisivas
Os fiéis que estão impedidos de participar da Missa Dominical por causa de doença ou outra razão grave, terão o cuidado de participarem de longe à celebração da mesma, por meio de rádio ou televisão. Assim, para estes cristãos, a Missa dominical produz abundantes frutos e eles podem viver o domingo como verdadeiro “dia do Senhor’ e “dia da Igreja”.
Cap IV- Dies Hominis
- O Domingo: Dia de Alegria, repouso e solidariedade
1- A “alegria plena” de Cristo
Em virtude do significado do domingo “dia do Senhor”, no qual se celebra a obra divina da criação e da “nova criação”, é para nós um título especial de alegria. Nesta perspectiva de fé, o domingo cristão é verdadeiramente um “fazer festa”, um dia dado por Deus ao homem para o seu pleno crescimento humano e espiritual.
2- O cumprimento do sábado
Jesus Cristo em sua vinda deu um novo significado para o dia do sábado, pois, “o sábado não foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2,27). Com isso, Jesus se opõe a qualquer interpretação legalista do sábado, pois, o sentido autêntico do sábado bíblico, Jesus, “Senhor do sábado” (Mc2,28).
3- O dia do descanso
O dia do Senhor e o dia do descanso na sociedade civil tem uma importância e um significado que ultrapassam o horizonte propriamente cristão. O repouso é coisa “sagrada”, constituindo a condição necessária par o homem se subtrair ao ciclo, por vezes excessivamente absorvente, dos afazeres terrenos e retomar consciência de que tudo é obra de Deus.
4- Dia da solidariedade
A Eucaristia é acontecimento e projeto de fraternidade. A Missa Dominical nos impulsiona para a prática da caridade, ou seja, é preciso que o cristão mostre as suas atitudes concretas em favor do próximo.
Cap. V- Dies Dierum
*O Domingo: Festa primordial, Reveladora do sentido do tempo
1- Cristo, Alfa e Omega do tempo
Em Jesus Cristo, Verbo encarnado, o tempo torna-se uma dimensão de Deus, que em si mesmo é eterno. Na celebração da Vigília Pascal, a Igreja apresenta Cristo ressuscitado como “Princípio e Fim”, Alfa e Ômega”. Isto significa que Cristo é o Senhor do tempo; é o princípio e o cumprimento. Assim, a cada ano, a cada dia e a cada momento ficam abraçados pela sua Encarnação e Ressurreição, reencontrando-se assim na ‘plenitude do tempo’.
2- O domingo no ano litúrgico
O domingo é o modelo natural para se compreender e celebrar aquelas solenidades do ano litúrgico, cujo valor espiritual para a existência cristã é tão importante. O domingo ritma o compromisso eclesial e espiritual de cada cristão, fazendo com que este se aprofunde nos mistérios de Cristo.
Pe. Jair Cardoso Alves Neto (Arquidiocese de Cuiabá).