Homilia de Mons. José Maria Pereira – VII Domingo do Tempo Comum – Ano A

Olho por olho, dente por dente!

A Palavra de Jesus (Mt 5, 38-48) nos convida a amar a todos, sem nenhuma discriminação, pois assim seremos perfeitos como o Pai Celeste é perfeito. O Senhor nos convida a sermos santos como Ele é santo! A santidade a que somos chamados consiste em fazer a vontade de Deus nosso Pai, que ama a todos, sem distinção. Diz-nos São Paulo: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4, 3). Jesus nos convida a viver a caridade para além dos critérios humanos.

“Olho por olho e dente por dente!” Aquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a esquerda” (Mt 5, 38 – 39). Diante da lei do talião Jesus Cristo estabelece novas bases – o amor, o perdão das ofensas, a superação do orgulho – sobre os quais os homens hão de atender a uma defesa razoável dos seus direitos. Ele não nos ensina a sermos trouxas. A pessoa pode defender-se e exigir-se que se faça justiça. Mas em todo esse processo ela é chamada a praticar a mansidão, a não usar de violência e a buscar o bem da pessoa que a prejudicou. Consiste em perdão e reconciliação, que responde à inimizade e perseguição com amor e oração.

Olho por olho, dente por dente, vida por vida, ferida por ferida, ofensa por ofensa – pagar na mesma moeda. Jesus cancelou essa lei. A norma não é mais: o que o outro te fez, faz a ele, mas: o que Deus fez por ti, faz aos demais. Como Deus te perdoou, perdoa tu aos demais.

Jesus pede para vivermos a caridade para além dos critérios humanos. A vitória do amor requer uma vitória sobre nós mesmos. Devemos nos assemelhar a Cristo, que deu exemplo perdoando aos que O crucificavam. E não só mandou amar os inimigos, como deu o exemplo: dá a graça, isto é, a capacidade, a força de amar como Ele amou e ama. Deu – nos o Espírito Santo para nos transformar. Isso significa que nos comunica as mesmas disposições de Cristo, infunde com a caridade a sua própria capacidade de amarmos todos, não desejar vingança, não guardar rancores, mágoas ou ressentimentos. A nossa parte é colaborar com essa graça, é querer essa graça.

Diz São João Crisóstomo: “O homem não tem nada de tão divino – tão de Cristo – como a mansidão e a paciência na prática do bem. Acrescenta São Josemaria Escrivá: “Um discípulo de Cristo jamais tratará mal pessoa alguma; ao erro chama erro, mas, a quem está errado, deve corrigi-lo com afeto; senão, não poderá ajudá-lo, não poderá santificá-lo” (Amigos de Deus, 9), e essa é a maior prova de caridade.

Ensina Jesus: “Amai os vossos inimigos, rezai por aqueles que vos perseguem e caluniam” (Mt 5, 44). Devemos também viver a caridade com aqueles que nos tratam mal, que nos difamam e roubam a honra, que procuram positivamente prejudicar-nos. O Senhor deu-nos exemplo disso na Cruz, e os discípulos seguiram o mesmo caminho do Mestre. Ele nos ensinou a não ter inimigos pessoais – como o testemunharam heroicamente os santos de todas as épocas – e a considerar o pecado como o único mal verdadeiro.

“Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48). A expressão não é um paradoxo, pois rigorosamente falando, é impossível que a criatura alcance a perfeição de Deus. Mas esta é a meta para que deve tender todo o discípulo de Cristo. A chamada universal à santidade não é uma sugestão, mas um mandamento de Jesus Cristo: “Tens obrigação de te santificar. – Tu, também. – Quem pensa que é tarefa exclusiva de sacerdotes, e religiosos? A todos, sem exceção, disse o Senhor: “Sede perfeitos, como Meu Pai Celestial é perfeito” (São Josemaria Escrivá, nº 291, Caminho).

De fato, o Senhor diz: “Sede, pois, perfeitos, como é perfeito o Pai Celeste”. Mas quem poderia tornar-se perfeito? A nossa perfeição é viver como filhos de Deus, cumprindo concretamente a sua Vontade. São Cipriano escrevia que “à paternidade de Deus deve corresponder um comportamento de filhos de Deus, para que Deus seja glorificado e louvado pela boa conduta do homem”.

De que modo podemos imitar Jesus? Ele diz: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos de vosso Pai que está nos céus” (Mt 5, 44 – 45).  Quem acolhe o Senhor na própria vida e O ama com todo o coração é capaz de um novo início. Consegue cumprir a Vontade de Deus: realizar uma nova forma de existência animada pelo amor e destinada à eternidade. O apóstolo Paulo acrescenta: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós?” (1Cor 3, 16).  Se estivermos verdadeiramente conscientes desta realidade, e a nossa vida for por ela profundamente plasmada, então o nosso testemunho torna-se claro, eloquente e eficaz. Escreveu São João Clímaco: “Quando, por assim dizer, todo o ser do homem se misturou com o amor de Deus, então o esplendor da sua alma reflete-se também no aspecto exterior”. Lemos na Imitação de Cristo: ”É grandioso o amor, um bem que torna leve tudo o que é pesado e suporta tranquilamente tudo o que é difícil. O amor aspira a elevar-se, sem ser aprisionado seja pelo que for na Terra. Nasce de Deus e só em Deus pode encontrar repouso” (lll,V,3).  

A santidade é a vocação de todo o batizado. São João Paulo II propôs como objetivo para o caminho da Igreja no Terceiro Milênio a santidade de vida para todos: “Como explicou o Concílio, este ideal de perfeição não deve ser objeto de equívoco, vendo nele um caminho extraordinário, capaz de ser percorrido apenas por algum gênio da santidade. Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um. Agradeço ao Senhor por ter me concedido, nestes anos, beatificar e canonizar muitos cristãos, entre os quais numerosos leigos que se santificaram nas condições ordinárias da vida. É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta medida alta da vida cristão ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direção. Mas é claro também que os percursos da santidade são pessoais e exigem uma verdadeira e própria pedagogia da santidade, capaz de se adaptar ao ritmo dos indivíduos; deverá integrar as riquezas da proposta lançada a todos com as formas tradicionais de ajuda pessoal e de grupo e as formas mais recentes oferecidas pelas associações e movimentos reconhecidos pela Igreja”.

Diz o Papa Francisco na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate  (GE), ( sobre a chamada à santidade no mundo atual ): “Cada cristão, quanto mais se santifica, tanto mais fecundo se torna para o mundo. Assim nos ensinaram os Bispos da África ocidental: “Somos chamados, no espírito da nova evangelização, a ser evangelizados e a evangelizar através da promoção de todos os batizados para que assumam as suas tarefas como sal da terra e luz do mundo, onde quer que se encontrem”. Não tenhas medo de apontar para mais alto, de te deixares amar e libertar por Deus. Não tenhas medo de te deixares guiar pelo Espírito Santo. A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da Graça. No fundo, como dizia León Bloy, na vida “existe apenas uma tristeza: a de não ser santo” (n. 33 – 34). ”Para um cristão, não é possível imaginar a própria missão na terra sem a conceber como um caminho de santidade, porque “a vontade de Deus é que sejais santos” (1Ts 4, 3). Cada santo é uma missão; é um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, em um momento determinado da história, um aspecto do Evangelho. Esta missão tem o seu sentido pleno em Cristo e só se compreende a partir dele. No fundo, a santidade é viver em união com Ele os mistérios da sua vida…” (GE, 19 e 20). 

“ Mesmo que pareça óbvio, lembremos que a santidade é feita de abertura à transcendência, que se expressa na oração e na adoração. O santo é uma pessoa com espírito orante, que tem necessidade de comunicar-se com Deus. Não acredito na santidade sem oração, embora não se trate necessariamente de longos períodos ou de sentimentos intensos” (GE, 147). 

A espiritualidade que deve nos alimentar é a do seguimento à pessoa de Jesus Cristo. Por espiritualidade, entende-se uma vida animada pelo Espírito. O encontro com Jesus é definitivo: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (Bento XVl, Deus Caritas Est, n. 1). “Nota essencial da espiritualidade missionária é a comunhão íntima com Cristo: não é possível compreender e viver a missão, se não na referência a Cristo como aquele que foi enviado para evangelizar” (RM, n. 88). O verdadeiro encontro conduz ao discipulado, à configuração com Cristo e ao envio. Portanto, missão é viver a vida de Jesus Cristo, testemunhando-a e difundindo-a por palavras e ações.

Peçamos ao Senhor um coração missionário! “O missionário, se não é contemplativo, não pode anunciar Cristo de modo credível. Ele é uma testemunha da experiência de Deus” (RM, n. 91). O Papa Francisco tem falado da dimensão existencial da missão: “Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo” (EG, n. 273). A vida se torna uma missão. Ser discípulo missionário está além de cumprir tarefas ou fazer coisas. Está na ordem do ser. É existencial, identidade, essência e não se reduz a algumas horas do dia: “A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou ornamento que posso pôr de lado, não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir” (EG, n. 273). 

Que o Senhor nos conceda a graça de acolhermos a essência de seu ensinamento: o AMOR. Só assim poderemos rezar o Pai Nosso: “Perdoai, assim como perdoamos…” Assim nos tornamos verdadeiros filhos de Deus…

Invoquemos a Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, para que nos ensine a amar-nos uns aos outros e a acolher-nos como irmãos, filhos do Pai Celeste. Maria continua a nos dizer as mesmas palavras pronunciadas em Caná da Galileia: “Fazei tudo o que Ele vos disser!”. O discípulo missionário vive de um profundo amor e devoção a Maria.

 

Mons. José Maria Pereira

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