Homilia do Mons. José Maria – III Domingo do Tempo Comum – Ano A

Palavra de Deus: Conversão e Testemunho

O Evangelho de hoje (Mt 4, 12 – 23) apresenta Jesus, depois de ter deixado Nazaré e de ter sido batizado no Jordão; vai a Cafarnaum para o iniciar o seu ministério público. Ela consiste essencialmente na pregação do Reino de Deus e na cura dos doentes, para demonstrar que este Reino se fez próximo, aliás, já veio entre nós. A “boa nova” que Jesus proclama resume-se nestas palavras: “O Reino de Deus – o Reino dos Céus – está próximo” (Mt 4, 17; Mc 1, 15). O que significa esta expressão? Certamente não indica um reino terreno delimitado no espaço e no tempo, mas anuncia que é Deus quem reina, que é Deus o Senhor, e o seu Senhorio está presente, é atual, está a realizar-se. A novidade da mensagem de Cristo é, portanto, que Deus n’Ele se fez próximo, já reina entre nós, como demonstram os milagres e as curas que realiza. Deus reina no mundo mediante o seu Filho feito homem e com a força do Espírito Santo, que é chamada “mão de Deus” (Lc 11, 20). Aonde chega Jesus, o Espírito criador leva vida e os homens são curados das doenças do corpo e do espírito. O Senhorio de Deus manifesta-se então na cura integral do homem. Com isto Jesus quer revelar o rosto do verdadeiro Deus, o Deus próximo, cheio de misericórdia por todos os seres humanos; o Deus que nos dá o dom da vida em abundância, da sua própria Vida. O Reino de Deus é, portanto, a vida que se afirma sobre a morte, a luz da verdade que dissipa as trevas da ignorância e da mentira.

“O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz” (Is 9, 1 – 4). Que luz é esta que o povo viu? Trata-se da luz que é o próprio Jesus. Quando Jesus se encarna, cumprindo as profecias todas, Ele está se proclamando como a verdadeira luz que veio ao mundo (Jo 1,9). É por isto que Ele inicia seu ministério público afirmando: “Convertei-vos porque o Reino dos céus está próximo”  (Mt 4, 17). Jesus é o Reino dos céus no meio de nós (Lc 17, 21). Converter-se é acolher a vida nova que nos introduz neste Reino. Sem dúvida, uma das formas mais eloquentes de darmos testemunho da vinda do Reino é sendo “bem unidos e concordes no pensar e falar” (1Cor 1, 10). De fato, as divisões que S. Paulo condena (1Cor 1, 10 – 13. 17) se fazem muito presentes no mundo atual e constituem um escândalo – sobretudo quando se fazem presentes nas nossas comunidades. “Será que Cristo está dividido” (1Cor 1, 13)? Dizendo assim, Paulo afirma que qualquer divisão na Igreja é uma ofensa a Cristo; e, ao mesmo tempo, que é sempre n’Ele, único Chefe e Senhor, que podemos reencontrar-nos unidos, pela força inexaurível da sua Graça. Onde Cristo é a grande luz, cresce a alegria, aumenta a felicidade, pois o nosso jugo foi abatido (Is 8, 2-3). Convertamo-nos de nossas divisões e sejamos luz!

O Evangelho nos apresenta o chamamento dos primeiros Apóstolos: “Ele chamou enquanto caminhava junto ao mar da Galileia. Estes homens experimentaram o fascínio da luz secreta que emanava dEle e seguiram-na sem demora para que iluminasse com o seu fulgor o caminho das suas vidas. Mas essa luz de Jesus resplandece para todos.

Jesus Cristo, luz do mundo, chamou primeiro uns homens simples da Galileia, iluminou as suas vidas, ganhou-os para a sua causa e pediu-lhes uma entrega sem condições. Aqueles pescadores da Galileia saíram da penumbra de uma vida sem relevo nem horizonte para seguirem o Mestre, tal como outros o fariam logo após, e depois já não cessariam de fazê-lo inúmeros homens e mulheres ao longo dos séculos. Seguiram-no até darem a vida por Ele. Nós também O seguimos!

O Senhor chama-nos, agora, para que O sigamos e para que iluminemos a vida dos homens e as suas atividades nobres com a luz da fé; sabemos bem que o remédio para tantos males que afetam a humanidade é a fé em Jesus Cristo, nosso Mestre e Senhor, razão de ser de nossa existência; sem Ele, os homens caminham às escuras e por isso tropeçam e caem. E a fé que devemos comunicar é luz na inteligência, uma luz incomparável: fora da fé estão as trevas, a escuridão natural diante da verdade sobrenatural…”

Jesus inicia o seu ministério e prega a conversão: “Convertei-vos, porque o reino dos céus está próximo” (Mt 4, 17). A conversão, diz o Doc. de Aparecida, nº 278b, “é a resposta inicial de quem escutou o Senhor com admiração, crê nele pela ação do Espírito, decide ser seu amigo e ir após Ele, mudando a sua forma de pensar e de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida. No Batismo e no sacramento da Reconciliação se atualiza para nós a redenção de Cristo”.

As palavras chegarão ao coração dos nossos amigos se antes lhes tiver chegado o exemplo da nossa atuação: as virtudes humanas próprias do cristão – o otimismo, a cordialidade, a firmeza de caráter, a lealdade… Não iluminaria com a sua fé o cristão que não fosse exemplar no seu trabalho ou no seu estudo, que perdesse o tempo, que não fosse sereno no meio das dificuldades, perfeito no cumprimento do seu dever, que lesasse algum aspecto da justiça nas relações profissionais…

A mensagem de Cristo sempre entrará em choque com uma sociedade contagiada pelo materialismo e por uma atitude conformista e aburguesada perante a vida.

“Sê forte” (Sl 26, 14). Poderíamos perguntar-nos hoje se no nosso círculo de relações somos conhecidos por essa coerência de vida, pelo exemplo na atuação profissional, ou no estudo, se somos estudantes; pelo exercício diário das virtudes humanas e sobrenaturais, com a coragem e o esforço perseverante a que nos incita o Espírito Santo.

Deus chama-nos a todos para que sejamos luz do mundo, e essa luz não pode ficar escondida: “Somos lâmpadas que foram acesas com a luz da verdade” (Santo Agostinho).

Se somos cristãos que vivem imersos na trama da sociedade, santificando-nos em e através do trabalho, devemos conhecer muito bem os princípios da ética profissional, e aplicá-los depois no exercício diário da profissão, ainda que esses critérios sejam exigentes e nos custe levá-los à prática. Para isso são necessárias vida interior e formação doutrinal.

Hoje, também, celebramos o Domingo da Palavra de Deus. O Papa Francisco nos recorda o valor transformador da Palavra de Deus na vocação e na missão da Igreja. Ela é luz para nossos passos, verdadeiro alimento. Por isso, apaixonemo-nos pela Sagrada Escritura, deixemo-nos interpelar profundamente pela Palavra, que desvenda a novidade de Deus e leva-nos a amar incansavelmente os outros. Coloquemos a Palavra de Deus no centro da pastoral e da vida da Igreja! Ouçamo-La, rezemo-La, ponhamo-La em prática. Foi atendendo a inúmeras solicitações de todo o mundo que o Papa Francisco, instituiu, com a Carta Apostólica Aperuit illis, o Domingo da Palavra de Deus a ser celebrado todos os anos no terceiro domingo do Tempo Comum, para celebrar, refletir e divulgar a Palavra de Deus.

A Carta Aperuit illis foi assinada pelo Papa Francisco, no dia 30 de setembro de 2019, memória de São Jerônimo, no dia em que se começou a celebrar 1600 aniversário de morte do doutor das Escrituras. Foi ele quem afirmou: “Desconhecer as Escrituras é desconhecer Cristo”.

Nesse domingo da Palavra de Deus, devemos encontrar formas adequadas e eficazes para viver, da melhor forma possível, esse domingo, fazendo “crescer no povo de Deus uma religiosa e assídua familiaridade com as Sagradas Escrituras, tal como ensinava o autor sagrado já nos tempos antigos: “Esta palavra está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a praticares” (Dt 30,14, (Aperuit illis, 15).

Peçamos à Virgem Maria coragem e simplicidade para vivermos no meio do mundo sem sermos mundanos, como os primeiros cristãos, para sermos luz de Cristo na nossa profissão e em todos os ambientes de que participamos. “Como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Os cristãos somos portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (Aparecida nº 30).

Mons. José Maria Pereira

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