Repensar a concelebração Eucarística

Monsenhor Guillaume Derville leciona Teologia dogmática em Roma. Colaborou na criação, em 2009, do Instituto de Liturgia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Acaba de publicar um interessante trabalho que aponta questões sobre a concelebração eucarística e ajuda a refletir sobre a renovação litúrgica querida pela Constituição Sacrosanctum Concilium, promulgada há quase meio século atrás.

1) No prefácio de seu livro, o cardeal Antonio Cañizares, prefeito da Congregação para o Culto Divino, elogia seu trabalho, dizendo que coloca no lugar exato, tanto a realidade da concelebração, como o que essa manifesta. Pode explicar a que ele se refere?

Sacrosanctum Concilium considerou oportuno restabelecer a prática da celebração, não tanto por razões históricas ou tradicionais, mas sim teológicas e pastorais; principalmente, para manifestar a unidade do sacerdócio. Ela encomendou a elaboração de um rito e estendeu a faculdade de concelebrar, até então muito limitada na Igreja Latina. Além da manifestação da fraternidade sacerdotal ou da solução a problemas práticos, se restaurava uma riqueza litúrgica que reflete a unidade do presbitério entre si, e deste com o seu Bispo. No livro tento mostrar como e por que isso foi feito.

2) O senhor diz que não há dados definitivos sobre a concelebração da Eucaristia nos primeiros tempos da Igreja. Será que a concelebração atual significa uma completa novidade?

O Concílio indica que se celebre a concelebração segundo “a primitiva norma dos Padres”. A dificuldade reside na falta de informação sobre a sua forma nos primeiros séculos. Como mostra a história, era um rito celebrado pelo Bispo, que associava ao seu presbitério os domingos; muito cedo, essa concelebração foi reduzida a determinadas solenidades. Os concelebrantes, geralmente poucos, se revestiam da casula e se colocavam ao redor do altar. Não se têm conhecimento da concelebração sem a presença do povo. A boa notícia é que o Concílio restabelece a concelebração para certas ocasiões, quando já se tinha limitado praticamente ao rito das Ordenações. Mas a posterior extensão do rito, em frequência e em número de concelebrantes, nunca a teriam imaginado os Padres conciliares.

3) A partir de leitura de sua obra pode-se deduzir que a raiz teológica da concelebração está na unidade do sacerdócio e do sacrifício eucarístico, mas que, para o discernimento sobre a celebração deve-se levar em conta outros fatores: litúrgicos, pastorais, incluindo a liberdade do sacerdote para celebrar individualmente.

Eu não desligaria nada do “princípio da unidade.” Como sugere o título do livro, “Do Símbolo à realidade”, eu me pergunto: o que é a concelebração e como manifesta melhor a unidade do sacerdócio? A Teologia litúrgica nos ajuda a pensar o que significa o “culto racional” no caso da concelebração. No “concelebrar” o essencial é o que se celebra: o mistério pascal e o sacerdote se configura com Cristo. Isso pode ser desfocado pela cotidianidade na concelebração ou quando, dissolvido numa massa e longe do altar, o sacerdote apenas repete as palavras e gestos de Cristo, nem porta as vestes próprias dos sacerdotes quando celebra a Eucaristia: a casula.

4) O prefeito de Culto Divino também afirma no prefácio que sua obra se encontra na esteira do movimento litúrgico. O Senhor pensa que, como tem sido dito ultimamente, é preciso fazer uma certa “reforma da reforma”?

Como Bento XVI assinalou recentemente, na obediência da fé, ninguém é dono do rito, mas guardião do tesouro instituído pelo Senhor e que nos foi confiado. É por isso que eu falaria, mais bem, de entender toda alteração dentro da unidade que caracteriza o desenvolvimento histórico do próprio rito, sem rupturas artificiais. Por exemplo, pode-se perguntar, em cada caso, se concelebrar ou não (se já celebrei hoje, é necessário concelebrar?); porque somente quando o símbolo expressa a realidade fica o rito reforçado na sua beleza e na sua verdade. É então quando se torna possível a adoração, a união com Deus, que é o verdadeiro autor da liturgia.

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