A Oração do Soberbo e do Humilde.
Dom José Maria Pereira
“A oração do humilde atravessa as nuvens”, diz Eclo 35, 21: sobe até Deus e desce cheia de
frutos.
Em Lc 18, 9 – 14, Jesus põe em confronto a oração do soberbo e do humilde, contando-nos a
parábola do fariseu e do publicano.
Antes de narrar a parábola, São Lucas preocupa-se em mencionar que Jesus falava a uns que
confiavam em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros. O Senhor fala de
dois personagens bem conhecidos de todos os ouvintes: Subiram dois homens ao Templo,
para orar: um fariseu e outro publicano. Percebeu-se logo que, embora ambos tenham ido ao
Templo com a mesma finalidade, um deles não fez oração. Não falou com Deus, num diálogo
amoroso, mas consigo próprio. Na sua oração, não há amor como também não há humildade.
Está de pé, dá graças pelo que faz, mostra-se satisfeito. Compara-se com os outros e
considera-se mais justo, melhor cumpridor da Lei. Parece não necessitar de Deus. Na oração,
ao invés de louvar a Deus, louva-se a si mesmo… Sua oração é longa: é uma arrogante
exaltação de si. Sua Salvação não é dom de Deus, mas conquista de suas “boas obras”.
O publicano “ficou de longe, e por isso Deus aproximou-se dele mais facilmente. Não
atrevendo a levantar os olhos ao céu, tinha já, consigo, Aquele que fez os céus… Que o Senhor
esteja longe ou não, depende de ti. Ama e se aproximará” (Santo Agostinho). O publicano
conquistou a Deus pela sua humildade, pois “Ele resiste aos soberbos e dá a sua graça aos
humildes” (Tg 4, 6). Não se considera melhor do que os outros… Nem os julga… Sua oração é
breve: resume-se em pedir perdão.
Efetivamente, a humildade é o fundamento do nosso trato com Deus.
“Deus gosta, ensina Santo Afonso Maria de Ligório, de que trateis familiarmente com Ele.
Tratai com Ele dos vossos assuntos, dos vossos projetos, dos vossos trabalhos, dos vossos
temores e de tudo o que vos interesse. Fazei-o com confiança e com o coração aberto, porque
Deus não costuma falar à alma que não lhe fala.” Mas falemos-Lhe com a simplicidade da
humildade.
Jesus começa a parábola do fariseu e o publicano (Lc 18, 1), insistindo que é preciso orar
sempre! O Mestre quer dizer-nos, de muitas maneiras, que a oração é absolutamente
necessária para segui-Lo e para empreender qualquer tarefa cujo valor permaneça para além
desta vida passageira.
Subiram dois homens ao templo para orar: nós somos aqueles dois homens; um e outro ao
mesmo tempo, porque, como o publicano, somos realmente pecadores e, como o fariseu, nos
julgamos justos. O que devemos fazer depois de ter escutado uma parábola como esta, sobre
o fariseu e o publicano? O que se exige de nós para voltarmos para casa, realmente
“justificados”, sentindo o olhar de Deus amorosamente pousado sobre nós, assim como sentia
o publicano? É crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se
consegue a salvação (Rm 10,10 ). Pois bem, cremos, hoje, com todo o coração, e professamos
com toda a força que Tu, ó Deus, amas-nos, não obstante sejamos pecadores; que nos
justificaste gratuitamente em Jesus Cristo, para dar honra a Ele que morreu e ressuscitou por
nós. Cremos que se nos deste Jesus Cristo, não nos negarás nada daquilo que é necessário
para coroar na glória esta aventura maravilhosa da salvação. Cremos que Te agradam nossas
boas obras feitas para responder ao amor, porque tu colocas em nossas mãos os teus dons
como se fossem méritos nossos. Tornamo-nos humildes e pequenos como crianças diante de
todo este mistério e te dizemos: Sim, ó Pai, porque foi de teu agrado! Cremos! Cremos!
Cremos!
O fariseu é modelo da pessoa religiosa segura de si. Representa que é fiel em várias coisas,
porém julga Deus em dívida para com ele. Para ele tudo se reduz a um sistema de retribuição e
castigo. Cumpridor, diligente, consciente dos méritos, quer a retribuição. Por isso, não
compreende a misericórdia para os pecadores. Precisamos tomar cuidado com a tentação de
acomodar a consciência: não matei, nem roubei, estou bem. É outro modo de dizer: não sou
como os ladrões, injustos e adúlteros.
Até a oração fica contaminada, mesmo que revestida de virtudes e méritos. Até a humildade
pode se perverter, converter-se na caricatura de si mesma: o orgulho. Curiosamente, o fariseu,
mais perfeito, desejava ser tido por alguém não só incontestável na sua conduta, como
também humilde. Experimenta a profunda satisfação de saber-se humilde, compraz-se em sua
pretensa humildade. Era a virtude que faltava adquirir à sua lista. “Dentre as grandes
qualidades que eu tenho, e que não são poucas, a que mais sobressai é a humildade…”, disse
alguém, certa vez.
Costumamos dizer: somos pecadores. Cuidemos de não nos acharmos honestos pelo simples
fato de confessar-nos culpados, e acabar caindo no mesmo orgulho. Declaramos ser pecadores
e intimamente nos cremos justos. Ora, mais vale um caminhão de pecados puxado pela
humildade do que um caminhão de boas obras, puxado pela soberba, ensinava São Francisco
de Sales.
Muito diferente é a oração do publicano. De seu coração brota uma oração humilde, confissão
de miséria e pecado. Não se compara com ninguém, considera-se indigno, espera de Deus o
perdão. Resultado: o fariseu, apegado a suas obras e orgulho é rechaçado, o publicano é feito
justo por sua fé.
Ora, o dom da salvação é muito superior ao nosso mérito e, por isso, nunca pode ser
equiparado a uma obrigatória recompensa do que nós façamos. Salvação não é conquista, é
graça. É dom gratuito que exige nosso esforço como resposta à graça. Esforço sempre
inspirado e movido pela graça. Sem Deus nada podemos em ordem a nossa santificação e à
vida eterna.
O reconhecimento do nosso nada diante de Deus leva a refugiar-nos Nele, e com Ele faremos
tudo o que se espera de nós. Observemos os mandamentos, procuremos viver conforme
Nosso Senhor pede, mas, diante Dele, estejamos desarmados de todo orgulho.
Nos começos do seu Pontificado, o Papa João Paulo II declarava: “A oração é para mim a
primeira tarefa e como que o primeiro anúncio; é a primeira condição do meu serviço à Igreja
e ao mundo.” E acrescentava: “Todos os fiéis devem considerar sempre a oração como a obra
essencial e insubstituível da sua vocação… Sabemos bem que a fidelidade à oração ou o seu
abandono são a prova da vitalidade ou da decadência da vida religiosa, do apostolado, da
fidelidade cristã.” Sem oração, não poderíamos seguir o Senhor no meio do mundo. A oração é
tão indispensável como o alimento ou a respiração para a vida do corpo.
Façamos um exame, uma reflexão, sobre como estamos rezando! Examinemos, hoje, se a
nossa oração, o nosso trato diário com Jesus, vivifica o nosso trabalho, a vida familiar, a
amizade, o apostolado… Sabemos que tudo é diferente quando primeiro falamos com o
Mestre. É na oração que o Senhor dá luzes para entender as verdades.
Peçamos ao Senhor a graça de termos zelo, amor, pelos tempos de oração. Que defendamos
os tempos dedicados à oração, “estando a sós com quem sabemos que nos ama” (Santa
Teresa), pois dela tiramos forças para santificar os nossos afazeres diários, para converter em
graça as contrariedades e para vencer todas as dificuldades. A nossa fortaleza está na
proporção do nosso trato com o Senhor.
Não deixemos nunca a oração! Escreve Santa Teresa: “Outra coisa não me parece perder o
caminho senão abandonar a oração.” Não devemos ficar preocupados se algumas vezes a
oração se torna árida, não experimentamos nenhum sentimento especial enquanto tentamos
rezar. No tratado sobre a oração, ensina São Pedro de Alcântara: “Para quem se empenha
seriamente em fazer oração, virão tempos em que lhe parecerá vaguear por um deserto e,
apesar de todos os esforços, não sentir nada de Deus. Deve saber que essas provas não são
poupadas a ninguém que tome a oração a sério […]. Nesses períodos, deve esforçar-se
firmemente por manter a oração, que ainda que possa dar-lhe a impressão de um certo
artificialismo, é na realidade algo completamente distinto: é precisamente nessa altura que a
oração constitui uma expressão de sua fidelidade a Deus, na presença do qual quer
permanecer mesmo que não seja recompensado por nenhuma consolação subjetiva.”
“É a presença silenciosa de Deus, na base do nosso pensamento, da nossa reflexão e do nosso
ser, que impregna toda a nossa consciência” (Bento XVI).
A oração ajudará a sermos “Discípulos-Missionários”.
“A oração é o alicerce do edifício espiritual. A oração é onipotente” (Caminho, 83).
“A ação nada vale sem a oração; a oração valoriza-se com o sacrifício” (Caminho, 81).
Peçamos ao Senhor a graça da Oração! A oração não é para mudar a disposição divina, mas
para obter tudo aquilo que Deus tinha disposto conceder pelas orações. Quer dizer: com
nossos pedidos, merecemos receber o que Deus, desde toda a eternidade, tinha pensado dar
para nós.
É incrível a dignidade da oração. Com ela, somos admitidos às decisões de Deus.

