É o Aborto uma Questão de Saúde Pública?

É realmente impressionante o fato de que a questão da defesa da vida se tornou o assunto central (e provavelmente decisivo) das próximas eleições no Brasil. O assunto veio crescendo lentamente nos últimos dias, através de uma imensa multidão de pessoas que trouxe o assunto a luz especialmente através da internet.

O tema certamente não é irrelevante. Gostaríamos aqui de, sem tomar posição partidária, acenar os principais argumentos utilizados nos países onde o aborto foi, infelizmente, permitido. Infelizmente não temos nenhuma garantia de que tais argumentos não serão utilizados pelo nosso futuro Presidente, seja ele quem for, uma vez que os discursos e as atitudes de ambos não demonstram um incondicional empenho em favor da vida humana.

O principal argumento, utilizado em tempos recentes em diversos lugares do mundo, diz assim: “eu pessoalmente sou contrário ao aborto, mas o aborto não é uma questão de fórum interno, de opinião particular, mas sim de saúde pública. Há muitas mulheres que morrem em clínicas clandestinas de abortos e essas precisam ser protegidas pela lei.”

Outro argumento semelhante seria: “há muitas mulheres que recorrem ao aborto no nosso País, de modo irregular, correndo grande risco de vida. Permitir que isso continue ocorrendo é uma grande hipocrisia. Essas devem ser protegidas; o Estado deve dar as mesmas as condições apropriadas para que possam ‘abortar’ sem correr perigo de vida.

Esses argumentos são tão repetidos quanto falaciosos. Ao primeiro podemos dizer que é uma forma pouco inteligente de esconder uma covardia e demonstra pouca honestidade intelectual. Aceitar tal argumento seria na prática permitir que um candidato dissesse uma coisa na campanha eleitoral (sua “opinião pessoal”) e depois fizesse o que lhe bem parecesse, em nome do “bem da nação”. Aceitar esse tipo de argumento equivale a dar aos candidatos a permissão para que eles enganem seus eleitores e não manifestem jamais claramente o que realmente pensam. Dessa forma, por exemplo, um candidato poderia se declarar contrário às privatizações dos bens públicos do nosso País, antes da campanha eleitoral. E depois o mesmo poderia permitir privatizações, alegando que isso é o mais necessário para o bem do País. Certamente o povo brasileiro é demasiado inteligente para aceitar esse tipo de engano.

O segundo argumento é ainda mais absurdo. Para mostrar o seu erro, façamos a aplicação do mesmo a outras situações da via social. Por exemplo: sabemos que no nosso País é grande o número de pessoas que alguma vez na vida já bebeu alguma bebida alcoólica antes de dirigir, embora a explícita proibição do nosso Código de Trânsito. Poderia então alguém argumentar dizendo: “a lei que pune quem dirige depois de ter consumido bebida alcoólica é uma grande hipocrisia, já que um grande número de pessoas do nosso País faz o mesmo. Essa lei deve ser cancelada, de modo que a população possa infringir a mesma sem ser punida por isso?” Evidentemente, o fato de que muitas pessoas infrinjam alguma lei justa não faz com que a mesma perca o seu valor. O fato, para citar outro exemplo, de que um número considerável da nossa população tenha experimentado alguma vez na vida alguma droga, não torna hipócritas as nossas leis de combate às drogas. No caso do aborto podemos dizer: o fato de que haja muitas pessoas que recorram ao mesmo (fato que deveria ser demonstrado e não suposto) não faria lícito o ato de eliminar uma vida humana inocente (não faria lícito o “homicídio uterino”, como diz nosso Código Civil);

Ainda podemos dizer que esses dois argumentos partem de dados falsos. Supõem que um grande número de mulheres morre a cada ano no nosso País pelo fato de terem recorrido a clínicas que realizam o aborto de maneira ilegal. Os números oficiais que temos não confirmam tal informação.

Sabemos, por exemplo, que a Federação Internacional de Planejamento familiar (IPPF) afirma que no Brasil existem cerca de 200.000 mulheres internadas todos os anos por complicações de aborto[i], sendo o número de morte bastante elevado. Os dados da ONU também dão números extraordinários (segundo a OMS, na América Latina ocorrem anualmente 3.700.000 abortos ilegais e 62.900 mulheres morrem em decorrência de complicações dos mesmos[ii]). O difícil é saber de onde eles recolhem esses dados, já que nenhuma das duas instituições possui hospitais no Brasil e nem mesmo equipes que recolham dados estatísticos em hospitais brasileiros ou latino-americanos. Em 2005, diante de uma manipulação absolutamente evidente de dados estatísticos sobre o aborto na Europa, a ONU, ainda sem admitir tal fraude, deixou de publicar esses dados para o continente europeu[iii].

Na verdade, os únicos dados científicos e reais, pois não são feitos por projeções ou especulações, mas de caso em caso (já que o médico que atende é obrigado a marcar num relatório diário cada procedimento que ele realiza) são os dados do DATASUS[iv]. Os últimos dados divulgados por esse organismo no Brasil são os de 2008 e mostram de modo explícito que naquele ano houve 117 mortes maternas por gravidez que terminaram em aborto. Nessas 117 mortes maternas estão incluídas as mortes por complicações de abortos espontâneos. Incluindo as mortes de mães que sofreram involuntariamente o aborto, seria menos de 0,02% dos dados da ONU para a América Latina, considerando que em extensão e em população o Brasil representa 50% da América Latina. Alguns dizem que esses dados são sub-notificados para evitar complicações legais, mas isso é uma completa mentira, pois nesses dados não se inclui a ficha clínica do paciente (nenhum dos seus dados é vinculado ao procedimento realizado), pois se tratam de dados estatísticos de saúde e não de provas legais contra algum paciente.

Ainda é importante lembrar que outra falácia, utilizada em todos os países que aprovaram o aborto: é a de aumentar – de um modo absurdamente exagerado – o número de casos de abortos realizados num País, falsificando dados, para poder afirmar que o aborto se trata de um problema de saúde pública. Na Espanha, por exemplo, antes da aprovação do aborto, a ONU e outros organismos internacionais afirmavam que a média de abortos realizados no País era de 20.000 a 80.000 abortos ao ano. Qual foi o grande susto quando, no primeiro ano depois da aprovação do aborto, os casos no País foram de 9[v] (não 9.000, mas simplesmente nove). Desses dados podemos concluir que naquele ano ou 20.000 mulheres (ou melhor, 19.991) desistiram de fazer o aborto ou os dados foram manipulados para forçar a aprovação do mesmo.

Outro ponto relevante é que, ainda que fosse verdade que há muitas clínicas que fazem o aborto ilegalmente no nosso País, a medida justa de um Estado responsável seria combater às mesmas e não permitir que outras se instalem no nosso País, desrespeitando os princípios da nossa Constituição, do nosso Código Penal e até mesmo da Declaração Mundial dos Direitos Humanos, de 1948[vi].

Podemos dizer ainda que se fosse reconhecido uma espécie de “direito ao aborto” no nosso País, isso significaria o ato mais extremo de “discriminação” contra outras pessoas, realizado na nossa História e seria algo diretamente contrário à nossa Constituição[vii]. Significaria que nós, atuais brasileiros, estaríamos negando a todos os futuros brasileiros (aos que irão nascer) o direito à vida nos primeiro período da vida dos mesmos. Negar esse direito seria negar o dom mais precioso que temos a todas as pessoas que nascerão no nosso País, injustificadamente. Esse ato seria de profunda injustiça feriria mortalmente a alma do nosso povo, que é radicalmente amante da vida. Se isso fosse aprovado, certamente nossa geração teria que responder por semelhante barbaridade à futura geração. Dessa forma, todo homem que nascer no futuro, deverá ser considerado um “sobrevivente”, em vez de ser reconhecido como um dom para nossas famílias e para nossa sociedade. Vale a pena lembrar sempre que “o País que mata seus filhos não tem futuro” (Papa João Paulo II), uma verdade tão simples quanto silenciada nos nossos dias. Certamente não vale a pena construir um País dominado por uma cultura de morte. E definitivamente, para se afirmar que o aborto é um tema de saúde pública é necessário afirmar argumentos falsos e dados manipulados. Felizmente o povo brasileiro é demasiado sábio para aceitar tais enganos.

Anderson Machado

Graduado em Filosofia na Universidade Católica de Petrópolis;

Mestrando em Filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma.

Hélio Luciano

Graduado em Odontologia pela UFSC;

Mestre em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade de Navarra; Doutorando em Bioética pela Faculdade de Medicina da Universidade Campus Biomédico di Roma

Alessandro Garcia

Mestre em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)


[i] http://www.ippf.org/en/News/Intl+news/Brazil+legislators+reject+abortion+reform.htm

[ii] http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241546669_3_eng.pdf nesse link estão os dados da OMS sobre morte materna em decorrência de aborto “não seguro” (evidentemente o adjetivo “seguro” não se aplica às crianças, nesses casos). Os dados do Brasil estão juntos com os da América Latina (3.700.000 abortos “não seguros” anuais e 62.900 mortes maternas em decorrência dos mesmos).

[iii] Um bom estudo sobre os lobbies abortistas e a manipulação de dados pode ser consultado no seguinte link:

http://www.prolifeworldcongress.org/index.php?option=com_content&task=view&id=27&Itemid=1

[iv] Os dados oficiais do DATASUS podem ser conferidos no seguinte link:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?simp/cnv/matuf.def

[v] Os números de abortos na Espanha podem ser consultados no seguinte link: http://www.unidosporlavida.org/jardinausentes_archivos/N%DAMERO%20DE%20ABORTOS%20EN%20ESPA%D1A%20DESDE%20QUE%20SE%20DESPENALIZ%D3.htm

[vi] “Artigo III: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

[vii] Título II, Cap. I Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

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