Homilia do Mons. José Maria – Assunção de Nossa Senhora ao Céu

No dia 15 de agosto, a Igreja celebra a Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, ou Nossa Senhora da Glória. Celebramos a Assunção corporal de Nossa Senhora ao Céu, que é dogma de fé católica. O que é dogma? É uma verdade de fé reconhecida como tal pela Igreja; que chegou até nós através da Revelação de Deus. O dogma traduz em palavras o que já existia em Deus.

“Para nós, a Solenidade de hoje é como uma continuação da Páscoa, da Ressurreição e da Ascensão do Senhor. E é, ao mesmo tempo, o sinal e a fonte da esperança da vida eterna e da futura ressurreição” (São João Paulo ll, Homilia). Trata-se de uma festa antiga, que tem o seu fundamento último na Sagrada Escritura: de fato, ela apresenta a Virgem Maria estreitamente unida ao seu Filho divino e sempre solidária com Ele. Mãe e Filho mostram-se estreitamente associados na luta contra o inimigo infernal, até à plena vitória sobre ele.

Esta vitória expressa-se, em particular, na superação do pecado e da morte, isto é, em vencer aqueles inimigos que São Paulo apresenta sempre em conjunto (cf. Rm 5, 12.15-21; 1Cor 15, 21-26). Por isso, como a Ressurreição gloriosa de Cristo foi o sinal definitivo desta vitória, também a glorificação de Maria no seu corpo virginal constitui a confirmação final da sua plena solidariedade com o Filho tanto na luta quanto na vitória.

Diz o Prefácio da Solenidade que proclama maravilhosamente o mistério celebrado: “Hoje, a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi elevada à glória do céu. Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em caminho, pois preservastes da corrupção da morte aquela que gerou, de modo inefável, o vosso próprio Filho feito homem, autor de toda a vida”.

Todos ressuscitaremos! Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida, os que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda (1Cor 15,23).

Entre aqueles que são do Cristo há uma pessoa que é “de Cristo” de modo único e inigualável: sua Mãe, aquela que O gerou como homem, que viveu com Ele, partilhando a oração, as alegrias, os trabalhos e, sobretudo, ficando a Seu lado ao pé da cruz. Para essa criatura, Jesus não esperou o fim dos tempos para uni-la a Si, na glória; imediatamente, depois de sua morte, Ela foi ao céu em corpo e alma. É esta uma convicção da Igreja, celebrada com uma festa muito antiga, mas a partir de 1º de novembro de 1950, a festa se tornou mais solene com a proclamação do Dogma da Assunção, pelo papa Pio XII.

O que diz para nós o Mistério da Assunção? Maria é, também ela, de um modo diferente de Cristo, o primeiro fruto: as primícias da Ressureição e da Igreja. Nela Deus traçou como que um esboço daquilo que, ao final, acontecerá para toda a Igreja. Porque toda a Igreja, no fim, tornada como Maria, imaculada e santa, será elevada ao Céu! A festa da Assunção, tão querida à tradição popular, constitui para todos os crentes uma ocasião útil para meditar acerca do sentido verdadeiro e sobre o valor da existência humana na perspectiva da eternidade. Indica para nós que é o Céu a nossa habitação definitiva. Dali Maria encoraja-nos com o seu exemplo a aceitar a Vontade de Deus, a não nos deixarmos seduzir pelas chamadas falazes de tudo o que é efêmero e passageiro, a não ceder às tentações do egoísmo e do mal que apagam no coração a alegria da vida.

Em Maria, Deus quis mostrar quão grande e profunda foi a redenção operada por Cristo e a que tamanha glória pode conduzir a criatura que se deixa envolver inteiramente. Maria, por sua vez, nos ensina como chegar à glória que hoje contemplamos e nos abre o caminho. É um caminho traçado, em todo seu percurso, por duas linhas retas: “a fé e a humildade”.

Bem-aventurada és tu que creste! Maria foi uma pessoa de fé, sempre; acreditou na Encarnação e disse: Fiat- seja feita a vossa vontade; acreditou apesar do longo silêncio de Nazaré; acreditou no Calvário. Acreditou também quando tudo parecia estar sendo desmentindo pelos fatos, também quando não compreendia; deixou-se conduzir docilmente por Deus, como uma ovelha que segue o Cordeiro conduzido à imolação, como é definida num hino da liturgia bizantina (Romano, o Mélode).

A carne de Jesus e a de Maria são a mesma carne. Portanto, a carne de Maria devia ter a mesma glória que teve a de seu Filho. São João Damasceno, no ano 749, escreve: “Era necessário que aquela que, no parto, havia conservado ilesa sua virgindade, conservasse também o seu corpo sem corrupção alguma, depois da morte. Era preciso que aquela que havia trazido no seio o Criador feito menino, habitasse nos tabernáculos divinos. Era necessário que aquela que tinha visto o Filho sobre a Cruz, recebendo no coração aquela espada das dores das quais fora imune ao dá-Lo à luz, O contemplasse sentado à direita do Pai. Era necessário que a Mãe de Deus possuísse aquilo que pertence ao Filho e fosse honrada por todas as criaturas como Mãe de Deus”.

A humildade é a explicação do mistério de Maria e da sua eleição. Ela foi “cheia de graça” porque era vazia de si.

Para que Deus possa realizar “grandes coisas” também em nós, para que possa conduzir-nos àquela glória final, alcançada por Maria, é necessário, portanto, que nós também apresentemos estes dois requisitos: a fé e a humildade.

Quem poderá ter uma fé pura e forte como a da Mãe de Jesus? Quem poderá alcançar a profundidade e a sinceridade da sua humildade? Ninguém! Podemos, porém, aproximar-nos dela, imitar- lhe a docilidade e a abertura a Deus. Podemos, sobretudo, rezar a Ela: Aumentai nossa fé; ensinai-nos a permanecer na humildade “sob a poderosa – e paterna- mão de Deus”. É a oração que, levantando o olhar, lhe dirigimos neste dia, em que a liturgia nos apresenta Maria como Rainha sentada à direita do Rei.

Os textos bíblicos contemplam esta realidade: O trecho da Leitura (Ap 11, 19; 12, 1-10) apresenta uma mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés, e do Filho que ela deu à luz, um varão, que irá reger todas as nações. Nesta imagem a Mulher e o Filho representam Jesus Cristo e a Igreja, mais a mulher confunde-se também com Maria, pois nela realizou-se plenamente a Igreja.

O texto de São Paulo (1 Cor 15, 20-27), falando de Cristo, primícias dos ressuscitados, termina dizendo que, um dia, todos os que creem terão parte na Sua glorificação, mas em proporção diversa: “ Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda” (1 Cor 15, 23). Entre os cristãos, o primeiro lugar pertence, sem dúvida, a Nossa Senhora, que foi sempre de Deus, porque jamais conheceu o pecado. É a única criatura em quem o esplendor da imagem de Deus nunca se viu ofuscado; é a Imaculada Conceição, a obra prima e intacta da Santíssima Trindade em quem o Pai, o Filho e o Espírito Santo sentiram as suas complacências, encontrando nela uma resposta total ao Seu amor.

A resposta de Maria ao amor de Deus ressoa no Evangelho (Lc 1, 39-56), tanto nas palavras de Isabel que exaltam a grande fé que levou Maria a aderir, sem vacilação alguma à vontade de Deus, como nas palavras da própria Virgem, que entoa um hino de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizou nela.

Ela é a nossa grande intercessora junto do Altíssimo. Maria nunca deixa de ajudar os que recorrem ao seu amparo: “Nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivesse recorrido à vossa proteção fosse por Vós desamparado”, rezava São Bernardo. Procuremos confiar mais na sua intercessão, persuadidos de que Maria é a Rainha dos céus e da terra, o refúgio dos pecadores, e peçamos-lhe com simplicidade: Mostrai-nos Jesus!

A Assunção de Maria é uma preciosa antecipação da nossa ressurreição e baseia-se na Ressurreição de Cristo, que transformará o nosso corpo corruptível, fazendo-o semelhante ao seu corpo glorioso (Fil 3, 21). Por isso São Paulo recorda-nos (1 Cor 15, 20-26): “Se a morte veio por um homem (pelo pecado de Adão), também por um homem, Cristo, veio a Ressurreição. Por Ele, todos retornarão à vida, mas cada um a seu tempo: como primícias, Cristo; em seguida, quando Ele voltar, todos os que são de Cristo; depois, os últimos, quando Cristo devolver a Deus Pai o seu reino…  Essa vinda de Cristo, de que fala o Apóstolo, disse São João Paulo II, “não devia por acaso cumprir-se, neste único caso (o da Virgem), de modo excepcional, por dizê-lo assim, imediatamente, quer dizer, no momento da conclusão da sua vida terrena? Esse final da vida que para todos os homens é a morte, a Tradição, no caso de Maria, chama-o com mais propriedade dormição. Externamente, deve ter sido como um doce sono: “Saiu deste mundo em estado de vigília” (São Germano de Constantinopla, Homilia sobre a Virgem); na plenitude do amor. “ Terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (Papa Pio Xll). Ali a esperava o seu Filho Jesus, com o seu corpo glorioso, tal como Ela o tinha contemplado depois da Ressurreição.

A Solenidade de hoje enche-nos de confiança nas nossas súplicas. Pois, diz São Bernardo, “subiu aos céus a nossa Advogada para, como Mãe do Juiz e Mãe de Misericórdia, tratar dos negócios da nossa salvação.” Ela alenta continuamente a nossa esperança. Ensina São Josemaria Escrivá: “Somos ainda peregrinos, mas a nossa Mãe precedeu-nos e indica-nos já o termo do caminho: repete-nos que é possível lá chegarmos, e que lá chegaremos, se formos fiéis. Porque a Santíssima Virgem não é apenas nosso exemplo: é auxílio dos cristãos. E ante a nossa súplica – mostra que és Mãe –, não sabe nem quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude maternal.

Fixemos o nosso olhar em Maria, já assunta aos céus! Ela é a certeza e a prova de que os seus filhos estarão um dia com o corpo glorificado junto de Cristo glorioso. A nossa aspiração à vida eterna ganha asas ao meditarmos que a nossa Mãe celeste está lá em cima, que nos vê e nos contempla com o seu olhar cheio de ternura, com tanto mais amor quanto mais necessitados nos vê. “Realiza a função, própria da mãe, de medianeira de clemência na vinda definitiva” (São João Paulo ll). Contemplando Nossa Senhora da Assunção no Céu, compreendemos melhor que a nossa vida de todos os dias, não obstante seja marcada por provações e dificuldades, corre como um rio rumo ao oceano divino, para a plenitude da alegria e da paz. Entendemos que o nosso morrer não é o fim, mas o ingresso na vida que não conhece a morte. O nosso crepúsculo no horizonte deste mundo é um ressurgir na aurora do mundo novo, do dia eterno.

Maria foi elevada ao Céu em corpo e alma: também para o corpo existe um lugar em Deus. Para nós o Céu já não é uma esfera muito distante e desconhecida. No Céu temos uma Mãe. E a Mãe de Deus, a Mãe do Filho de Deus, é a nossa Mãe. Ele mesmo o disse. Ele constituiu-a nossa Mãe, quando disse ao discípulo e a todos nós: “Eis a tua Mãe!” No Céu temos uma Mãe. O Céu está aberto, o Céu tem um coração.

Confiemo-nos Àquela que – como afirma São Paulo Vl – “tendo subido ao Céu, não abandonou a sua missão de intercessão e de salvação”. A Ela, guia dos Apóstolos, sustentáculo dos Mártires, luz dos Santos, dirijamos a nossa oração, suplicando-lhe que nos acompanhe nesta vida terrena, que nos ajude a olhar para o Céu e que nos receba um dia ao lado do seu Filho Jesus.

Atraídos pelo esplendor celeste da Mãe do Redentor, recorramos com confiança àquela que do alto nos guarda e nos protege. Todos temos necessidade da sua ajuda e do seu conforto para enfrentar as provas e os desafios de cada dia; precisamos de a sentir mãe e irmã nas situações concretas da nossa existência. E para poder partilhar um dia também para sempre o seu mesmo destino, imitemo-La no dócil seguimento de Cristo e no generoso serviço aos irmãos. Este é o único modo para saborear, já na nossa peregrinação terrena, a alegria e a paz que vive em plenitude quem alcança a meta imortal do Paraíso.

Contemplemos Maria, a Assunta. Elevada ao Céu, Maria não se afastou de nós, mas permanece ainda mais próxima e a sua luz projeta-se sobre a nossa vida e sobre a História da humanidade inteira. Deixemo-nos encorajar para a fé e para a festa da alegria: Deus vence! E digamos com Isabel: bendita sois Vós entre todas as mulheres. Pedimos-te, juntamente com toda a Igreja: Santa Maria, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte! Amém.

No dia dedicado às Vocações Religiosas, Maria é apresentada como Modelo de pessoa consagrada e um “sinal” de Deus no mundo de hoje.

Mons. José Maria Pereira

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