Amados irmãos, com essa Missa iniciamos os dias mais importantes do ano litúrgico, o Tríduo Pascal. A quinta-feira santa nos insere no mistério da Instituição da Eucaristia e do sacerdócio. Deus institui esses mistérios para que sua presença e seu Sacrifício Redentor cheguem a todas as gerações através do rito da Igreja. E ainda, nessa Missa conhecida popularmente como “Missa do Lava-pés”, Jesus ensina de modo solene o mandamento do amor, do serviço, da entrega aos demais. Disse Jesus – “também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz.” (Jo 13,14b-15). Pensemos hoje um pouco nesse gesto do Senhor.
No relato da Encarnação do Verbo, o anjo revela a José o nome da criança que iria nascer sob sua tutela, junto com o nome o anjo mostra a missão do Messias, disse o Anjo a José sobre Jesus: “Ele vai salvar seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21). No Tríduo Pascal vivemos o clímax da vida de Cristo, a consumação de sua missão: salvar a humanidade do pecado. Ajudados pelo relato de Gênesis sabemos qual é o pecado que causa todos os pecados, como que a fonte de todo o erro – a soberba. O sussurro da serpente maligna, abraçado por Adão ressoa no coração do ser humano diariamente – “sereis como deuses”. O homem se envenenou com o orgulho, passou a ter repulsa de sua condição e adquiriu um modo de ser envolvido pela altivez que o afasta da comunhão com Deus e com os irmãos. Um modo de ser que foge do serviço e da entrega de si. São João Clímaco chega a dizer que: “O soberbo não tem necessidade de demônio que o tente, pois ele próprio é para si demônio.” (Santa Escada pag 186). Diz ainda, de modo bem contundente, que a soberba: “é a negação de Deus. Invenção do demônio… mãe da condenação… Desterro da ajuda de Deus… ministra das quedas… Castelo dos demônios… criadora de crueldades… raiz de blasfêmias…” (Santa Escada pag 183). Nesse estado, a simplicidade, a caridade, o escondimento que permitem o homem ser grande em Deus, que é amor, passaram a ser opostos aos anseios da humanidade. Como dizem os santos e a tradição teológica, o homem passou a ter a fomis peccati, a fome de pecado que é, no fundo, a fome de soberba. Ora, Jesus, o Salvador da humanidade, vem salvar-nos da condição que a soberba nos deixou, vem tirar-nos do pecado, dá-nos vida com sua graça e também instaura o modo de viver do homem redimido, o modo de viver cristão, que é contraditório à soberba, esse modo é a humildade.
Na Antiguidade os banquetes eram momentos solenes, momentos rituais. Jesus ao ensinar o preceito da humildade/caridade num contexto de ceia e de Páscoa judaica mostra a importância desse ensinamento para o cristão. Seu gesto é emblemático! Em seu contexto histórico sua atitude impressionou aos discípulos, pois, era costume no mundo antigo os escravos lavarem e secarem os pés do dono da casa e dos seus convidados (Cf. Banquete, Roy Strong). O espanto é tanto que Pedro, tomado de sua impulsividade e sinceridade, de primeira não permite que o Mestre esteja exercendo uma função humilde destinada a servos e não aos senhores. Enquanto o homem tem fome de se elevar, Deus não se cansa de se abaixar. Deus encarnado retira seu manto e escolhe o serviço mais humilde, pega a tolha dos escravos e inclina-se aos pés de seus discípulos. E para que esse gesto não ficasse como um rito vazio ou um espetáculo teatral, Cristo diz que os seus seguidores devem viver desse modo. O modo de viver cristão, a lógica que devemos adquirir na vida é a lógica da humildade, a lógica do lava-pés. As Escrituras são claras – “Deus resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes” (Tg 4,6).
Motivados por esse gesto de Jesus, devemos pensar na nossa soberba, para lutar contra ela. São Josemaria Escrivá nos alerta que temos a tentação de imaginar a soberba escandalosa e chamativa. Como que um cortejo de um Imperador Romano! Mas não, a soberba se manifesta em nossa vida de modo muito mais discreto. Está presente quando nos achamos melhor que os outros, quando falamos mal das pessoas, quando nutrimos inveja, quando não queremos servir, quando pesamos só em nossos problemas e não no próximo, quando temos repulsa a serviços humildes, quando nos apegamos à nossa vontade e somos inimigos da obediência, quando murmuramos, quando não sabemos passar pelas humilhações, quando guardamos mágoa, quando temos o desejo de destaque, quando incensamos a nossa própria imagem, quando pagamos o mal com o mal entre outras coisas.
Ora, a nossa tendência, como num curso de um rio, é de nos entregar à soberba, mas, para implementarmos um novo modo de ser, devemos entender, como ensina o livro “Imitação de Cristo”, – que “um costume com outro se vence.”. A soberba vai sendo vencida também com atos de humildade, com serviços, com gestos pequenos de saída de nós mesmos, com a perseverança em nossas obrigações, quando exercemos nossa missão com dedicação, quando a autoridade é vivida como um serviço de condução etc.
Mas, parece ser bem importante pensar que esse gesto e ensino de Jesus esteja no mesmo contexto da instituição da Eucaristia. Diria que um primeiro motivo é que a morte da soberba, mesmo que exija de nós esforço, é, sobretudo, força da graça. Estar na Eucaristia é estar no rito do Deus que desceu até nós, que chegou à morte, à humilhação. Essa vida inserida em nossa vida que nos cura do pecado, que nos tira da soberba. Mas um outro motivo que parece ser importante é que, se a Eucaristia é a celebração por excelência da Igreja, para sermos Igreja temos que ter a humildade de vivermos como irmãos. Temos que ter a responsabilidade, ao estarmos diante do altar, de examinar nossa consciência e pensarmos, com sinceridade: Temos vivido como irmãos? Temos amado as pessoas? Temos educação, paciência e alegria no contato com o próximo? Somos geradores de divisões, intrigas, fofocas ou de unidade e de paz? Comungar, ser Igreja, ser discípulo exige humildade, comunhão, caridade. É preciso lavar os pés para sentar à mesa.
Ao vermos o rito do lava-pés peçamos graça ao Senhor para crescermos em humildade. Peçamos a graça ao Senhor de termos força para lutar a fim de implementar em nós em nossas famílias, em nossa sociedade a lógica do Evangelho. Peçamos também ao Senhor que tenha misericórdia de tantas e tantas vezes que recusamos nos abaixar, que recusamos a humildade e caridade e nos apegamos a nós mesmos.
Maria, a humilde serva do Senhor, interceda por nós. Amém!