- O REPOUSO DO SACERDOTE
Dizer ao sacerdote que repouse? O conceito pode parecer estranho. Todos os livros de espiritualidade que nós lemos nos convidam constantemente a redobrar os esforços, a visar mais alto e a nunca estarmos satisfeitos conosco, tais como nós somos.
- TRAGÉDIAS SACERDOTAIS
Ninguém sabe quantas tragédias sacerdotais há todos os anos. Manifestam-se pela bebida, pelo abandono do dever, pela depressão mental. Menos ainda se conhece o número das defecções parciais que se podem verificar. É o caso daqueles que se agarram desesperadamente ao seu cargo, embora achem que o sacerdócio lhes deixa um sabor amargo e que se veem frustrados na sua recompensa.
Não é lícito supor razoavelmente que a maior parte de nós sofremos, numa certa medida, desse demônio do meio-dia que é o desencorajamento e o desespero nascente? É possível que em alguns os assaltos se produzam se uma maneira dramática, mas é raro. Noutros, a tendência para a prostração será mais ou menos crônica e exprimirá um aspecto latente, mas presente na vida quotidiana. O matiz será tão discreto que assumirá a forma de um vago descontentamento, de ansiedade ou de insegurança. Entre nós e o sacerdote que é vítima da derrocada total, há talvez uma simples diferença de grau.
Por um lado, há o perigo da contemplação de si mesmo; isso salta aos olhos. Por outro lado, há o perigo menos aparente, da contínua dúvida de si mesmo, do medo mal definido e da incerteza – uma verdadeira tortura. Para produzirmos frutos reais, é preciso que nós, sacerdotes, vivamos na atmosfera estável de uma razoável tranquilidade interior, de contentamento e de confiança. Em casos individuais, a vontade de Deus pode ser diferente, mas não devemos supor de ânimo leve, sem provas, que ela o é para esta pessoa ou para aquela.
- NOSSOS PRÓPRIOS LIMITES
Muitos de nós não conseguimos aceitar os nossos próprios limites. Não aprendemos a viver conosco próprios tais como somos. Isto é verdade tanto na ordem natural como na sobrenatural.
Temos, por exemplo, caso de um sacerdote que é um pregador mediano. Por mais que prepare o sermão, há de falar terra-a-terra e com falta de ardor; o seu nome nunca conseguirá atrair a multidão à igreja no decurso de uma novena. No entanto, é um confessor muito procurado; há sempre uma longa fila diante do seu confessionário. De coração a coração parece ter uma unção e uma compreensão bem acima da média. Por outro lado, há um sacerdote ao qual só se dirigem os penitentes apressados. Esforça-se por ser bom confessor, mas quando se trata de dirigir as almas, sente-se como que seco e não sabe o que dizer. Do púlpito, pelo contrário, profere sermões que marcam pela sua força persuasiva e que conseguem manter a atenção de um auditório em virtude dos exemplos apropriados e da clareza de expressão. Ou ainda há o sacerdote que é inigualável em questões de administração. Reúne fundos, paga dívidas e manda construir em grande, tudo com admirável espírito empreendedor. Organiza pastorais e dirige as atividades paroquiais como um profissional do trabalho por grupos. Numa outra paróquia, há um padre que consegue manter, no limite, as suas instalações materiais em condições, mas que possui um notável dom de dar a conhecer as verdades de fé àqueles que se querem converter. As pessoas estão-lhe sempre a levar novos amigos e é conhecido em toda a diocese por isso.
O lado irônico da situação é que cada um destes padres – o confessor, o pregador, o administrador e o zelador das conversões – têm uns certos ciúmes dos êxitos dos seus confrades.
- NOSSA MISSÃO
Somos criaturas medianas quase em tudo e talvez mesmo um pouco deficientes nalguns pontos? Pois bem! Deus tem também necessidade de trabalhadores que não sejam brilhantes e mesmo de muitos, aparentemente. Se conseguimos resignar-nos a aceitar-nos tais como somos, olharemos sem sombrios pressentimentos os confrades que correm como lebres. Que importa, aliás, contanto que Deus consiga levar a cabo, por nosso intermédio, a obra que se propõe? A esperança do padre zeloso pode facilmente ver-se frustrada quando considera a extensão do trabalho a fazer e a compara às suas próprias insuficiências, do ponto de vista do tempo e do talento. No entanto, a responsabilidade essencial da salvação das almas repousa sobre Deus. Só se entrega a nós na medida em que lhe agrada. O mundo não perecerá pela simples razão de nós não podermos fazer tudo. Deus continua a segurar o universo na mão.
Por isso, ao sabermos que um apostolado particular ou um novo meio de ação parece operar maravilhas numa outra paróquia ou diocese, não nos preocupemos se não vemos possibilidade de pôr estas ideias em prática entre o nosso rebanho. Nenhum sacerdote pode ser só por si uma orquestra de sete executantes, pastoralmente falando. Se realizamos as tarefas primordiais e se vemos que já não temos tempo para as subsidiárias, não nos deve atormentar o que é impossível: preparamos bem as nossas homilias? Estamos com regularidade no confessionário? Cuidamos conscientemente dos doentes? As crianças das escolas têm a possibilidade de receber instrução religiosa? Encontramo-nos à disposição daqueles que nos vêm consultar e encorajamo-los? Estamos prontos quando o nosso povo tem necessidade de nós? Se a resposta a estas perguntas é afirmativa, Deus não se preocupa, nem nós nos devemos preocupar, mesmo se o nosso ministério não tem nada de espetacular.
- VOCAÇÃO À SANTIDADE
Não somos chamados a ser canonizados nem a tornarmo-nos santos de um dia para o outro. Também não somos chamados a tender para a santidade seguindo os mesmos caminhos. Salvo um dom especial de Deus, a santidade é um crescimento progressivo, como a própria vida. As etapas, no entanto, não são sempre iguais. Tal como a criança se desenvolve aos arrancos, a santidade também tem as suas fases de calmo equilíbrio e de impulso súbito. Ao contrário do crescimento físico, às vezes pode até recuar. O importante é que nos esforcemos continuamente, dia a dia, por sermos bons cristãos. O nosso próprio trabalho e o exercício da caridade no cuidado das almas, eis a nossa principal fonte de santidade.
Texto extraído do livro “Diálogo sobre o sacerdócio”, do autor americano Leo Trese, morto em 1970. O livro foi traduzido e publicado no Brasil, em 2014, pela Cultor dos Livros.