Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – Domingo de Páscoa – Ano B

RESSURREIÇÃO DO SENHOR

Jo 20,1-9

Caros irmãos e irmãs,

Com o Domingo da Ressurreição iniciamos um novo período litúrgico, o tempo pascal.  Páscoa significa “passagem”. A origem desta festa perde-se na noite dos tempos. Inicialmente, era uma festa de pastores, que no início da primavera, imolavam um cordeiro do rebanho. Os hebreus transformaram esta festa pastoril no “memorial” da libertação do Egito. Era imolado o cordeiro pascal, sinal da “passagem” de Deus, que fez passar o povo eleito da escravidão para a terra da liberdade.  Para os cristãos é a festa principal do ano litúrgico, em que se “comemora” a morte de Cristo na cruz e a sua Ressurreição. 

Neste domingo somos chamados a lançar o nosso olhar para o sepulcro vazio e contemplar o radiante mistério da ressurreição do Senhor.  Ouvimos mais uma vez ecoar o confortador anúncio: “Cristo ressuscitou!”. 

Ao celebrarmos a Ressurreição do Senhor, recordamos as palavras dirigidas pelo anjo às mulheres que choravam ao lado do túmulo vazio. Elas foram de manhã cedo ao sepulcro onde receberam do anjo a notícia que modificou o decurso da história: “Não vos assusteis. Procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui!” (cf. Mc 16, 6).  Diz ainda o anjo às mulheres que tinham ido ao sepulcro: “Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo?” (cf. Lc 24,5). Destas suas palavras, podemos tirar um ensinamento: nunca cansarmos de procurar Cristo ressuscitado, pois Ele dá a vida em abundância àqueles que O encontram.  As próprias mulheres, depois de um receio inicial, sentem uma grande alegria quando encontram o Mestre vivo (cf. Mt 28,8-9). 

O texto do Evangelho nos fala exatamente do primeiro impacto e das primeiras testemunhas: Maria Madalena, Pedro e o discípulo que Jesus amava. Madalena, enquanto mulher, pertencia à categoria de pessoas discriminadas, sem credibilidade oficial para os seus testemunhos.  Ela é a primeira personagem a entrar em cena.  É a primeira a dirigir-se ao túmulo de Jesus, quando ainda o sol não tinha nascido, na manhã do primeiro dia da semana.  Este “primeiro dia” nos faz lembrar o início de uma nova realidade, um novo tempo, o tempo do Homem Novo, que nasceu a partir da ação criadora e vivificadora de Jesus.

Maria Madalena foi a primeira pessoa que Deus escolheu para dar a notícia a Pedro e ao outro discípulo: “Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram” (Jo 20,2). Pedro e o outro discípulo, onde a tradição aponta como o evangelista João, dirigiram-se ao sepulcro, mas João chegou primeiro.  E nos diz o texto bíblico que ele “viu e acreditou” (Jo 20, 8). O Apóstolo João viu o mesmo que Pedro: um túmulo vazio, com as ligaduras e o sudário.  Mas João acreditou.  João foi o único entre os apóstolos, que ficou junto à cruz até o fim. Deixou-se invadir por um amor sem falhas.

O texto começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve ser entendida, sobretudo, com uma chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa que aqui começou um novo ciclo – o da nova criação, o da salvação definitiva. Este é o “primeiro dia” de um novo tempo e de uma nova realidade – o tempo do Homem Novo, que nasceu a partir da ação criadora e vivificadora de Jesus.

Todo o cristão é chamado a reviver esta experiência de Maria de Magdala. É um encontro que muda a vida: o encontro como um Homem único, que nos faz sentir toda a bondade e a verdade de Deus, que nos liberta do mal, não de modo superficial e passageiro, mas nos liberta radicalmente, nos cura completamente e restitui a nossa dignidade, como fez com Maria Madalena, que a restabeleceu na sua dignidade e a fez renascer, libertando-a do mal; concedendo-lhe um futuro novo e uma vida nova. 

Inicialmente, os discípulos acreditaram que a morte tinha triunfado e pensavam que Jesus estava prisioneiro do sepulcro. A comunidade nascida de Jesus era, em consequência, uma comunidade perdida, desorientada, insegura, desamparada, que ainda não descobrira que a morte tinha sido derrotada. Por isso, procurou Jesus no túmulo, mas, diante do sepulcro vazio, tomou consciência da ressurreição e percebeu que a morte não tinha vencido Jesus.

Saulo de Tarso, outrora temido perseguidor dos cristãos, a caminho de Damasco encontrou Cristo ressuscitado e foi por Ele “conquistado”. Aconteceu em Paulo aquilo que ele há de escrever mais tarde aos cristãos de Corinto: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação; vazia também é a vossa fé” (1Cor 15, 14). A ressurreição de Jesus constitui artigo fundamental da fé cristã.  Na verdade, talvez queira alguém pensar que a mensagem do cristianismo é tão rica e bela que ela pode dispensar o anúncio da ressurreição de Jesus. Verifica-se, porém, que nos escritos do Novo Testamento e nos da imediata Tradição cristã é tal a ênfase na ressurreição de Jesus que ela deve ocupar lugar primordial e indispensável no conjunto das verdades da fé.

Santo Agostinho também afirmou: “Resurrectio Domini, spes nostra”, ou seja:  “a ressurreição do Senhor é a nossa esperança” (cf. S. AGOSTINHO, Sermão 261,1). Cristo ressuscitou para nos dar a esperança.  Desde a alvorada de Páscoa, uma nova primavera de esperança invade o mundo; desde aquele dia, a nossa ressurreição já começou, porque a Páscoa indica o início de uma nova condição: Jesus ressuscitou para que Ele mesmo viva em nós, e, nele, possamos já saborear a alegria da vida eterna.

É isto que a Igreja proclama com alegria: anuncia a esperança, que Deus tornou inabalável e invencível ao ressuscitar Jesus Cristo dos mortos; comunica a esperança, que ela traz no coração e quer partilhar com todos.  Esperança, para que guie a humanidade para o porto seguro da salvação que é o coração de Cristo, a Vítima pascal, o Cordeiro que redimiu o mundo.  O Ressuscitado precede-nos e acompanha-nos pelas estradas do mundo. É Ele a nossa esperança, é Ele a verdadeira paz do mundo.

E, a partir desse tempo pascal, volta a ressoar o cântico do Aleluia, palavra hebraica universalmente conhecida, que significa “Louvai o Senhor”.  O aleluia desabrochou nos corações dos primeiros discípulos de Jesus naquela manhã de Páscoa, em Jerusalém.   Deixemos que o aleluia pascal se imprima profundamente também em nós, como expressão de uma vida de união com o Cristo Ressuscitado, a quem devemos louvar e agradecer pelas maravilhas que Ele operou em cada um de nós.  Celebrar a Páscoa é celebrar a concretização do amor de Deus por nós. Celebrar a Páscoa é também encontrar ou reencontrar a alegria interior, dar testemunho desta alegria e ser construtor do amor e da paz.

A Virgem Maria, que esteve junto de seu divino Filho em cada momento da sua vida, interceda sempre por cada um de nós e nos faça acolher com fé o dom da Páscoa e, assim como Maria Madalena, sejamos também nós testemunhas do Senhor ressuscitado para todas as pessoas que encontrarmos. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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