Homília do Dom Henrique Soares da Costa – Sagrada Família (Ano B)

Eclo 3,3-7.14-17a (gr.2-6.12-14)
Sl 127(128)
Cl 3,12-21
Lc 2,22-40

“Vieram apressados os pastores, e encontraram Maria com José e o Menino deitado no presépio” (Lc 2,16).


Como é eloquente esta afirmação do Evangelho!
O Menino que nasceu para nós, tão humano, encontrado com Seu pai e Sua mãe, no seio – tão normal, tão nosso – de uma família!
É o sentido da festa deste Domingo dentro da Oitava do santo Natal.
Compreendamos: a Festa do Natal não se resume a um dia; trata-se, antes de um tempo, no qual a Igreja celebra o mistério da Manifestação do Senhor na nossa humanidade. Ele assumiu tudo quanto é nosso, encheu tudo quanto é nosso com a Sua bendita Divindade, para nos fazer participar da Sua Vida eterna.
Em outras palavras: assumiu a nossa humanidade para encher-nos com a Sua Divindade!
Pois bem: Jesus, o Filho eterno do Pai, assumiu realmente uma família humana! Poderia ter simplesmente aparecido na terra… Mas, não: nasceu de uma Mãe, precisou de um pai, de um lar, de uma vida familiar. E isto tem implicações seríssimas para a nossa fé cristã. Vejamos:
Antes de mais nada, a festa deste hoje deixa claro que a família é sagrada.
Para nós, cristãos, ela não é somente uma realidade cultural, social, antropológica; é, acima de tudo, uma realidade teológica, isto é, ela pertence ao plano de Deus para a humanidade.
Desde a criação, o Senhor pensou a humanidade como homem e mulher (cf. Gn 1,27) e determinou que o homem não estivesse sozinho (cf. Gn 2,18); desde o princípio, a primeira palavra do homem foi uma declaração de amor à mulher: “Esta sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne” (Gn 2,23).
Ora, o Cristo que veio para levar à plenitude tudo quanto o Pai sonhou deste o princípio, assumiu e santificou a família, de modo que, se ela já era santa porque faz parte do plano de Deus, mais santa ainda tornou-se, porque assumida e santificada pelo Cristo Jesus e feita por Ele sinal da Igreja e do Reino de Deus. É o que recorda o Evangelho de hoje, mostrando o Senhor Jesus no seio familiar,
como qualquer criança, submisso aos Seus pais no dia-a-dia; é o que nos mostra, de modo muito terno e comovente, a Carta aos Colossenses – a família como uma pequena Igreja, a Igreja da casa, a Igreja doméstica: “Irmãos, vós sois amados por Deus, sois Seus santos eleitos: revesti-vos de sincera misericórdia, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro. Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual fostes chamados como membros de um só corpo. Que a palavra de Cristo habite em vós. Tudo que fizerdes, seja feito em nome do Senhor Jesus Cristo. Por meio Dele dai graças a Deu, o Pai”.
Notem que a família aqui é vista e pensada em Cristo, como uma pequena comunidade de irmãos em Cristo.
Jamais, para um cristão, a vida familiar é simplesmente natural!
Jamais um cristão poderá aceitar que seja chamado propriamente família quaisquer uniões, que não a união de um esposo com uma esposa e os filhos nascidos do amor deles ou pelo amor deles acolhidos!
Com todo o respeito por quem pensar de modo diferente, jamais será lícito a um cristão aceitar um conceito de família diverso daquele que a Palavra de Deus nos apresenta!
E que não venham dizer que a Igreja é desumana ou quadrada! Trata-se, aqui, de fidelidade à Palavra de Deus! Que não nos enganemos: a Igreja somente será fiel ao homem se for absolutamente fiel a Cristo! E deve ser fidelíssima neste tema tão decisivo para a humanidade! Destruir e desvirtuar a família, é colocar em perigo a própria humanidade, o próprio tecido social! Olhem o mundo atual, pensem na situação de nossos jovens, sem religião, descristianizados por falta de uma família realmente cristã, e vocês darão razão ao que digo!
No desígnio de Deus, a família não é somente uma pequena Igreja, mas é também lugar de humanização e realização humana. Basta recordar as palavras comoventes do Eclesiástico e do Salmo da missa de hoje! É no seio familiar que se aprende a ser gente, aprende-se o amor, a solidariedade, o diálogo, o respeito de uns pelos outros, a vida comum, o valor do trabalho honesto, o valor da verdade, da piedade e da paz.
Na família, aprende-se ou deve-se aprender a rezar e a amar a Deus com terno carinho.
Na família também, nós fazemos as nossas primeiras experiências da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois é aí que choramos pela primeira vez, aí enfrentamos as primeiras crises e os primeiros sofrimentos, como a família de Nazaré, no Evangelho de hoje!
É aí, na família cristã, que aprendemos que o sofrimento, quando vivido na fé e em união com Cristo, torna-se fecundo, amadurece-nos, faz-nos crescer e nos dá a graça de participar da paixão redentora do Senhor.
Infelizmente, uma sociedade como a nossa, paganizada, terra-terra, incapaz de sonhar ideais altos, já não mais compreende esta linguagem! A família é vista simplesmente sob um prisma humano, sem nenhuma referência ao plano de Deus, como se fora um mero ajuntamento de pessoas, “comunidade afetiva”, dizem os sabichões da sabedoria deste mundo!
Secularizada, a família cai no faça-você-mesmo, sendo destruída e desmoralizada! A televisão prega todos os dias o seu fim, as novelas desmoralizam-na, os astros e estrelas da mídia defendem o divórcio, o aborto, a infidelidade conjugal, paterna e filial, a permissividade, o desrespeito entre pais e filhos… Os resultados estão aí, patentes e trágicos! Que o digam os filhos que já não têm o direito de terem um pai e uma mãe vivendo juntos; que o digam os jovenzinhos que só sabem “ficar”, e isto com doze, treze anos de idade; que o digam as mães e pais solteiros de catorze, quinze anos de idade; que o digam os tantos desquitados, divorciados e descasados de nossa sociedade… Como se tudo isto fosse normal, fosse indiferente ao sonho e aos mandamentos do Senhor para o amor humano!
Nós, cristãos, temos o dever sagrado de resgatar o plano de Deus para a família. Respeitando a opinião dos outros, dos pagãos – alguns dos quais se dizem cristãos! – é preciso deixar claro qual o sonho de Deus para a realidade familiar humana!
É preciso deixar patente que não aceitamos profanar algo que nasce de um sacramento e foi abençoado por Deus desde o princípio e santificado pelo Senhor Jesus! Aqui, não se trata de ser aberto ou não, moderno ou não, mas de ser fiel ou não, de ser cristão ou não, de levar a sério o Evangelho ou não!!
Cristãos, que nossas famílias sejam cristãs! O Senhor pedir-nos-á contas de nossa vida de família!
Que sejam nossos lares, lugar de convivência pacífica e respeitosa, lugar de partilha de sonhos, problemas, esperanças, alegrias e tristezas; que sejam nossas famílias lugar onde se vive a fé, onde se reza diariamente, onde, aos domingos, o Senhor tenha um lugar especial; que sejam lugar de humanização, de crescimento nas virtudes humanas e cristãs! Lugar de diálogo, de perdão, de compreensão, de diálogo e de paz!
Que os pais aprendem a dialogar com os filhos, a ouvi-los, a falar-lhes, a corrigi-los, a incentivá-los, a perdoá-los.
Que os filhos aprendam a respeitar seus pais, a escutá-los, a levar em consideração a experiência de vida que eles têm, a pensar com seriedade nos conselhos que dão!
Que os filhos rejuvenesçam os pais com seus sonhos; que os pais amadureçam os filhos com sua experiência!
Que pais a filhos vivam debaixo do amor de Deus e do Evangelho de Cristo!
E que intercedam por nós a Virgem Maria e seu esposo, São José! Que tenha misericórdia de nós o Cristo Jesus, feito obediente a Seus pais no coração da casa de Nazaré.
E que todos nos esforcemos sinceramente para construir em nossa casa um ambiente realmente de Igreja doméstica, que seja já agora um pedacinho do céu, daquele Céu que esperamos, um dia, onde, com Maria sempre Virgem e com São José, contemplaremos eternamente o Cristo por nós nascido, que é Deus, com o Pai e o Espírito Santo. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa

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