Homilia I Domingo da Páscoa | Ano C

Meus caros irmãos e irmãs,

O Evangelho deste domingo relata as aparições de Cristo ressuscitado a seus discípulos.  Na primeira delas está ausente o Apóstolo Tomé, e presente na segunda, oito dias depois. Estas aparições confirmam o sepulcro vazio e revigoram decisivamente a fé dos Apóstolos e da comunidade eclesial, isto é, nossa própria fé na Ressurreição de Jesus. Neste relato, o evangelista João nos faz partilhar a emoção sentida pelos Apóstolos neste encontro com Cristo depois da sua ressurreição. 

O texto evangélico descreve que Jesus, depois da Ressurreição, visitou os seus discípulos, entrando pelas portas fechadas do Cenáculo. Jesus mostra os sinais da paixão, chegando a conceder ao incrédulo Tomé que os tocasse. Na realidade, a condescendência divina permite-nos tirar proveito até da incredulidade de Tomé assim como dos discípulos crentes. De fato, tocando as feridas do Senhor, o discípulo hesitante cura não só a sua desconfiança, mas também a nossa.

Ao apóstolo é concedido que toque nas suas feridas para reconhecer, além da identidade humana do Jesus de Nazaré, também a sua verdadeira e mais profunda identidade, por isto diz: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 28).  A resposta de Tomé é um ato de fé, de adoração e de entrega sem limites. As dúvidas de Tomé viriam a servir para confirmar a fé dos que mais tarde haviam de crer em Jesus. Se a nossa fé for firme, também haverá muitos que se apoiarão nela.  É necessário que essa virtude teologal vá crescendo em nós de dia para dia.  Estas palavras pronunciadas pelo apóstolo Tomé têm servido de jaculatória para muitos cristãos, e como ato de fé na presença real de Cristo na Sagrada Eucaristia.

Podemos ainda sublinhar a saudação feita por Jesus tanto na primeira como na segunda aparição: “A paz esteja convosco!”. Não era apenas a saudação tradicional dos hebreus.  Tinha um sentido da promessa de paz para aqueles que acolhessem a verdade da Ressurreição.  E a promessa de paz se completou com o grande dom do perdão que nesse dia Jesus deixou nas mãos da Igreja, quando soprou sobre os apóstolos e disse a eles: “Recebei o Espírito Santo.  Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais não perdoardes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22-23). É esta a missão da Igreja perenemente assistida pelo Espírito Santo: levar a todos o feliz anúncio, a jubilosa realidade do amor misericordioso de Deus.  O Espírito de Jesus Cristo é poder de perdão e da Divina Misericórdia.  Concede a possibilidade de iniciar de novo, sempre de novo.  A Paz é o dom que Cristo deixou aos seus amigos (cf. Jo 14, 27), como bênção destinada a todos os povos. É a paz que Jesus Cristo adquiriu com o preço do seu Sangue e que comunica a quantos nele confiam. 

Neste contexto podemos dizer que a confissão dos pecados é a festa da paz.  E a fórmula atual com que o sacerdote absolve o penitente lembra o mistério da Ressurreição e a vinda do Espírito Santo.  Declara que Deus, “pela morte e ressurreição de seu Filho reconciliou o mundo consigo, e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados”, e pede que “pelo ministério da Igreja”  ele conceda ao penitente “o perdão e a paz”.  É, portanto, uma festa de paz.  Dessa paz que só pode existir, quando pecado for expulso.  E o próprio Jesus vai dizer à mulher pecadora, que lava os seus pés com as próprias lágrimas: “A tua fé te salvou, vai em paz” (Lc 7,50).  Para essa mulher o contato com Jesus significou paz, pois sentiu o restabelecimento da sua dignidade enquanto pessoa.  E ainda no caso daquela mulher que sofria de um fluxo de sangue, havia doze anos, a ela também Jesus disse: “A tua fé te salvou, vai em paz” (Lc 8,48). Para ela o milagre foi a plenitude da regeneração da vida, o começo da paz. Por isso, a fé, entendida como adesão a Jesus, constitui o fundamento da paz.

Há um anexo inseparável entre a paz, dom do alto, e o Espírito Santo; não sem razão são representados com o mesmo símbolo da pomba. O perdão dos pecados passa a ser o grande presente pascal que recebemos. O perdão que traz a paz de Deus é causa de alegria em nós.  A paz indica ainda o estado do homem que vive em harmonia com Deus, com o ambiente em que vive e consigo mesmo, como afirma o Sl 4,9: “Eu tranquilo vou deitar-me e na paz logo adormeço, pois só vós, ó Senhor Deus, dais segurança à minha vida”.

Esta saudação “A paz esteja convosco” soa ainda como um eco das palavras dos anjos no dia do nascimento de Jesus em Belém: “Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc 2,14), onde Jesus é apresentado como o portador da paz ao mundo por excelência. Com Jesus nasce uma nova humanidade que responde à sede de vida e de harmonia da humanidade de todos os tempos.  Ele é a plenitude da paz, porque oferece a possibilidade de uma felicidade e de paz que ultrapassam as barreiras dos povos e da própria morte. Os anjos e os pastores exprimem a nova proximidade entre o mundo de Deus: “Glória a Deus” e o mundo dos homens: “Paz aos homens” que, por sua vez, alude à possibilidade de uma nova fraternidade entre os seres humanos. 

Talvez o conceito que na nossa língua mais se aproxima da expressão hebraica “shalom” é o de felicidade.  Mas também indica o sentido de bem-estar de uma pessoa.  Pode ainda indicar a ideia de se ter completado uma vida longa e feliz, daí a expressão “sheol”, que tem a mesma raiz.  Simeão, já ancião, um homem justo, que esperava a consolação de Israel,  certa vez tomando o menino Jesus nos braços e louvou a Deus, por ter podido ver realizada a sua esperança: “Agora, Senhor, podeis deixar o vosso servo partir em paz, segundo a tua palavra, porque os meus olhos viram a tua salvação, que preparastes diante de todos os povos: luz para iluminar as nações todas e glória de Israel, o vosso povo” (Lc 2,29-30). O louvor de Simeão começa por uma exclamação de felicidade realizada.  Chegado ao fim de seus dias, amadurecido na esperança considera-se saciado e exprime essa felicidade pela palavra paz. Com a chegada do dom de Deus em Jesus, Simeão vê completar-se o sentido da sua vida; pode deixar este mundo como um homem feliz.

A paz é comunicada aos homens desde o momento em que Cristo veio ao mundo.  E paz também é o anúncio de Jesus no momento em que ele está para deixar este mundo e voltar para o Pai.  Assim diz Jesus no seu discurso de despedida: “Deixo-vos a paz, eu vos dou a minha paz” (Jo 14,27).  E após a ressurreição continua oferecendo a sua paz dizendo aos discípulos: “Recebei o Espírito Santo” (cf. Jo 20,22).

Ao longo da sua vida pública por diversas vezes Jesus ressaltou o valor da paz: E disse: “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Aqui Jesus frisa bem o que se deve “fazer”. É o agir. É o trabalhar em prol da paz. São os que realizam a paz. Não tanto no sentido de que se reconciliam com os próprios inimigos, mas no sentido de que ajudam os inimigos a reconciliar-se. Trata-se de pessoas que amam a paz, tanto que não temem comprometer a própria paz pessoal intervindo nos conflitos a fim de promover a paz entre os que estão divididos.

Muitos santos deixaram fortes exemplos de uma demonstração do que podemos fazer em prol da paz. Certa vez São Francisco de Assis pediu em oração: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz”.  E todos nós somos chamados a ser um instrumento da paz do Senhor. Para sermos instrumentos de paz não podemos difundir o mal, nem sermos agentes do acusador, do semeador da cizânia. Não podemos espalhar o mal. Não podemos permitir que o mal prossiga em seu desenvolvimento. 

A paz continua sendo fruto do Espírito Santo, isto é, graça e colaboração humana. A paz continua sendo um fenômeno da graça de Deus e do empenho daqueles que a compõem. Ela é fruto da união de cada um de nós, com todas suas notas de singularidade, em união dos corações na comunhão. Em outras palavras, é a concórdia que deve fazer parte do nosso cotidiano.

Na terra podemos descobrir os caminhos que levam à paz (cf. Lc 19,42), podemos “dirigir os nossos passos no caminho da paz” (Lc 1,79). Podemos, num momento de graça, ter como que uma amostra e um primeiro sinal da paz que nos espera no céu.  Lembrando a expressiva bênção de Aarão, peçamos: “Que o Senhor nos abençoe e nos guarde.  Que o Senhor faça brilhar sobre nós a sua face e nos dê a sua graça!  Que o Senhor volte para nós o seu olhar e nos dê a paz”.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

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