Liberdade e responsabilidade no mistério da Cruz
Quinta depois das cinzas, Quaresma – C – Dt 30,15-20; Sl 1; Lc 9,22-25
Para os primeiros discípulos do Senhor devia ser muito difícil escutá-lo a dizer essas palavras: “É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas, seja morto e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22). É necessário! É o que nós chamamos de “necessidade hipotética”, ou seja, na hipótese de que Deus quisesse salvar o ser humano com uma salvação que reparasse todos os horrores que a humanidade inflige à divindade, segundo a estrita justiça (ex toto rigore iustitiae), era necessário que Jesus morresse na cruz. De fato, Deus quis que assim fosse; logo, era necessário que Cristo sofresse horrores na Cruz e nela morresse. Sem dúvida, não era necessário que tudo isso acontecesse com “necessidade absoluta”, pois Deus é livre e poderia ter nos salvado de outra maneira. No entanto, Deus quis levar em conta não somente a maldade infligida a ele mesmo, mas também a seriedade do pecado e da liberdade do ser humano e, consequentemente, a seriedade de sua responsabilidade.
Esse sentido de liberdade e de responsabilidade não se manifesta apenas na morte do Filho de Deus, mas no convite que ele faz a cada um de nós: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). É maravilhoso pensar no Deus-Amor e é igualmente maravilhoso pensar no Deus-Justiça: é o mesmo Deus uno e trino! No cristianismo, temos que entender que o paradoxo é uma realidade e uma linguagem habitual.
São Paulo entendeu isso tão bem que chegou a afirmar: “Completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Nesta quaresma, vamos aprender a oferecer os nossos sofrimentos ao Senhor para que eles os utilize como expiação, reparação, intercessão. Vamos rezar com os nossos sofrimentos também, completando na nossa carne o que falta à paixão do Senhor. Não que falte algo à Paixão de Cristo, no que se refere ao próprio Cristo. Contudo, no que se refere à Igreja, corpo do Senhor, ela é santa, mas pode ser mais santa. Os membros da Igreja precisam se assemelhar cada vez mais ao Cristo, cabeça e corpo. Nesses tempos de crise e de sofrimento no corpo ecleisal da Igreja, temos que aprender a rezar e a sofrer rezando, transformando o sofrimento em oração. Nossa Senhora das Dores interceda por nós.
Padre Françoá Costa
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