Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – Sexta-feira Santa

SEXTA-FEIRA SANTA

Jo 18,1 – 19,42

 

Caros irmãos e irmãs,

A sexta-feira santa é o único dia do ano em que não se celebra missa. A eucaristia é a celebração de Deus vivo e, por isto, não faz sentido celebrar a eucaristia no dia em que Cristo morre. A Igreja está recolhida, em oração. Dia de penitência. Dia de jejum. Dia de abstinência de carne. Dia em que devemos voltar nossos pensamentos para viver os sofrimentos atrozes vividos pelo Salvador e Redentor da humanidade.

A liturgia nos faz sentir, de maneira especial, o significado do sofrimento de Cristo, e as duas leituras que preparam o Evangelho são fundamentais para penetramos no Mistério que celebramos. A leitura da Paixão segundo João constitui o modo privilegiado de acesso ao mistério pascal, que neste dia revivemos, sobretudo como morte do Senhor. A primeira Leitura (cf. Is 52,13-53,12) é o quarto canto do Servo de Javé. Nesta leitura retirada do livro do profeta Isaías, a Igreja nascente encontrou, através das nuvens da história antiga, o fio que a existência de Jesus retornou e levou ao fim: a doação da vida do justo, pela salvação dos homens e mulheres, pela salvação dos irmãos, mesmo dos que o rejeitaram e mesmo daqueles que o traíram.

Já a segunda leitura, retirada da Carta aos Hebreus (cf. Hb 4,14-16;5,7-9), coloca em evidencia que Jesus participou em tudo de nossa condição humana. Assim, devemos nos colocar perante o mistério de hoje: Jesus, se fazendo homem em tudo, exceto no pecado, morre pela salvação da humanidade, para o perdão de nossos pecados, inaugurando o novo tempo: o tempo da salvação e da glória.

Nesta celebração acompanhamos os passos do Senhor em sua paixão até a sua entrega total na cruz. Contemplando e adorando o Senhor Crucificado, elevamos nossa oração por todas as pessoas com quem o sangue de Cristo nos fez irmãos, especialmente os que sofrem, prolongando hoje, o mistério de sua cruz.

Neste dia, somos chamados a contemplar a Paixão e Morte de Jesus. Somos levados a contemplar e vivenciar o mistério da iniqüidade humana na pessoa de Jesus sim, mas, sobretudo, o mistério do Seu triunfo definitivo. O rito da apresentação e adoração da cruz vem como conseqüência lógica da proclamação da paixão de Cristo. A Igreja ergue diante dos fiéis o sinal do triunfo do Senhor, que Ele mesmo havia dito: “Quando levantarem o Filho do Homem, saberão que Eu sou” (Jo 8,28). Enquanto apresenta a cruz, o celebrante canta por três vezes: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”. A assembléia, cada vez, responde: “Vinde, adoremos!”.

E neste dia, a liturgia nos convida a lançar um olhar para o Calvário de Cristo. E lá podemos também contemplar Maria, silenciosa aos pés da cruz, com o coração retalhado de dor, Maria é figura da humanidade redimida. Nesta Sexta-feira Santa somos também convidados a contemplar o mistério da cruz de Cristo, através do olhar maternal de Maria. O evangelista São João refere-nos que aos pés da cruz, onde o Senhor entrega a vida, estavam a mãe de Jesus, a irmã de sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena; e ainda o próprio evangelista São João (cf. Jo 19,25). Jesus foi praticamente abandonado por todos. Os discípulos se dispersaram, restando apenas João, aquele que Jesus amava, segundo a tradição, os miraculados desapareceram, as multidões que o seguiam e o aclamaram como Messias nas ruas de Jerusalém, pediram a sua condenação. Só Maria, sua mãe, acompanhada por duas amigas, e João, são fiéis até ao fim.

Eles vencem o medo e superam a dor e não evitam a cruz. Essa é a primeira atitude que podemos aprender com Maria: não ter medo da cruz, contemplá-la com amor, porque aquele crucificado é a encarnação do amor. Aproximamos da cruz porque nela está suspenso alguém que nos ama infinitamente, nosso Senhor e Mestre. Naquela cruz joga-se o nosso destino; ali somos gerados para uma vida nova, nas núpcias misteriosas entre Deus e a humanidade; e Maria, que dera à luz o Verbo encarnado, surge como Mãe da nova humanidade, participando como mulher e Mãe nesse parto doloroso da humanidade redimida. Jesus explicita essa nova maternidade de Maria, ao dizer-lhe, referindo-se a São João: “Mulher, eis o teu filho” (Jo 19,26). A maldição que tinha caído sobre outra mulher, Eva, a primeira mãe da humanidade, condenada a dar à luz os seus filhos na dor (cf. Gn 3,16) é vencida na dor de Maria. Também ela, aos pés da cruz, gera os novos filhos na dor, mas a sua dor é o sofrimento da redenção.

Aos pés da Cruz está Maria como co-redentora. Quis Deus que entre ela e o seu Filho, houvesse uma unidade de missão, e essa missão Maria a aceitou, desde o primeiro momento, na obediência da fé. Ao anjo disse: “Eu sou a Serva do Senhor, cumpra-se em mim a tua Palavra” (Lc 1,38). Essa obediência total à vontade do Pai será a atitude contínua de Jesus. A Sua fidelidade é uma obediência que, segundo São Paulo, encontra a sua máxima expressão naquela Cruz: humilhando-Se ainda mais, obedeceu até à morte na cruz (cf. Fl 2,8).

E na Carta aos Hebreus diz-se que Ele, “apesar de ser Filho, aprendeu, de quanto sofrera, o que é obedecer” (Hb 5,8). Aprender a obediência, aprofundar a atitude de abandono à vontade de Deus, eis algo que Maria não deixou de aprofundar, desde a anunciação até à cruz. Aos pés da cruz, tal como Seu Filho, Maria obedece, abandona-se ao desígnio misterioso de Deus e percebe, na cruz, qual era a vontade de Deus. A sua obediência é, agora, mais radical e profunda, pois percebe que é mais exigente aceitar a vontade de Deus acerca do Seu Filho do que acerca dela própria.

Aprendamos com Maria a obedecer à vontade do Senhor, quando nos convida à conversão, quando nos atrai para a intimidade, quando nos envia em missão, quando nos interpela a sermos santos, como ele é Santo. A cruz de Cristo é, em cada momento, um apelo à conversão, um convite à confiança, um desafio de amor.

Contemplando Maria, aos pés da cruz, aprenderemos, com ela, a abraçar a nossa cruz, isto é, as nossas provações, os nossos sofrimentos e que possamos fazer deles a oferta eucarística e hóstia de louvor, para a redenção do mundo. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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