Homilia do Papa na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

Missa celebrada na Basílica de São João de Latrão em 11 de Junho de 2009

* * *

“Este é o meu corpo, este é o meu sangue”. 

Queridos irmãos e irmãs, 

estas palavras que Jesus falou durante a Última Ceia repetem-se cada vez que se renova o Sacrifício eucarístico. Nós as escutamos há pouco no Evangelho de Marcos e elas ressoam com notável poder evocativo hoje, Solenidade de Corpus Christi. Conduzem-nos ao Cenáculo e trazem a atmosfera espiritual daquela noite, quando, celebrando a Páscoa com os seus, o Senhor antecipou no mistério o sacrifício que seria consumado no dia seguinte sobre a cruz. A instituição da Eucaristia surge como antecipação e aceitação de Jesus pela sua morte. Escreve a esse propósito Santo Efrem, o sírio: durante a ceia, Jesus sacrificou-se, na cruz Ele foi morto por outros (cf. Hino sobre a crucificação de 3, 1). 

“Este é o meu sangue”. Clara é aqui a referência à linguagem sacrificial de Israel. Jesus se apresenta como o verdadeiro e definitivo sacrifício, no qual se realiza a expiação dos pecados, o que, nos ritos do Antigo Testamento, não fora ainda plenamente realizado. A essa expressão se seguirão outras duas muito significativas. Em primeiro lugar, Jesus Cristo disse que seu sangue era “derramado em favor de muitos”, com uma compreensível referência aos cantos do Servo, encontrados no livro de Isaías (cf. capítulo 53). Com o acréscimo de “o sangue da aliança”, Jesus deixa claro que, graças a sua morte, finalmente se torna efetiva a aliança feita por Deus com “seu” povo. A antiga aliança fora estabelecida no Monte Sinai com o rito sacrificial de animais, como ouvimos na primeira leitura, e o povo eleito, libertado da escravidão no Egito, havia prometido seguir as orientações do Senhor (cf. Ex. 24, 3).

Na verdade, Israel, com a construção do bezerro de ouro, mostrou-se incapaz de se manter fiel à aliança divina, que foi transgredida frequentemente, adaptando ao coração de pedra a Lei que era para ensinar o caminho da vida. Mas o Senhor não abdicou de sua promessa e, através dos profetas, chamou a atenção para a dimensão interior da aliança, e anunciou que gravaria esta nova lei nos corações dos fiéis (cf. Jer. 31, 33), transformando-os com o dom do Espírito (cf. Ez. 36, 25-27). E foi durante a Última Ceia que fez com os discípulos esta nova aliança, não a confirmando com sacrifícios de animais, como no passado, mas com o seu sangue, tornado “sangue da nova aliança”.

Isto vem bem evidenciado na segunda leitura, retirada da Carta aos Hebreus, onde o autor sagrado declara que Jesus é o “mediador de uma nova aliança” (9, 15). Tornou-se isto graças ao seu sangue ou, mais precisamente, graças ao dom de si, dando pleno valor ao seu sangue. Na Cruz, Jesus é ao mesmo tempo vítima e sacerdote: vítima digna de Deus porque sem mancha, e sumo sacerdote que oferece a si mesmo, sob o impulso do Espírito Santo, e intercede por toda a humanidade. A Cruz é, portanto, mistério de amor e de salvação, que purifica a consciência da “opere morte”, isto é, do pecado, e santifica-nos, esculpindo a nova aliança em nossos corações; a Eucaristia, renovando o sacrifício da Cruz, nos faz capazes de viver fielmente a comunhão com Deus.

Queridos irmãos e irmãs -a quem saúdo a todos com afeto, começando pelo cardeal vigário e os outros cardeais e bispos presentes- como o povo eleito reunido na assembleia do Sinai, ainda hoje queremos reafirmar nossa fidelidade ao Senhor. Há poucos dias, na abertura da convenção anual diocesana, mencionei a importância de permanecer, como a Igreja, na escuta da Palavra de Deus, por meio da oração e do estudo das Escrituras, e em especial da prática da lectio divina. Sei que muitas iniciativas se fazem nas paróquias, seminários, comunidades religiosas, no âmbito das irmandades, associações e movimentos apostólicos, que enriquecem a nossa comunidade diocesana. Aos membros destes diferentes organismos eclesiais envio minha fraterna saudação. A sua numerosa presença nesta grande festa, queridos amigos, põe em destaque nossa comunidade, caracterizada por uma pluralidade de culturas e experiências diferentes; Deus a molda como “seu” povo, como o Corpo de Cristo, graças a nossa sincera participação na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia. Nutridos de Cristo, nós, seus discípulos, recebemos a missão de ser a “alma” da nossa cidade (cf. Lettera a Diogneto [Carta a Diogneto], 6: ed. Funk, I, p. 400; ver também LG, 38), fermento de renovação, pão repartido para todos, especialmente para aqueles que estão em situações de sofrimento, pobreza e dor física e espiritual. Tornamo-nos testemunhas do seu amor. 

Faço um apelo especial a vós, queridos sacerdotes, a quem Cristo escolheu, para que junto dele possam viver a vossa vida como sacrifício de louvor para a salvação do mundo. Só a partir da união com Jesus pode-se ter aquela fecundidade espiritual que é fonte de esperança em seu ministério pastoral. Recorda São Leão Magno que “a nossa participação no corpo e sangue de Cristo não tende a nada mais que nos transformar naquilo que recebemos” (Sermão 12, De Passione 3/7, PL 54). Se isto é verdade para cada cristão, é ainda mais para nós sacerdotes. Ser Eucaristia! Seja este o nosso desejo e esforço constante, para que a oferta do corpo e sangue do Senhor que fazemos sobre o altar esteja acompanhada do sacrifício das nossas vidas. Todos os dias, cultivemos pelo Corpo e Sangue do Senhor aquele amor livre e puro que nos faz dignos ministros de Cristo e testemunhas da sua alegria. É aquilo que os fiéis esperam de um padre: o exemplo de que é uma verdadeira devoção à Eucaristia; o amor que se vê ao passar longos momentos de silêncio e de adoração diante de Jesus, como fazia o Santo Cura d’Ars, que será lembrado de modo especial durante o Ano Sacerdotal.

São João Maria Vianney gostava de dizer aos seus paroquianos: “Venham para a comunhão… É verdade que não somos dignos, mas precisamos” (Bernard Nodet, Le Curé d’Ars. Sa pensée – Filho coeur, éd. Mappus Xavier, Paris 1995, p. 119). Com a consciência da inadequação por causa dos pecados, mas com a necessidade de nutrir-nos do amor que o Senhor oferece no sacramento eucarístico, renovamos esta noite nossa fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Não se deve ter como um dado adquirido esta fé! Há hoje o risco de uma secularização intrínseca na Igreja, que se pode traduzir em um culto eucarístico formal e vazio, em celebrações destituídas daquela participação do coração que se exprime na veneração e no respeito pela liturgia. É sempre forte a tentação de reduzir a oração a momentos superficiais e apressados, deixando-se submergir pelas atividades e preocupações terrenas. Quando em breve recitarmos o Pai Nosso, a oração por excelência, vamos dizer: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”, a pensar, naturalmente, no pão de cada dia. Esta questão contém, no entanto, algo mais profundo. O termo grego epioúsios, que traduzimos como “quotidiano”, poderia também aludir ao pão “supra-substancial”, o pão “do mundo a advir”. Alguns Padres da Igreja viram aqui uma referência à Eucaristia, o pão da vida eterna que é dado na Santa Missa, a fim de que desde agora o mundo futuro comece em nós. Com a Eucaristia, portanto, o céu vem sobre a terra, o advir de Deus ergue-se no presente e o tempo é abraçado pela eternidade divina. 

Queridos irmãos e irmãs, como todos os anos, no final da Santa Missa, teremos a tradicional procissão eucarística e elevaremos, com orações e cantos, um coro de imploração ao Senhor presente na hóstia consagrada. Diremos a Ele em nome de toda cidade: permanece conosco, Jesus, concede a nós o dom de ti e nos dê o pão que nos alimenta para a vida eterna! Liberte este mundo do veneno do mal, da violência e do ódio que polui as mentes, purifica-o com a força do seu amor misericordioso. E a ti, Maria, que se fez mulher “eucarística” em sua vida, ajuda-nos a caminhar juntos rumo à meta do céu, alimentados pelo Corpo e Sangue de Cristo, pão da vida eterna e remédio da imortalidade divina. Amém!

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