“A identidade missionária do presbítero na Igreja, como dimensão intrínseca do exercício dos tria munera”

Assembléia Plenária da Congregação para o Clero

No Vaticano 16-18 de março de 2009

SAUDAÇÃO E INTRODUÇÃO

do Cardeal Dom Cláudio Hummes

Prefeito da Congregação para o Clero

 Senhores Cardeais, veneráveis Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,

 1. Introdução

             Saúdo cordialmente e dou as boas-vindas a todos os Membros da Congregação e, particularmente, aos que pela primeira vez, como novos Membros, unem-se a nós nesta Assembléia Plenária. A todos que, com não poucos sacrifícios, vieram à Cidade Eterna, meu sincero agradecimento.

            Desejo convosco agradecer a Deus que nos reuniu nesta Sala, cum Petro et sub Petro e sob a proteção do Apóstolo Paulo, justamente neste Ano Paulino, naquele espírito de comunhão, de fé e de amor, que nos une no serviço à Igreja, para o bem de nossos presbíteros, diáconos e de todo o Povo de Deus.

            Nos últimos anos, este Dicastério deu uma contribuição não indiferente no âmbito de suas competências. Como não recordar o importante Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, publicado em 1994; depois, em 1999, a carta circular “O presbítero mestre da Palavra, ministro dos Sacramentos e guia da comunidade em vista do terceiro milênio cristão“; em 2002, a instrução “O presbítero, pastor e guia da comunidade paroquial” e, finalmente, em 2004, a Assembléia Plenária voltou sua atenção aos “organismos de colaboração na Igreja particular, em âmbito diocesano e paroquial” e à “Pastoral dos Santuários“, procurando evidenciar, com clareza e integralidade, o específico fundamento teológico sacramental que subjaz às normas canônicas e às recentes disposições magisteriais sobre os organismos diocesanos e paroquiais; indicando, assim, a estrada para sanar e remover as inadequadas constituições e práticas de funcionamento de “organismos de participação” na Igreja particular, em âmbito diocesano e paroquial, que são, às vezes, não conformes ou contrárias à legislação universal da Igreja. 

            Hoje, em sintonia com o Magistério da Igreja, e de modo particular com os Documentos do Concílio Vaticano II e com as recentes intervenções do Sumo Pontífice, a Congregação propõe um tema que considera de notável relevância eclesial neste nosso tempo: “A identidade missionária do presbítero na Igreja, como dimensão instrínseca do exercício dos tria munera“. O objetivo fundamental è evidenciar a importância da identidade missionária do presbítero, no atual contexto da vida da Igreja. 

2. A urgência missionária no mundo atual

            A Igreja é, por sua natureza, missionária, enquanto tem sua origem na missão do Filho de Deus e na missão do Espírito Santo, segundo o desígnio de Deus Pai (Decreto Ad Gentes, n. 2). Trata-se de uma missionariedade intrínseca, baseada por fim nas próprias missões trinitárias. Encontramo-la, quando Jesus envia: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). Encontramo-la, também, na vocação do Apóstolo dos gentios: “Vai, porque é para os gentios, para longe, que quero enviar-te” (At 22, 21).

            Nas atuais circunstâncias do panorama mundial, renova-se a urgência missionária, não somente “ad gentes“, mas também no interior do próprio rebanho, já constituído como Igreja.

            O Papa Bento XVI, desde o início de seu pontificado, repete constantemente o tema das novas condições em que se encontra a Igreja hoje na sociedade pós-moderna. Defrontamo-nos com uma sociedade cuja cultura procura recusar a Deus e è profundamente marcada pelo secularismo, pelo relativismo, cientismo, indiferentismo religioso, agnosticismo e laicismo, às vezes, militante e anti-religioso. Esta nova cultura pós-moderna avança principalmente nos países ocidentais, é dominante na mídia, mas expande-se, progressivamente, a todos os povos, através da mobilidade humana e de todas as formas atuais de comunicação.

            O Papa, falando aos bispos alemães, durante a Jornada mundial da Juventude (2005), disse: “Sabemos que o secularismo e a descristianização estão a alastrar-se, que o relativismo cresce e que a influência da ética e da moral católicas diminui cada vez mais. Não poucas pessoas abandonam a Igreja ou então, se nela permanecem, somente aceitam uma parte do ensinamento católico, escolhendo somente determinados aspectos do cristianismo. […]. Dilectos Irmãos, vós mesmos afirmastes […]: “Nós tornamo-nos terra de missão”. […] Deveríamos reflectir seriamente sobre o modo em que hoje podemos realizar uma verdadeira evangelização […]. Não é suficiente que procuremos manter o rebanho já existente, embora isto seja muito importante […]. Penso que todos juntos devemos procurar descobrir novos modos de apresentar o Evangelho ao mundo contemporâneo, de anunciar de novo Cristo e de estabelecer a fé” (Disc. no Piussaal do Seminário de Colônia, 21.8.2005).

            Ao mesmo tempo, cresce a consciência de que, além dos problemas da cultura pós-moderna, apresentam-se o problema da altíssima porcentagem de católicos que vivem afastados da prática religiosa e o problema da diminuição drástica, por diversas causas, do número dos que se declaram católicos; concomitantemente, existe o problema do crescimento extraordinário das assim chamadas “Seitas evangélicas pentecostais” e de outras Seitas.

            Frente a esta realidade, urge acolher com generosidade o convite do Santo Padre para uma verdadeira “missão”, dirigida àqueles que, embora tenham sido batizados por nós, por diversas circunstâncias históricas, não foram suficientemente evangelizados. Em seu discurso aos bispos brasileiros, em 2007, o Papa disse: ” É necessário, portanto, encaminhar a atividade apostólica como uma verdadeira missão dentro do rebanho que constitui a Igreja Católica no Brasil, promovendo uma evangelização metódica e capilar em vista de uma adesão pessoal e comunitária a Cristo.[…] Requer-se uma missão evangelizadora que convoque todas as forças vivas deste imenso rebanho” (Disc. aos bispos brasileiros, 11 de maio de 2007, n. 3).

3. A identidade missionária dos presbíteros e os tria munera

            O exercício do ministério presbiteral manifesta-se como fundamental, no  Povo de Deus, para responder às situações que se apresentam em contraste com o Evangelho. A esse respeito, é necessário retomar, com toda sua força, os fundamentos da verdadeira identidade missionária dos presbíteros, visando à superação dos problemas que afligem a humanidade e se refletem na vida da Igreja.

            O decreto conciliar Presbyterorum Ordinis, sobre o ministério e a vida dos presbíteros, desenvolve esta verdade quando se refere, nos números 4-6, respetivamente aos presbíteros como ministros da Palavra de Deus, ministros da santificação com os Sacramentos , em especial, a Eucaristia, e guias e educadores do Povo de Deus. São os “tria munera” do presbítero.

            A identidade missionária do presbítero, também se não é objeto explícito, está claramente presente nestes textos. O sacerdote, “enviado”, que participa da missão de Cristo, o enviado do Pai, encontra-se envolvido na dinâmica missionária, sem a qual não poderia viver verdadeiramente a própria identidade (João Paulo II, Pastores dabo vobis, 26).

            Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores dabo vobis afirma-se que, ainda que inserido numa Igreja particular, o presbítero, em virtude de sua ordenação, recebeu um dom espiritual que o prepara para uma missão universal, até os confins da terra (cf. At 1,8), porque “todo ministério sacerdotal participa da própria amplidão universal da missão confiada por Cristo aos Apóstolos” (PDV, 32).

            Se falamos de missão, devemos ter presente, necessariamente, que o enviado, o presbítero neste caso, encontra-se em relação seja com quem o envia seja com aqueles aos quais é enviado. Ao examinar sua relação com Cristo, o primeiro enviado do Pai, precisa-se sublinhar o fato que, na fidelidade aos textos do Novo Testamento, é Cristo mesmo quem envia e constitui os ministros de sua Igreja e, portanto, esses não podem ser considerados simplesmente eleitos ou delegados da comunidade ou do povo sacerdotal. “O presbítero encontra a plena verdade da sua identidade no ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação do próprio Cristo, sumo e eterno Sacerdote da nova Aliança; é imagem viva e transparente de Cristo sacerdote” (João Paulo II, Pastores dabo vobis, 12). 

4. O presbítero e a exigência de uma nova prática missionária 

            Na relação com Cristo, a primeira verdade que vem à luz é a importância de uma profunda identificação e intimidade com Aquele que consagra o presbítero e o envia. De fato, o ser missionário exige o ser discípulo. O Evangelho de Marcos afirma: “(Jesus) subiu depois à montanha, chamou a Si os que Ele queria, e esses foram até Ele. E constituiu Doze, para que estivessem com Ele e para enviá-los a pregar e terem autoridade para expulsar os demônios” (Mc 3, 13-15). “Chamou a Si os que Ele queria” e “para que estivessem com Ele”, eis o discipulado! Esses discípulos serão enviados a pregar e a expulsar os demônios. Eis os missionários!

            No itinerário do discipulado, tudo começa com a chamada do Senhor. A iniciativa é sempre sua. Portanto, a chamada é uma graça, que deve ser livre e humildemente acolhida e custodiada, com a ajuda do Espírito Santo. Deus nos amou primeiro. É o primado da graça. À chamada segue o encontro com Jesus para ouvir sua palavra e fazer a experiência do seu amor pela inteira humanidade e cada pessoa singularmente. Ele nos ama e nos revela o verdadeiro Deus, uno e trino, que é amor.

            No Evangelho manifesta-se como, neste encontro, o Espírito de Jesus transforma quem tem um coração aberto. Realmente, quem encontra Jesus, experimenta um profundo envolvimento com sua pessoa e sua missão no mundo, crê nele, experimenta seu amor, adere a ele, decide segui-lo incondicionalmente, para onde quer que o conduza, investe nele toda sua própria vida e, se necessário, aceita morrer por ele. Sai do encontro com um coração alegre e entusiasmado, fascinado pelo mistério de Jesus, e lança-se para anunciá-lo a todos. Assim, o discípulo se torna semelhante ao Mestre, enviado por ele aos outros e sustentado pelo Espírito Santo.

O Santo Padre Bento XVI, num comentário do citado trecho de São Marcos, apresenta a essência da vocação espiritual do sacerdote como o “estar com Cristo”, para depois “ser enviado por Ele”: “Estar com Ele e, como enviados, colocar-se a caminho rumo às pessoas: estas duas coisas são paralelas e, ao mesmo tempo, constituem a essência da vocação espiritual do sacerdócio. Permanecer com Ele e ser enviado: duas coisas inseparáveis entre si. Somente quem permanece “com Ele” aprende a conhecê-lo e pode anunciá-lo autenticamente” […]. Caso contrário, se cairia num “vazio ativístico”: “A prática afirma: onde os sacerdotes, em virtude das grandes tarefas, permitem que o ato de estar com o Senhor se reduza cada vez mais, perdendo ali enfim, apesar da sua atividade talvez heróica, a força interior que os sustém, aquilo que fazem torna-se, então, um ativismo vazio” (Homilia, nas Vésperas Marianas com religiosos e seminaristas da Baviera na Basílica de Sant’Ana em Altoeting, Alemanha, 11 de setembro de 2006).

Para o presbítero, o “estar com Ele” se renova sempre, num modo absolutamente extraordinário, na celebração quotidiana da Eucaristia, mas também na leitura orante da Bíblia, na recitação fiel da Liturgia das Horas, na oração pessoal e comunitária, na recepção do sacramento da reconciliação, na solidariedade para com os pobres e em muitas outras formas.

Trata-se de “estar com Ele” para tornar-se verdadeiro discípulo seu e para depois anunciá-lo com vigor e eficácia! “Estar com Ele” para levá-lo aos homens, eis a tarefa central do sacerdote.

Trata-se, em última análise, de viver uma vida centrada em Deus. “Se numa vida sacerdotal se perde esta centralidade de Deus, esvazia-se aos poucos também o zelo do agir” (Papa Bento XVI, aos membros da Cúria Romana, 22 de dezembro de 2006). Desta profunda e íntima experiência de Deus nasce a vocação missionária dos presbíteros.

Hoje, essa missão se desenvolve necessariamente em dois âmbitos, a saber, “ad gentes” e no interior do próprio rebanho já constituído da Igreja, ou seja, entre os batizados. Os horizontes da missão “ad gentes” se alargam e requerem um renovado impulso missionário. A Igreja olha com desvelo, amor e esperança, por exemplo, para a Ásia, especialmente para a China, e para a África. Os presbíteros são convidados a ouvir o sopro do Espírito e a participar desta solicitude da Igreja universal. Doutro lado, no interior mesmo do rebanho já constituído da Igreja, nos países chamados cristãos, onde infelizmente mais da metade dos batizados não participa da vida da Igreja, porque pouco ou nada evangelizados, uma evangelização missionária torna-se urgente e improrrogável. É sobre esta missão no interior do rebanho, que queremos sobretudo refletir nesta Plenária. A missão “ad gentes” é da competência específica da Congregação para a Evangelização dos Povos. 

5. O presbítero, discípulo e missionário, no exercício dos “tria munera 

            O Concílio Vaticano II apresenta o presbítero como ministro da Palavra, ministro da santificação com os Sacramentos, especialmente, com a Eucaristia, e como pastor, guia e educador do Povo de Deus (cf. Presbyterorum Ordinis, nn. 4-6). São os “tria munera“, âmbitos do seu ser discípulo e missionário.

5.1 No âmbito do munus docendi

Antes de tudo, para ser verdadeiro missionário no interior do rebanho da Igreja, segundo as atuais exigências, é essencial e indispensável que o presbítero se decida não somente a acolher e evangelizar os que o procuram, seja na paróquia seja alhures, mas a “levantar-se e ir” em busca, principalmente, dos batizados que não participam da vida da comunidade eclesial, e também de todos que pouco, ou nada, conhecem Jesus Cristo. Esta nova missão deve ser abraçada com entusiasmo por toda a paróquia, em forma permanente, com um elã que procure alcançar todos os batizados do próprio território e depois também os não batizados. O anúncio especificamente missionário do Evangelho requer que se dê um destaque central ao Kerigma. Este primeiro ou renovado anúncio kerigmático de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, e de seu Reino, tem, sem dúvida, um vigor e uma unção especial do Espírito Santo. O Kerigma é por excelência o conteúdo da pregação missionária.

Na encíclica Redemptoris Missio (1990), João Paulo II escreveu: “Na realidade complexa da missão, o primeiro anúncio tem um papel central e insubstituível, porque introduz “no mistério do amor de Deus, que, em Cristo, nos chama a uma estreita relação pessoal com Ele” 73 e predispõe a vida para a conversão. A fé nasce do anúncio, e cada comunidade eclesial consolida-se e vive da resposta pessoal de cada fiel a esse anúncio. […]74

O anúncio tem por objeto Cristo crucificado, morto e ressuscitado: por meio d’Ele se realiza a plena e autêntica libertação do mal, do pecado e da morte; n’Ele Deus dá a “vida nova “, divina e eterna. É esta a “Boa Nova”, que muda o homem e a história da humanidade, e que todos os povos têm o direito de conhecer. Um tal anúncio tem de se inserir no contexto vital do homem e dos povos que o recebem. Além disso, deve ser feito numa atitude de amor e de estima a quem o escuta, com uma linguagem concreta e adaptada às circunstancias. Para isso concorre o Espírito, que instaura uma união entre o missionário e os ouvintes, tornada possível enquanto um e os outros, por Cristo, entram em comunhão com o Pai” (n.44).

Portanto, é preciso retomar, “opportune et importune“, com muita constância, convicção e alegria evangelizadora, este primeiro anúncio, seja nas homilias, durante as Santas Missas ou outros eventos evangelizadores, seja nas catequeses,  nas visitas domiciliares, nas praças, nos meios de comunicação social, nos encontros pessoais com nossos batizados que não participam da vida das comunidades eclesiais, enfim, em toda parte para onde nos leve o Espírito e nos ofereça uma oportunidade que não se deveria perder.

Neste esforço missionário, os destinatários privilegiados sejam os pobres. Como disse o próprio Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim […] e me enviou para anunciar aos pobres uma alegre notícia” (Lc 4,18). No já citado discurso aos bispos brasileiros, Bento XVI disse: “Entre os problemas que afligem a vossa solicitude pastoral está, sem dúvida, a questão dos católicos que abandonam a vida eclesial. Parece claro que a causa principal, dentre outras, deste problema, possa ser atribuída à falta de uma evangelização em que Cristo e a sua Igreja estejam no centro de toda explanação. […] Na Encíclica Deus caritas est recordei que “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (n. 1). É necessário, portanto, encaminhar a atividade apostólica como uma verdadeira missão dentro do rebanho que constitui a Igreja Católica no Brasil, promovendo uma evangelização metódica e capilar em vista de uma adesão pessoal e comunitária a Cristo. Trata-se efetivamente de não poupar esforços na busca dos católicos afastados e daqueles que pouco ou nada conhecem sobre Jesus Cristo, […]. Neste esforço evangelizador, a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos ou religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de compreensão e de delicada caridade. Mas se as pessoas encontradas estão numa situação de pobreza, é preciso ajudá-las, como faziam as primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam amadas de verdade. O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do “pão material”. Como pude evidenciar na Encíclica Deus caritas est, “a Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra” (n. 22) (n.3). 

5.2 No âmbito do munus sanctificandiDe cada celebração sacramental faz parte a proclamação da Palavra de Deus, visto que o sacramento exige a fé de quem o recebe. Este fato indica que a celebração dos sacramentos, especialmente da Eucaristia, possui uma dimensão missionária intrínseca, que pode ser desenvolvida como anúncio do Senhor Jesus e do seu Reino, àqueles que pouco ou nada foram evangelizados.

 

Depois, é necessário sublinhar que a Eucaristia é o centro da vida da Igreja e de cada cristão. Neste sentido, pode dizer-se que a Eucaristia é o ponto de chegada da missão. O missionário vai em busca das pessoas e dos povos para conduzi-los à mesa do Senhor, prenúncio escatológico do banquete da vida eterna, junto de Deus, no céu, que será a realização plena da salvação, segundo o desígnio redentor do Pai. A Eucaristia tem, além disso, uma dimensão de envio missionário. Cada Santa Missa se conclui com o envio de todos os participantes para a obra missionária na sociedade.

            A comunidade cristã, ao celebrar a Eucaristia e ao receber o sacramento do Corpo e do Sangue de Jesus, é unida profundamente ao Senhor e cumulada deste seu amor sem medida. Ao mesmo tempo, recebe cada vez de novo o mandato do Senhor “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” e se sente impelida pelo Espírito de Cristo a ir e anunciar a todas as criaturas a Boa Nova do amor de Deus e da esperança certa na sua misericórdia salvadora. No decreto Presbyterorum Ordinis, do Concílio Vaticano II, se diz: “A Eucaristia constitue, de fato, a fonte e o cume de toda a evangelização” (n.5).

            A própria celebração eucarística, e dos outros sacramentos, bela, serena, digna e devota, segundo as normas litúrgicas, torna-se uma evangelização muito especial para os fiéis presentes.

            Todos os sacramentos recebem a própria força santificante da morte e ressurreição de Cristo e proclamam a misericórdia indefectível de Deus. Sua essência e eficácia missionárias devem ser sempre sublinhadas.

5.3 No âmbito do munus regendiNa atual urgência missionária é indispensável que os sacerdotes, profundamente animados pela caridade pastoral, conscientes de ser ministros de Cristo, guiem à missão a comunidade que lhes foi confiada. Parte integrante do munus regendi é o empenho pessoal do presbítero em suscitar nos fiéis leigos o espírito missionário e a corresponsabilidade, contando com eles para a nova evangelização.

 

Realmente, a corresponsabilidade e a coparticipação dos fiéis leigos na missão da Igreja não comporta um anulamento do ser pastor do presbítero. No encontro do Papa com os sacerdotes de Belluno-Feltre e Treviso, ele disse: “Parece-me que isso seja um dos resultados importantes e positivos do Concílio: a corresponsabilidade de toda a paróquia: não é mais só o pároco que deve vivificar tudo, mas, porque todos somos paróquia, todos devemos colaborar e ajudar, a fim de que o pároco não permaneça isolado lá em cima como coordenador, ma se encontre realmente como pastor ajudado nestes trabalhos comuns nos quais, juntos, se realiza e se vive a paróquia” (Id.).

            No munus regendi o pároco, no que se refere à missão na sua paróquia, deverá convocar os membros da comunidade paroquial para assumir com ele esta missão. O leigo é chamado pelo Senhor, em virtude do batismo e da crisma, a ser evangelizador. Assim, o pároco convoque seus leigos, os forme e os envie à missão, à qual ele mesmo se dedicará.

            Para o bom êxito da missão paroquial, será necessária uma boa metodologia missionária. A Igreja tem nisto uma experiência bi-milenária. Mesmo assim, cada época histórica traz consigo novas circunstâncias que devem ser tomadas em consideração no modo de realizar a missão.

            A autêntica identidade missionária exige também que o presbítero torne evidente sua genuina presença de pastor. Em tal contexto, comprende-se também a importância pastoral da veste eclesiástica, que é sinal da identidade universal do sacerdote. Quanto mais uma sociedade é pluralista e secularizada, tanto mais precisa de sinais de identificação do sagrado (Cf. Paulo VI, Catequese na Audiência geral de 17.9.1969; Alocução ao Clero, de 1.3.1973; Insegnamenti  di Paolo VI, VII (1969), 1065; XI (1973), 176; can. 284; Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, n.66; O Presbítero: mestre da Palavra…, cap. IV, n.3). De modo semelhante, mas ainda mais profundo, pode e deve ser sinal da transcendência do Reino de Deus o forte testemunho do celibato sacerdotal.

            É importante acrescentar ainda que as circunstâncias atuais revelam a urgência e a necessidade de uma profunda disponibilidade dos presbíteros, que não estejam só prontos a mudar de encargo pastoral, mas também de cidade, região ou país, conforme as necessidades, e de assumir aquela missão que em cada circunstância seja necessária, indo, por amor a Deus, para além dos gostos e projetos pessoais. Pela própria natureza de seu ministério, devem estar imbuidos e animados de um profundo espírito missionário e daquele espírito verdadeiramente católico que os habitue a olhar para além dos confins da própria diocese, nação ou rito, e ir ao encontro das necessidades da Igreja inteira, prontos, em seu ânimo, a pregar o Evangelho em todo lugar (Cf. Decr. Optatam totius, n. 20; Catecismo da Igreja Católica, n. 1565; João Paulo II, Exort.Ap. Pós-Sin. Pastores dabo vobis, n. 18). 

6. A formação missionária dos presbíteros e as vocações sacerdotais

Todos os presbíteros devem receber uma específica e acurada formação missionária, dado que a Igreja quer empenhar-se, com renovado ardor e urgência, na missão ad gentes e numa evangelização missionaria dirigida aos próprios batizados, particularmente aos que estão afastados da participação na vida e na atividade da comunidade eclesial. Trata-se de uma formação que deveria ter início já no seminário, de modo sistemático, aprofundado e amplo.

Mostra-se sempre mais urgente, então, criar um laço fundamental entre o tempo da formação seminarística e o do início do ministério e da formação permanente, que devem ser conjugados um ao outro e absolutamente harmônicos, em ordem à missão, a fim de que na obra missionária o clero possa chegar a ser sempre mais plenamente o que é: uma pérola preciosa e indispensável, oferecida por Cristo à Igreja e à humanidade inteira. 

7. Conclusão

Se a missionariedade é um elemento constitutivo da identidade eclesial, devemos ser gratos ao Senhor que renova, também através do Magistério Pontifício, essa clara consciência em toda sua Igreja e, particularmente, nos presbíteros.

A urgência missionária no mundo atual é realmente grande e requer uma renovação da pastoral, que deveria ser concebida como “missão permanente”, seja ad gentes, seja lá onde a Igreja já está estabelecida, indo em busca daqueles que nós batizamos e que têm direito a serem por nós evangelizados. 

            Os presbíteros e toda a comunidade eclesial não deveriam poupar energias, opportune et importune, na evangelização missionária urgente, intensa e extensa, em todos os ambientes da sociedade atual, mas sobretudo entre os pobres. Uma tal permanente “tensão missionária” não poderá não ajudar também na renovação da verdadeira identidade sacerdotal em cada presbítero, o qual, justamente no exercício missionário dos tria munera, encontrará a principal via de santificação pessoal, e portanto da plena realização da própria vocação sacerdotal e humana.

A missão e o presbítero, para serem tais, segundo o Coração do Bom Pastor, espelhem-se incessantemente na Virgem Maria que, cheia de graça, levou o Senhor a todo o mundo, como “luz das nações”, e continua a visitar os homens de todos os tempos, ainda peregrinos nas estradas da vida terrena, para mostrar-lhes o rosto de Jesus de Nazaré, nosso único Salvador.

 Cardeal Cláudio Hummes
Arcebispo Emérito de São Paulo
Prefeito da Congregação para o Clero

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