Não podeis servir a Deus e ao dinheiro
Mt 6,24-34
Meus caros irmãos e irmãs,
O evangelho deste domingo faz parte do Sermão da Montanha e apresenta como tema central o desapego dos bens materiais e ressalta o sentido cristão da Providência. O evangelista São Mateus faz transparecer a forte advertência de Jesus contra os tesouros deste mundo e mostra o apego às riquezas como uma real escravidão. A exortação não deixa de ser também um desdobramento do Decálogo, em particular do primeiro mandamento, tal como o próprio Deus o declarou através dos seus profetas (cf. Ex 20,3-5).
Os ensinamentos de Jesus fazem um eco imediato do apelo solene apresentado pelo livro do Deuteronômio: “Ama o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a sua alma e com todas as suas forças” (Dt 6, 5). E no Antigo Testamento ainda temos uma outra prescrição do Senhor: “Não terás outro deus além de mim” (Ex 20,3). Jesus resumiu esses deveres do homem para com Deus nestas palavras: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente” (Mt 22, 37).
Nas duas liturgias dominicais passadas, Jesus nos ensinava qual deve ser a nossa atitude para com os outros. No Evangelho deste domingo, ele nos revela qual deve ser a nossa relação com os bens materiais e o lugar que eles devem ter na nossa vida e nos alerta: “Ninguém pode servir a dois senhores: pois ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 24).
A referência à incompatibilidade entre Deus e o dinheiro nos convida a uma particular reflexão neste campo. O dinheiro é o verdadeiro centro do poder no mundo. Ele compra consciências, poder, bem-estar, projeção social e, por ele, quantas mortes acontecem e o homem chega a renunciar à própria dignidade e, pelo dinheiro, acaba destruindo a natureza e desfigura até a obra da criação de Deus.
Quando Jesus diz: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro!” Em outras palavras, o texto quer nos dizer que somente Deus deve ser o alicerce da nossa existência. O cristão deve distinguir-se pela absoluta confiança no Pai celeste, como foi para Jesus. É precisamente a relação com Deus Pai que dá sentido a toda a vida de Cristo, às suas palavras, aos seus gestos de salvação, até à sua paixão, morte e ressurreição. Com o seu testemunho de vida, Jesus demonstrou o que significa viver com os pés bem firmes no chão, atentos às situações concretas do próximo, e ao mesmo tempo, tendo sempre o coração no Céu, imerso na misericórdia de Deus.
Jesus nos coloca diante de dois senhores diametralmente opostos no que concerne aos seus respectivos interesses: Deus e o dinheiro. A profissão de fé em Deus exige de nós crença e amor total, além da prática dos mandamentos e das virtudes. O dinheiro, por sua vez, nos inspira à ambição, vaidade, orgulho, menosprezo do próximo, nos faz ser seu servo e nos distancia de Deus.
O texto evangélico nos diz: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (v. 24). O verbo servir, empregado neste versículo, refere-se à situação de um servo que, sem restrição alguma, entrega sua vontade a um senhor. O Apóstolo São Paulo já nos adverte: “Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para lhe obedecer, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça?” (Rm 6,16). E São Pedro também ressalta: “O homem é feito escravo daquele que o venceu” (2Pd 2,19). O apego às riquezas constitui, a partir de certo grau, uma real escravidão. As faculdades do escravo pertencem ao senhor, a quem deve prestar contas de todo o seu serviço.
O mal não está em ter dinheiro e servir-se dele. O grande erro está quando o homem deixa que o dinheiro tome conta do seu coração e permite que ele se transforme em seu patrão. Existem muitos casos de pessoas que abandonaram a fé e até mesmo a religião, porque deixaram se levar pelo fascínio dominador da riqueza.
Sempre que a lógica do “ter” domina o coração do homem, o dinheiro ocupa o lugar de Deus e passa a ser o seu ídolo. Normalmente os ídolos acabam destruindo o homem. E Jesus apresenta o dinheiro como o pior de todos. O dinheiro pode proporcionar roupas finas, prazeres, carros, viagens etc. Mas isto pode ser perigoso, pois a pessoa pode tornar-se dependente do dinheiro e, com isto, pode perder a sua própria dignidade, passa a enganar os outros e tornando-se infiel à sua própria condição de filho de Deus. O perigo ocorre quando Deus passa a ocupar um lugar secundário na vida do homem; e o dinheiro torna-se uma referência fundamental para a sua vida.
Também pode ocorrer o risco de alguém ficar lisonjeado com o dinheiro que ganha através do seu trabalho e, com isto, esquecer-se de Deus, por isto, a grande lição do Evangelho: “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Estas palavras de Jesus devem ecoar em nosso coração e, com sinceridade, devemos questionar a nós mesmos a quem servimos e quem é o centro da atenção da nossa vida.
Jesus também nos recorda que Deus nos conhece e que providencia tudo para nós. Os pássaros não semeiam, não colhem nem ajuntam em armazéns, e encontram sempre o que comer. Os lírios do campo não trabalham nem fiam e são vestidos esplendorosamente. Pois bem, se para os animais e os vegetais, Deus assim providenciou, muito mais para nós, que somos seus filhos, criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26).
Os ensinamentos de Jesus para este domingo podem dar margem a mal-entendidos, se a interpretação ocorrer na linha da acomodação e da passividade. Jesus não quer nos dispensar do trabalho. O Evangelho precisa ser compreendido em todo o seu conjunto harmonioso. O trabalho humano é algo digno e necessário, como bem ressalta o Apóstolo São Paulo, lembrando da obrigação do trabalho; chegando até mesmo a dizer que quem não quer trabalhar não tem o direito de comer (cf. 2Ts 3,10-12).
Nem mesmo as aves do céu deixam de lutar pela vida. Comparada com o homem, a ave é passiva, não prepara nem organiza sua comida, mas a encontra a partir do seu vôo. O homem, por sua vez, deve viver numa constante atitude de quem foi agraciado, pois recebeu ele inúmeros dons, frutos do amor e da misericórdia de Deus para com cada um dos seus filhos. Na verdade, a sentença que deve dominar todo o seu horizonte deve ser sempre esta: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33), como enfatiza o Evangelho.
A proposta de Jesus é um convite a confiarmos totalmente na bondade e na solicitude paternal de Deus, mas, além disso, devemos estar comprometidos com o bem e a justiça, trabalhando todos os dias, a fim de que, o mundo novo da justiça, da verdade e da paz, se concretize.
Invoquemos uma vez mais a Virgem Maria, a quem chamamos de Mãe da divina Providência, que ela interceda por nós que estamos a caminho da terra prometida, que ela nos mostre o modo simples de viver, confiantes na proteção do Deus. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB.
Mosteiro de São Bento/RJ